EMAIL PARA ANINHA _ II
Quando eu era bem jovem e ia à praia de Atalaia, gostava de mergulhar naquelas ondas. Nunca aprendi a nadar e quando vinha na minha direção uma onda maior que surgia do nada, eu me abaixava para ela passar. Quando não conseguia, quando não dava tempo, a onda me derrubava e enrolava e fazia de mim uma piaba. Ali dentro da onda, sentindo a força da água, meus pensamentos ficavam acelerados. Pensava que ia morrer, já imaginava a cena do caixão kkkkkkkkkkkkkk. Achava que as águas já me haviam lançado na África. Nunca me esqueço desses momentos. E, covardemente, faço assim com as ondas do oceano da vida, submeto-me e espero o que acontecerá após a pancada. Tenho certeza de que não podemos evitar o movimento do vento e do mar. Há coisas com as quais não adianta lutar. Procuro sempre o contorno. Num caso como o de seu pai, eu penso que o médico foi apenas uma onda. Ninguém pode com a doença, com a cegueira ou com a morte.
Quando meu pai estava no hospital e vi que estava próximo, fui para a casa lá da rua Laranjeiras, uma casa da altura de uma igreja. Peguei uma vassoura daquelas de bodega e comecei a vasculhar e depois varri o chão Disse à minha mãe: Arrume esta casa que ele vai morrer. Eu sabia, era a lógica e a lógica não falha. Pergunte a Aristóteles.
A minha mãe não gostou do que disse e impotente e sem saber nadar, esperou a onda de pé. A onda veio dois dias depois e levou o meu pai. Cuidei de tudo até o cemitério. Lá eu pensei em fazer um discurso porque ele adorava discursos em cemitérios. Sempre que falecia amigos itaporanguenses, familiares, todos queriam que ele fizesse aqueles discursos emocionados. Mas deixei ele ir sem o discurso. Olhei para as caras dos que lá estavam e preferi preservá-lo das máscaras sociais. Escrevi as datas e mais uma mensagem, talvez. Não me recordo. Ele faleceu em 1984. Quando a minha mãe morreu, eu escrevi: Vá com Deus. E que lá no céu exista uma grande biblioteca. Ela adorava os livros.
Cada um tem uma história, um mundo e essa relação entre mundos nunca foi fácil e jamais será. Nem dentro do próprio mundo de cada um.
Seus pais tiveram muita felicidade. Quantos existem que se completem e se ajudem na sociedade de hoje?
Meus filhos, todos, por exemplo, não gostam de ler. Se eu me entregar à onda, sucumbirei. Tenho que ficar um pouco como Cabral Machado que, passando dos 90 e cego, tem boa memória, lê e escreve (ditando). Como diz, o ditado, Deus dá o frio conforme o cobertor.
As ondas estão chegando, abaixemo-nos.