não deixe de sonhar

Certa vez, recebi carta de um ouvinte que achei bastante interessante. Me contava que tinha 25 anos de idade, mas apesar da pouca idade já era bastante experiente como jardineiro. Havia aprendido muito cedo a profissão com o pai, tanto que com esta idade, ele tinha quinze anos de embelezador de jardins. Quando me escreveu trabalhava numa mansão no Alto da Lapa e amava o que fazia.

Porém, naquele momento estava amando ainda mais o trabalho. É que na casa em que trabalhava morava Vera, a quem ele descrevia na carta como sendo a mulher mais bonita que conhecera em toda a sua vida. Em Vera, ele destacava o sorriso que ao se abrir superava a beleza do botão se afeminando em rosa.

Ele se apaixonou por Vera e ela ajudava a aumentar este sentimento, uma vez que o tratava com tanta atenção e, porque não dizer, até mesmo com um certo carinho.

Ele não era insensível, nem poderia uma vez que era um jardineiro. Portanto, sabia que entre ele e Vera havia quilômetros de arranha-gato que o separavam. Passar por entre esses espinhos era impossível, a não ser que fizesse como a borboleta, fosse por cima, voando; mas para que pudesse alçar vôos só mesmo sonhando.

E ele não deu limites aos sonhos e assim deu asas a todos os pássaros que o habitava. Dizia-me que enquanto sonhava era feliz e como passava mais tempo sonhando, embalado pelo perfume das rosas, do que vivendo a realidade dos espinhos, era mais feliz, do que triste.

Mas em seu jardim, nem tudo eram flores. Vera tinha um namorado e pelo andar das coisas, em breve o relacionamento seria mais sério.
O namorado tinha tudo para atender as expectativas da família de Vera, também era de família rica e concluía a faculdade de Direito.

Doía no peito do jardineiro ter esta consciência e sabia que rapaz não era só do agrado da família da moça, mas também da própria Vera.

O rapaz era um sujeito bem apessoado, a quem Maria, a empregada da casa, se referia como "gatão" quando o via chegar.

O jardineiro sabia que, apesar da pequena amostragem, ele ouvia apenas a opinião da colega. Aquela opinião tinha peso de pesquisa cientifica, ou seja, a grande maioria das mulheres achava a mesma coisa que Maria. Até aí tudo bem, mas o pior para ele, é que entre a maioria estava incluída Vera, a quem um dia, escondido atrás do pé de Ipê, flagrou beijando com sintomas de êxtase, o seu amado.

Por tudo isso o jardineiro tinha certeza que Vera não seria sua, assim como nunca foram dele as flores que cultivava, mas que nem por isso ele deixava de cultivar. Do mesmo modo cultivaria nas terras férteis do seu coração aquele sentimento por ela.

Até que chegou aquele dia. Não passava de nove horas de uma linda manhã de outono, ele podava a romãzeira, quando observou que Vera se sentou na cadeira de balanço do jardim. Como sempre seu coração disparou e tanto, que mais parecia um beija-flor pairando no ar e para isso tendo que acelerar ainda mais suas asas.

Desta vez notou tristeza em Vera e bastou este sentimento para que seu coração-beija-flor voasse até próximo de sua princesa o suficiente para saber que ela estava chorando.

Nunca antes havia experimentado dor tão aguda, as lágrimas de Vera tinham ação do podão cortando-lhe pedaços do coração. Ah, se ele pudesse estancar aquelas lágrimas e substituí-las pelo sorriso mais encantador do mundo...

Via-se impotente. A não ser que ousasse. Mas como? Era apenas o jardineiro. O que ele tinha? O que ele sabia? Que palavra diria pra confortá-la? Não, não sabia nada.

Sabia onde estava a rosa vermelha mais linda daquele jardim. Aliás, havia desabrochado temporona naquela manhã de outono.
A rosa, quem sabe, a rosa pudesse dizer tudo por ele. Deixou o podão no chão e sabia que não podia parar para pensar, quem o faz, da vez ao medo e ele precisava da força daquele ímpeto que se confundia com coragem.

Foi até a roseira e com delicadeza colheu a rosa fresca daquela manhã e, num ato contínuo, para não abrir brecha à covardia, dirigiu-se a Vera.

Ela olhava para o chão quando chegou, então, buscou todo o ar que lhe restava e falou: "Senhorita Vera, perdoa-me o atrevimento, mas a vi tão triste que não resisti à vontade de ofertá-la a flor mais linda deste jardim, disse uma vez um poeta que as rosas não falam, mas esta flor haverá de gritar o meu desejo de ver aquele seu sorriso".

Vera agora olhava para os olhos do jardineiro, depois os desviou para a beleza que trazia nas mãos, apanhou a rosa e, tomada pelo encanto de suas cores e perfume, esqueceu de chorar e abriu aquele sorriso, justamente o sorriso mais encantador do mundo.

Isto fez com que o jardineiro também sorrisse. Houve um tempo de silêncio, até que o jardineiro, com intenso brilho nos olhos, retirou-se pra que pudesse pular feito menino e muito bem escondido atrás da romãzeira. Só não poderia emitir sons, pois, a palavra agora pertencia à rosa que continuava falando com Vera.

Daí para frente eu não sei o que aconteceu, só sei que o jardineiro terminava a carta dizendo que, enquanto plantasse flores, jamais deixaria de sonhar.


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Paulinho Boa Pessoa
Enviado por Paulinho Boa Pessoa em 22/12/2008
Reeditado em 27/12/2008
Código do texto: T1348912