EFEITO QUÂNTICO
Eu nem acreditava. O amor existe. O platônico. Aquele que jamais reunirá corpos de carne e limitados, diferentes, não coerentes, não coesos. Existe num espaço sem definição, sem razão, desprovido de referências, de freqüências, de obrigações, de mínimas coisas, de larguezas e estreitezas.
O amor existe onde cada um está. Não é ciumento, sequer passional, e está acima dos outros, dos conceitos, dos aviões e dos aeroportos que tudo dissolveriam. Existe em bocas que não se tocam jamais, só os lábios do transcendental, do imaginário, do vir-a-ser inatingível. Eu te amo assim.
Sinto seu corpo intelectual. Queria dizer espiritual, mas essa palavra está desgastada, não expressa essas intensidades cósmicas. Queria dizer poética, mas ainda é pouco, muito pouco. Essa plenitude amorosa não está na poesia, talvez na sua mais pura essência indefinível.
Não quero seu corpo carnal, nu. Não quero isto. Quero o outro, aquele do princípio, aquele total. Não quero o mel do prazer carnal fugidio. Não quero os braços fortes, o peito em concha de Dionísio. Nem os lençóis de seda de momentos pequenos, medíocres, ridículos. Nem os perfumes em frascos. Nem pés nos sapatos, nem camisas abertas revelando possibilidades num trancelin erótico. Nem braguilhas demonstrando desejos. Quero você que não está aí, quero você no momento em que foi concebido, não no ventre da mãe, mas no ventre da Natureza. Quero você em mim como estou em você sem saber como nos entrelaçamos. Quero além do poder das palavras, do veneno e da redenção nelas contidas.
Não haverá um dia em que nos olharemos nos olhos, mas os seus e os meus olhos já se encontram quânticos. Não juntaremos também nossas mãos e nem nos beliscaremos candidamente feito casal de pombos na rede elétrica. Sei que nos sentimos e isto é tudo.