Destros muito sinistros

Gente, o Recanto anda parado! Hoje resolvi ler todos os meus amigos dos últimos anos.

Que tá acontecendo, heim?! A velha geração dos meus amigos parou de escrever. Meses e meses em silêncio... Como não se comunicam comigo, eu pensei que estavam cheios de textos, e - BABAU - nada!

Acho que sei das coisas que podem estar acontecendo:

Grana

O fim de ano e início de outro trazem responsabilidades. Quem não vive de Natal nem Ano Novo, se ferra. Quando vem Carnaval, piora... Como o ano produtivo começa em março, muitos ainda estão em crise com os seus saldos negativos - a pior coisa para um cidadão honesto.

Energias negativas e paranormalidade

Muitos que aqui escrevem são paranormais. Uns acham que são doutores da verdade porque estudaram alguma merreca na escola e fazem versinhos bem rimados. Mas com quem lido são pessoas espiritualizadas, que escrevem além de poeminhas redondinhos e sem graça.

Alguns ainda sofrem com as energias do mundo, que começaram no Natal. Desanimaram ou estão passando fatos bem reais, que acabaram fazendo parte de suas vidas. Eu disse que isso ia acontecer - e acontece.

"Poetas", ou melhor, escritores, mesmo que sejam amadores, são pessoas especiais. Não sentem o mundo como seres autômatos. Sentem o mundo de forma destra, da forma como o mundo deveria ser sentido por todos. Cada um aguetando o seu rojão. Esquecem de escrever ou não podem fazê-lo. No Brasil ninguém come galinha, arroz e feijão com poesia - nem com livros, nem com bate-papos literários. A turma tá dando duro.

Mas eu sinto a maior falta deles! Sinto falta da forma idílica com que nos conhecemos, quase que ingênua - cada um com sua vida, mas cada um se encontrando a certa hora em um mundo muito bonito, que é o mundo da escrita, dos sonhos, do pensamento, da alma.

Estou aqui há mais de um ano, quase dois, não sei. Entrei por acaso, sem pretensões, de chinfra. Conheci e conheço gente da melhor categoria. Tá certo que muita gente se esbarrou comigo e escorregou pra culatra, mas quem ficou, quem fica, quem persevera, é aquele que tem uma meta, quem já venceu barreiras e quer escrever.

A maioria escreve coisas que jamais serão reconhecidas ou lidas em massa, mas todos eles, os que eu admiro como escritores, estes não podem jamais esmorecer, pois de anticultura vive a Internet. Se vai embora quem escreve bem, ficam apenas os babacas orkuteiros ou os eternos traumatizados sexuais. Como vai ficar a literatura informal, heim???

Somos como camelôs. Não temos vínculo empregatício com nada, mas tamos lá sempre, batendo ponto e "vendendo nosso peixe" "de grátis". Pra quê? Muitos não entenderão. Somente os poucos que teem capacidade pra isso.

Voltem a escrever! Eu sinto falta de me comunicar com essa tribo doida daqui.

Para parabenizar meus amigos, mas fugindo de aforismos políticos, repasso o poema de José Jacinto Cutileiro, nascido em Évora (1911/1956), médico e escritor de um só livro: “Versos da Mão Esquerda”, título atribuído ao poema abaixo:


VERSOS DA MÃO ESQUERDA

Saúdo aqui a mão
Com que estas linhas traço
Ossuda extremidade
Do meu sinistro braço.

Sinistro: contrário de destro.
Destro, em sentido corrente,
Que tem jeito, habilidade,
Que é capaz, inteligente.

Que sabe desempenhar-se
Das tarefas complicadas
A que a vida bem obriga
De maneira apropriada.

Sinistro, neste sentido
Corrente que mencionei,
Que é sombrio, propenso a crime.
Que não conhece outra lei

Senão a obcecação
Da sua própria vontade.
Ainda noutro sentido:
Desastre, calamidade.

Saúdo, pois, esta mão
Sinistra, que paciente,
Vai transportando ao papel
O que me passa na mente.

Por isso de ser sinistra,
Porém, é bem natural
Que dê sua preferência
Ao que chamamos de mal

Que se compraza traçando,
Em correcta ortografia,
Aquilo que só de noite
Ousa vir à luz do dia.

O filho que cada um
Recusa, à hora chegada,
Por ter sido mal nascido
De uma boda improvisada.

E, diligente e ossuda,
A mão sinistra e pequena;
Não por mal, mas por ser
Assim, sinistra e pequena

Sem qualquer consideração
Por todo o resto de mim,
Pela sua dextra irmã
Que nunca se porta assim,

Vai lançando no papel,
Aos olhos de quem quer ler,
Quanto eu sem ela decerto
Nem chegaria a saber.

Por isso a saúdo aqui.
Por essa sua coragem
Lhe presto, neste momento,
A mais rendida homenagem.

Mas porque sei que, sem ela,
Bem melhor vida teria
Apesar de a estimar tanto
Talvez a adextre um dia.


Clube da Menô