CONFIDÊNCIAS ... BIOGRÁFICAS? (55): Saudade!...

Leio um belo, formoso (de forma precisa e conteúdo sugestivo) poema de Vicente de Carvalho, remetido por ITABAJARA CATTA PRETA icattapreta@uol.com.br ao JORNAL DE POESIA - INTERNET, que publica Madalena Gomes no RdL (22/01/2009.- T1398726) e não me resisto a comentá-lo por minha vez. Eis o poema:

SAUDADE

Belos amores perdidos,

Muito fiz eu com perder-vos;

Deixar-vos, sim: esquecer-vos

Fora demais, não o fiz.

Tudo se arranca do seio,

— Amor, desejo, esperança...

Só não se arranca a lembrança

De quando se foi feliz.

Roseira cheia de rosas,

Roseira cheia de espinhos,

Que eu deixei pelos caminhos,

Aberta em flor, e parti:

Por me não perder, perdi-te:

Mas mal posso assegurar-me,

— Com te perder e ganhar-me,

Se ganhei, ou se perdi...

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Não sei que encanto ou feitiço ou maravilha encerra a palavra SAUDADE que evoca nos lusófonos uma constelação de sentimentos, de difícil definição e de mais dificultoso relacionamento racional.

Afirmo ousado que não evoca, não pode evocar os mesmos sentimentos nos hispanófonos, sobretudo se atendemos ao DRAE (Diccionario de la Real Academia Española) que define assim: «saudade (Del port. 'saudade'): 1. f. Soledad, nostalgia, añoranza.»

A saudade, acho, pode assentar na "soledad" e até parecer "nostalgia" (o acento castelhano é "nostálgia") e "añoranza" (derivado de "añorar": «(Del cat. enyorar): 1. tr. Recordar con pena la ausencia, privación o pérdida de alguien o algo muy querido. U. t. c. intr.» Observe-se que o dicionário castelhano engole toda a palavra que lhe interessar, para, a seguir, pregoar que é espanhola de pleno direito...).

Bom, a saudade pode incluir e integrar todos esses sentimentos, mas é bastante mais, muito mais: é, como acima digo, constelação de sentimentos ou, antes, de sentires que a poeta galega Rosalia (ou Rosália) Castro denominava por "soidade"...

Curiosamente e não paradoxalmente a saudade é vivida pelos diversos lusófonos (galegos, portugueses, brasileiros, cabo-verdianos, são-tomenses, angolanos, guineenses, moçambicanos, timorenses -por os citar segundo o estado ou região em que são adscritos...) de maneiras bem diferentes, mas quase, apesar de tudo, idênticas pelo pouso que deixa no ânimo de quem a padece e mesmo frui.

Porque a saudade pode ser descrita, liricamente descrita como faz o poema: «Roseira cheia de rosas, / Roseira cheia de espinhos». Também vale o que continua a dizer: «Que eu deixei pelos caminhos, / Aberta em flor...»

Contudo, não estou a completo de acordo com o poeta nisso de que o que a padece e frui possa partir sem ela... É a saudade como a "negra sombra" que cantava Rosalia (ou Rosália) Castro, que já tratei neste RdL. É quase reflexo da divindade, que está em nós e nós, nela de jeito indizível, inefável e mesmo glorioso. A saudade, acho, torna-se assim num eco do paraíso perdido, mas não de todo, porque, apesar de tudo, ainda continua em nós.

Opino. É opinião que me sugere o poema de Vicente de Carvalho.