MAR ... RIA ...

Carla Carbatti comenta o poema meu «Não somos infinitos»:

«Dentro do mar tem rio. E eu me rio de pensar em um mar de rio. Um mar que é a soma de muitos rios. Então o mar é rio?! Então eu sou rio ou sou mar? Dos meus arranjos líquidos uma água mansa pra quedar nesse rio-mar, nesse rio de a mar!»

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E comento, por minha vez, a começar esclarecendo:

No castelhano comum "mar" é ambíguo quanto ao género (na gramática; talvez também no resto...): "el mar", "la mar".

Daí que a/os poetas (gostem ou não gostem do jogo de palavras) podem fazer com que "el" mar case, mais ou menos honestamente, com a praia, com a areia da praia, ou com que "la" mar seja transposta pelo rio ou pelos rios, se andamos em promiscuidades sem ordem politicamente correta.

Na Galiza há umas belíssimas Rias, Altas, para o norte, e Baixas, para o sul, que assim concordam os nomes: As Altas e as Baixas são invadidas diariamente pelo mar em marés mais ou menos intensas, e sempre gozosas e mesmo gostosas. Contudo, são as Baixas as Rias que melhores invasões marítimas desfrutam...

É nelas, pensando nelas, que têm pleno e cheio sentido as palavras de Carla, porque, se as Rias Baixas pensassem e formulassem os seus pensamentos, portanto, os seus sentires, sem dúvida, perante a invasão prazenteira do mar perguntar-se-iam: «... o mar é rio?! Então eu sou rio ou sou mar?»

E não sei se dariam, a si próprias e ao mundo todo, por resposta: «Dos meus arranjos líquidos uma água mansa pra quedar nesse rio-mar, nesse rio de a mar!»

Porque os líquidos, salgado e doce, de mar e ria, se misturam mansamente, num fluxo nada violento em que um entra e a outra sai, nem contraditória nem paradoxalmente, até ficarem unidos ou unidas, já confundidas e nada perplexos, num mar-ria ou numa ria-mar, num "a mar ria" e numa "ria a mar" do prazer de serem dous num ou duas numa, ou duas num, ou dous numa, que o sexo, a genitalidade, cá para nada contam...

Ou sim? Talvez... Porque as Rias galegas, sobretudo as Baixas, parecem junto do mar ventres esféricos de mulher formosa, fértil, fecunda, exuberante, perfeita imagem da perfeição, dificilmente sonhável, mas solemente real.

E o mar? Ignoro-o... Talvez as nove ondas lembrem... Não, ignoro-o.

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Logicamente dedico este poema em prosa ou esta prosa que pretende ser poética a Carla Carbatti, cuja imaginação e fantasia líricas me ultrapassam.