Aquele bem-te-vi adorava gozar sua liberdade em vôos matinais, até pousar no abacateiro e ali ficar troçando com bichos e gente no seu canto-refrão: bem-te-vi... bem-te-vi... bem-te-vi...
Naquela manhã de primavera a rotina se repetia, mas eis que foi radicalmente quebrada quando o bem-te-vi escutou aquele canto lindo de um sabiá.
Deixou sua ingênua música morrer no bico e com habilidade e leveza saltitava nos galhos do abacateiro buscando o melhor posicionamento pra enxergar de onde vinha aquela musica ave-clássica.
Daquele ponto viu o sabiá tenor se apresentando pra quem quisesse ouvir de dentro de uma gaiola.
O bem-te-vi não resistiu e se aproximou pra que pudesse assim melhor apreciar a beleza do espetáculo. Ficou emocionado. Este foi o primeiro sentimento, depois como qualquer pássaro mortal, sentiu inveja e nesta hora voou buscando outras paragens.
Na jabuticabeira uma légua depois do abacateiro voltou a cantar seu canto e como tinha senso crítico já não viu a menor graça ao cantá-lo. Ainda assim quis continuar cantando na tentativa de atrair algum outro pássaro. Será que sua singela música seria capaz de atrair alguém?
Tudo o que conseguiu foi fazer um chupim com cara de culpado fugir com medo da acusação. Ele não estava feliz com aquilo.
Naquele dia fez questão de voar o mais alto possível pra reclamar com Deus sobre o dom que lhe fora concedido. Sentiu-se menor, não considerava seu cantar artístico, era mais um pássaro-reporter do que canoro. Lastimou até se cansar e cansado pousou num pé de Ipê roxo. Lá se encontrou com o joão-de-barro que o vendo triste quis saber o porquê.
Depois de desabafar com o joão-de-barro ouviu do amigo que se conformasse, pois, ele também nunca fora admirado por seu canto. O bem-te-vi contestou dizendo que ao menos o parceiro era admirado pelas casas que construía. O joão-de-barro aceitou o que dissera, mas na seqüência emendou: "Aprenda com o sabiá. Pouse no abacateiro e preste a atenção em todas as notas cantadas por ele. Vá treinando e logo você poderá cantar como ele canta”.
O bem-te-vi agradeceu ao amigo pelas sábias palavras e já na manha seguinte amanheceu no abacateiro para as primeiras lições do sabiá. O pássaro preso na gaiola cantava lindamente e o bem-te-vi atento ia captando o máximo que podia.
Era difícil, muito difícil. Passado o primeiro mês chegou a duvidar que tivesse capacidade para aprender, mas não desistiu.
Quando deu seus primeiros acordes por conta própria chamou a atenção de um pardal que admirado fez questão de elogiar. Aquele foi um incentivo e tanto.
Dedicou-se ainda com mais afinco as aulas e quando começou a combinar acordes com mais segurança, pousou sobre a gaiola do sabiá. Educadamente pediu licença e começou a mostrar o que havia aprendido lá do abacateiro ouvindo o talentoso amigo.
Cantou muito bem. Não era a mesma coisa que o sabiá cantando, mais havia feito grande progresso. O sabiá ficou verdadeiramente admirado com o que o bem-te-vi tinha conseguido. O bem-te-vi por sua vez, não cabia em si de tanta felicidade e enquanto animadamente conversava com o sabiá, não se deu conta que o homem dono do sabiá, o observava e ganancioso pensava: "um bem-te-vi que canta igual a um sabiá, isso é demais, vou tratar de pegar esse pássaro e vou ganhar muito dinheiro com ele”.
O homem não apenas pensava mais agia. Pegou o alçapão colocou dentro dele as frutas preferidas do bem-te-vi, tais como: banana, mamão e laranja e foi pendurá-lo na gaiola do sabiá. Quando o homem se aproximou o bem-te-vi se assustou e fugiu. Não pode ouvir, portanto, o alerta do sabiá que já caíra na mesma armadilha.
Quando de longe viu suas frutas preferidas no alçapão, pensou: "Já estou fazendo sucesso e o homem agradecido me ofereceu minhas frutas prediletas como reconhecimento". E não quis nem saber, voou do abacateiro direto para o alçapão, antes que o sabiá pudesse lhe passar qualquer aviso. Acabou apreendido, quando quis voar viu que já não podia mais.
Sentiu a mão do homem segurando suas asas. E na louca tentativa de escapar, deu estocadas com o bico na mão de seu algoz. Mas este parecia indiferente aos seus golpes. Não teve jeito, foi parar dentro de uma gaiola.
Passado o desespero inicial, viu que agora seria vizinho do sabiá em sua prisão. O sabiá triste pela sorte do amigo e a sua própria, cantava ainda mais sentido. Ao bem-te-vi que já não podia mais voar como antes, não restava outra alternativa, senão, cantar o que aprendera e agora sem mais nada a fazer poderia aprender muito mais, uma vez, que o professor estava ao seu lado.
O homem, do seu turno, ganhava muito dinheiro e vibrava com seu novo escravo. Era imensa a audiência para ouvir o bem-te-vi que cantava igual a sabiá.
Um dia, sabiá e bem-te-vi foram surpreendidos pela visita do joão-de-barro, aquele mesmo que disse ao bem-te-vi, que ele poderia aprender tudo o que quisesse, bastava se dedicar ao aprendizado. E mais uma vez ele veio dizer o óbvio: "Bem-te-vi, pois, volte a cantar como bem-te-vi que o homem se desinteressa de você e lhe solta".
O bem-te-vi não queria acreditar: "Seria mesmo assim tão simples". Mas era obrigado a reconhecer que o João-de-barro era inteligente e não falava besteira.
Mas o sabiá também ficou interessado em ouvir o joão-de-barro sobre um conselho pra sua liberdade.
O pássaro João não mentiu: "Veja sabiá, no seu caso é muito mais difícil, pois, você terá que contrariar sua natureza. Você terá que deixar de cantar. Sei o quanto isso será doloroso pra você, mas se quiser tentar?
Ao que o sabiá respondeu: "Por que não?
Tentarei.
E assim foi feito. O bem-te-vi voltou a cantar como outros da mesma espécie e o sabiá se calou. A fonte de renda do homem secou. Não ganhava mais dinheiro com o bem-te-vi que voltou a ser comum e nem com o sabiá que parou de cantar. O homem concluiu: "Quer saber de uma coisa, vou soltar este maldito bem-te-vi que já não me ajuda em nada e está estragando meu sabiá". E assim foi feito.
No dia em que ganhou a liberdade a primeira coisa que fez o bem-te-vi foi voar o mais alto possível em direção ao azul. E pediu perdão a Deus pelas besteiras que havia falado da ultima vez que voou tão alto. Agradecido por tudo o que Deus lhe concedera cantou feliz como pássaro-reporter.
Depois agradeceu aos conselhos inteligentes do joão-de-barro e ambos ficaram esperando pela liberdade do sabiá.
Mas o homem não o soltava. Bem-te-vi e joão-de-barro visitavam o sabiá pra lhe dar forças e pedir que agüentasse firme, calado. Mas a dor no coração do sabiá foi maior e numa madrugada não suportando mais voltou a cantar e ainda com mais melodia e sentimento que antes. O homem ainda deitado em sua cama ria com a recuperação do seu pássaro e jurava nunca mais prender um bem-te-vi.
João-de-barro inteligente, já quase podia prever este desfecho e se ocupou no acabamento de sua nova mansão.
O bem-te-vi cumpria a promessa. Todas as manhã visitava o sabiá e como pássaro-reporter lhe trazia todas as noticias do jornal "Alados Empenados". E depois voava rumo ao azul para pedir a Deus proteção a si, ao joão-de-barro, ao sabiá e para toda passarada, até o chupim... Ah, e até para o homem, pra que este nunca deixasse faltar alimento para o seu amigo artista.
Não dá pra dizer: "E viveram felizes para sempre". Mas sim, cada qual buscando sua própria felicidade em meio aos problemas de cada dia.
Assim é a vida.
Naquela manhã de primavera a rotina se repetia, mas eis que foi radicalmente quebrada quando o bem-te-vi escutou aquele canto lindo de um sabiá.
Deixou sua ingênua música morrer no bico e com habilidade e leveza saltitava nos galhos do abacateiro buscando o melhor posicionamento pra enxergar de onde vinha aquela musica ave-clássica.
Daquele ponto viu o sabiá tenor se apresentando pra quem quisesse ouvir de dentro de uma gaiola.
O bem-te-vi não resistiu e se aproximou pra que pudesse assim melhor apreciar a beleza do espetáculo. Ficou emocionado. Este foi o primeiro sentimento, depois como qualquer pássaro mortal, sentiu inveja e nesta hora voou buscando outras paragens.
Na jabuticabeira uma légua depois do abacateiro voltou a cantar seu canto e como tinha senso crítico já não viu a menor graça ao cantá-lo. Ainda assim quis continuar cantando na tentativa de atrair algum outro pássaro. Será que sua singela música seria capaz de atrair alguém?
Tudo o que conseguiu foi fazer um chupim com cara de culpado fugir com medo da acusação. Ele não estava feliz com aquilo.
Naquele dia fez questão de voar o mais alto possível pra reclamar com Deus sobre o dom que lhe fora concedido. Sentiu-se menor, não considerava seu cantar artístico, era mais um pássaro-reporter do que canoro. Lastimou até se cansar e cansado pousou num pé de Ipê roxo. Lá se encontrou com o joão-de-barro que o vendo triste quis saber o porquê.
Depois de desabafar com o joão-de-barro ouviu do amigo que se conformasse, pois, ele também nunca fora admirado por seu canto. O bem-te-vi contestou dizendo que ao menos o parceiro era admirado pelas casas que construía. O joão-de-barro aceitou o que dissera, mas na seqüência emendou: "Aprenda com o sabiá. Pouse no abacateiro e preste a atenção em todas as notas cantadas por ele. Vá treinando e logo você poderá cantar como ele canta”.
O bem-te-vi agradeceu ao amigo pelas sábias palavras e já na manha seguinte amanheceu no abacateiro para as primeiras lições do sabiá. O pássaro preso na gaiola cantava lindamente e o bem-te-vi atento ia captando o máximo que podia.
Era difícil, muito difícil. Passado o primeiro mês chegou a duvidar que tivesse capacidade para aprender, mas não desistiu.
Quando deu seus primeiros acordes por conta própria chamou a atenção de um pardal que admirado fez questão de elogiar. Aquele foi um incentivo e tanto.
Dedicou-se ainda com mais afinco as aulas e quando começou a combinar acordes com mais segurança, pousou sobre a gaiola do sabiá. Educadamente pediu licença e começou a mostrar o que havia aprendido lá do abacateiro ouvindo o talentoso amigo.
Cantou muito bem. Não era a mesma coisa que o sabiá cantando, mais havia feito grande progresso. O sabiá ficou verdadeiramente admirado com o que o bem-te-vi tinha conseguido. O bem-te-vi por sua vez, não cabia em si de tanta felicidade e enquanto animadamente conversava com o sabiá, não se deu conta que o homem dono do sabiá, o observava e ganancioso pensava: "um bem-te-vi que canta igual a um sabiá, isso é demais, vou tratar de pegar esse pássaro e vou ganhar muito dinheiro com ele”.
O homem não apenas pensava mais agia. Pegou o alçapão colocou dentro dele as frutas preferidas do bem-te-vi, tais como: banana, mamão e laranja e foi pendurá-lo na gaiola do sabiá. Quando o homem se aproximou o bem-te-vi se assustou e fugiu. Não pode ouvir, portanto, o alerta do sabiá que já caíra na mesma armadilha.
Quando de longe viu suas frutas preferidas no alçapão, pensou: "Já estou fazendo sucesso e o homem agradecido me ofereceu minhas frutas prediletas como reconhecimento". E não quis nem saber, voou do abacateiro direto para o alçapão, antes que o sabiá pudesse lhe passar qualquer aviso. Acabou apreendido, quando quis voar viu que já não podia mais.
Sentiu a mão do homem segurando suas asas. E na louca tentativa de escapar, deu estocadas com o bico na mão de seu algoz. Mas este parecia indiferente aos seus golpes. Não teve jeito, foi parar dentro de uma gaiola.
Passado o desespero inicial, viu que agora seria vizinho do sabiá em sua prisão. O sabiá triste pela sorte do amigo e a sua própria, cantava ainda mais sentido. Ao bem-te-vi que já não podia mais voar como antes, não restava outra alternativa, senão, cantar o que aprendera e agora sem mais nada a fazer poderia aprender muito mais, uma vez, que o professor estava ao seu lado.
O homem, do seu turno, ganhava muito dinheiro e vibrava com seu novo escravo. Era imensa a audiência para ouvir o bem-te-vi que cantava igual a sabiá.
Um dia, sabiá e bem-te-vi foram surpreendidos pela visita do joão-de-barro, aquele mesmo que disse ao bem-te-vi, que ele poderia aprender tudo o que quisesse, bastava se dedicar ao aprendizado. E mais uma vez ele veio dizer o óbvio: "Bem-te-vi, pois, volte a cantar como bem-te-vi que o homem se desinteressa de você e lhe solta".
O bem-te-vi não queria acreditar: "Seria mesmo assim tão simples". Mas era obrigado a reconhecer que o João-de-barro era inteligente e não falava besteira.
Mas o sabiá também ficou interessado em ouvir o joão-de-barro sobre um conselho pra sua liberdade.
O pássaro João não mentiu: "Veja sabiá, no seu caso é muito mais difícil, pois, você terá que contrariar sua natureza. Você terá que deixar de cantar. Sei o quanto isso será doloroso pra você, mas se quiser tentar?
Ao que o sabiá respondeu: "Por que não?
Tentarei.
E assim foi feito. O bem-te-vi voltou a cantar como outros da mesma espécie e o sabiá se calou. A fonte de renda do homem secou. Não ganhava mais dinheiro com o bem-te-vi que voltou a ser comum e nem com o sabiá que parou de cantar. O homem concluiu: "Quer saber de uma coisa, vou soltar este maldito bem-te-vi que já não me ajuda em nada e está estragando meu sabiá". E assim foi feito.
No dia em que ganhou a liberdade a primeira coisa que fez o bem-te-vi foi voar o mais alto possível em direção ao azul. E pediu perdão a Deus pelas besteiras que havia falado da ultima vez que voou tão alto. Agradecido por tudo o que Deus lhe concedera cantou feliz como pássaro-reporter.
Depois agradeceu aos conselhos inteligentes do joão-de-barro e ambos ficaram esperando pela liberdade do sabiá.
Mas o homem não o soltava. Bem-te-vi e joão-de-barro visitavam o sabiá pra lhe dar forças e pedir que agüentasse firme, calado. Mas a dor no coração do sabiá foi maior e numa madrugada não suportando mais voltou a cantar e ainda com mais melodia e sentimento que antes. O homem ainda deitado em sua cama ria com a recuperação do seu pássaro e jurava nunca mais prender um bem-te-vi.
João-de-barro inteligente, já quase podia prever este desfecho e se ocupou no acabamento de sua nova mansão.
O bem-te-vi cumpria a promessa. Todas as manhã visitava o sabiá e como pássaro-reporter lhe trazia todas as noticias do jornal "Alados Empenados". E depois voava rumo ao azul para pedir a Deus proteção a si, ao joão-de-barro, ao sabiá e para toda passarada, até o chupim... Ah, e até para o homem, pra que este nunca deixasse faltar alimento para o seu amigo artista.
Não dá pra dizer: "E viveram felizes para sempre". Mas sim, cada qual buscando sua própria felicidade em meio aos problemas de cada dia.
Assim é a vida.