O CADINHO ARDENTE DOS FATOS E DAS IDÉIAS

(para a Dra. Themis G. Lopes, médica psiquiatra, em Porto Alegre/RS)

Amiga! Em mim há tão pouca sabedoria... Ao menos entendo que não se trata disto... Ah! Lembrei-me agora do Martín Fierro, o personagem de José Hernández: “El diablo no sabe por diablo, pero más sabe por viejo.”. E sempre gostei de compartilhar o que tenho ajuntado em vários anos de experiência em Poesia e associativismo...

O que tenho é a aplicação dos resultados das experimentações de mais de 35 anos. A gente vai aprendendo a fazer aportes técnicos sobre a matéria em ebulição, dominando e os criando para sair do emaranhado das palavras. Mas, sem experimentar com a preponderância da intelecção – fugindo da mera inspiração – entendo que a nada se chegará, porque o "cachimbo deixa a boca torta", e ficamos às voltas com a criação originária, sem avançar no experimento...

Na tua mensagem, a que estou redargüindo, falaste em vários poetas-homens, cujo alter ego (que é quem realmente cria, e não o autor) tem ótica diferenciada da focagem feminina.

Claro, esta história do alter ego (à qual eu me filio) veio à tona com os heterônimos escarrados trazidos pelo genial Fernando Pessoa, a partir de poema e textos de 1919. Note-se que já vão quase 90 anos e ele permanece atual e o seu texto perfeitamente contemporâneo.

Pessoa, no meu modo de ver, é o melhor poeta do idioma português, ou, no mínimo, o que melhor tracejou a formal psíquica do século de profundas mudanças na vida mundial e portuguesa, como foi o século XX. E observa que surgiram vários poetas admiráveis em Portugal de então, e em particular no Grupo Presença, a que o grande vate pertencia e lhe deu notoriedade.

Quanto à admiração pelo estro pessoano, faço coro em gênero, número e grau.

Quintana e Nejar são ótimos, mas são a lavratura espiritual de homens, e tu és mulher. A diferença de sexo, em Poesia, me parece fundamental, porque não nada mais intimista do que o relato confessional no gênero poético. As nuances relativas à ótica própria de homem/mulher são um diferencial marcante.

Sempre aconselho que a poetisa deve ler a produção de suas confreiras, por aproximação de temas e concepção do mundo com alguma similaridade. Vale também a cronologia da geração de autor ledor e a de autor em processo de abordagem sobre a obra dos que aparecem na crista da onda do momento. O mesmo vale para os homens.

Não está na hora de ler Henriqueta Lisboa, Cecília Meireles, Lia Luft, Lila Rippol, Lara de Lemos, Patrícia Bins, Cora Coralina, Maria Carpi, Helena Kolody, Stela Leonardos, Adélia Prado e outras contemporâneas?

Parece ser esta a mais próxima instigação para vencer o saudosismo, que nada mais é do que o cadinho das relembranças em cima de valores estéticos extemporâneos ou castigados pelo novo... Tenta viajar pra fora do país e busca a tua solidão... Viajar é uma boa recomendação para liberar o estro pessoal, em qualquer quadra da vida.

Da maneira como estás – ativa em tua profissão como psiquiatra – poderás produzir teses ótimas sobre este campo (e que me agrada sobremaneira, principalmente as teses de Bachellard), mas estamos falando do campo da Estética, em que a Arte copia a vida...

A Poesia é tridimensional: o cadinho ardente dos fatos produz o mergulho espiritual, a máscara sobre os fatos e nos excerta para a tradução destes em linguagem codificada. Poesia é, fundamentalmente, a transfiguração da matéria da vida...

Ainda, à guisa de argumento: se temos um casamento antigo, cheios de contenções e sublimações, como falar na linguagem dos tempos atuais, em que homem e mulher são universos quase antagônicos em objetivos profissionais e gozos?

Os rodeios do amar são os mesmos? As mesuras do jogo amoroso ainda são as que conhecíamos? O matrimônio dura a vida inteira?

Já ouvi de uma adolescente, em plenário de palestra:

– Tio, eu gosto de poesia, mas alguns poemas que eu tenho lido são tão “babacas”! Nada do que falam ocorre na realidade dos dias de hoje!

As limitações próprias da mulher com o casamento com 50 anos de largueza e aparente felicidade (aos padrões de "La Belle Époque" dificilmente produzirão o poema contendo o "novo" estético, porque vai relatar, por exemplo, o carnaval do confete, da bisnaga de lança-perfume... E já faz mais de 40 anos que esta desapareceu do usual, nos períodos anuais do Reinado de Momo...

Só em saber que estás querendo mudanças pessoais que te propiciem um outro ‘sentir’ sobre a mesma temática, já estás começando a fazer poesia, gestando o que o outro nunca disse...

Novamente me lembrei de Quintana, que legou a advertência: “Não somos nós que escolhemos a poesia, é ela que nos escolhe”.

E sobre o escrever para um público mais intelectualizado ou não, parece que a mesma ideação de Quintana ocorre: é o leitor quem escolhe o poeta de sua predileção... E depende de sua disposição para o ato de usufruir o poema...

No mais, todo o poeta tem uma larga porção de infância e de saudosismo.

Talvez seja a melhor forma de enganar a velhice, porque da morte ninguém escapa...

Abraços do poetinha JM.

----- Original Message -----

From: themis lopes

To: Joaquim Moncks

Sent: Sunday, September 28, 2008 1:41 PM

Subject: Res: Obras

Caríssimo amigo e brilhante escritor.

Mais uma vez agradeço pelos sábios esclarecimentos.

Tenho lido coletâneas poéticas e também relido Carlos Nejar, Mario Quintana e mesmo Fernando Pessoa( para mim, o mais brilhante até então). Apesar do tempo reduzido que tenho, pois trabalho o dia inteiro no consultório, aproveito qualquer folga para ler.

Lí e reli incontáveis vezes Machado de Assis( também considerando-o o maior de todos os escritores brasileiros) Agora estou lendo A infiel de Ayaan H Ali, a mulher que desafiou o islã.

No entanto sinto que tenho um sério problema que foi dectetado logo pelo meu amigo: o saudosismo.

Escrevo desde os 12 anos e atualmente quando escrevo, não sinto diferença entre os atuais e os antigos.

Às vezes acho que tudo que escrevo é melancólico e não consigo me afastar desta linha.

Outra dificuldade que tenho é de usar símbolos e fazer com que tudo mundo que lê entende logo o que quero dizer sem ter que pensar. Não gosto disto.

Leio uma frase como: o homem não é velho pelos anos vividos, mas pela renúncia aos de seus sonhos (de Mac Carthy) e logo faço uma poesia baseada na frase. Ou o homem se isola, porque constrói ao seu redor muralhas, em vez de pontes.

O pior é que não sei se conseguirei mudar. Vou continuar lendo e verificar o que ocorre.

Vejo uma diferença muito grande, sem querer fazer comparações, entre o que o amigo escreve, que atende ao leitor intelectual e erudito, e o que eu escrevo cujo público alvo me sugere ser o mais pobre intelectualmente.

Desculpe ter escrito tanto, mas senti necessidade de fazê-lo, pois sinto um "colinho" que me acolhe sempre.

Obrigada, por tê-lo como amigo.

Beijos. Themis.

----- Mensagem original ----

De: Joaquim Moncks <joaquimmoncks@brturbo.com.br>

Para: Themis Lopes

Enviadas: Domingo, 28 de Setembro de 2008 3:18:18

Assunto: Re: Obras

Amiga Poetisa Themis!

Saúde e paz!

Jás estou de volta ao Passo de Torres, chegado hoje à noite...

Tomei conhecimento desta somente no retorno... Estive tão ocupado, que nem acessei a NET.

Acho que este não é o momento oportuno ( mesmo que sempre conveniente) para fazeres oficinação sobre os teu textos. Nem de pensar nos que já fizeste e, sim, acaso queiras sair do diletantismo em poesia, tratar de produzir novos exercícios poéticos. Sim, porque em literatura, tudo é experimentação não empírica.

Não estou querendo ver os teus textos, por ora, e nem precisas buscar segurança pra me mostrar textos...

Sempre terás dúvidas, em criação poética, porque não há parâmetros válidos para iniciantes...

O que parece necessário - sim - é que toques a tua criação, repito. Tens cultura erudita e gostas de ler. Compra livros de autoras atuais, e terás confluência com a tua literatura.

Depois de teres bastante os textos, aí sim, estaria chegada a hora de oficinar com a nossa confreira Teniza Spinelli, que é estudiosa e experimentadora.

O que se tem de ver é a transfiguração da matéria da vida, do que ocorre nos dias atuais, se não o poema já nasce viciado em saudosismo...

Por ora é só...

Beijos do poetinha JM.

----- Original Message -----

From: themis lopes

To: Joaquim Moncks

Sent: Tuesday, September 23, 2008 11:56 AM

Subject: Res: Obras

Obrigada amigo. Quando estou em casa deixo o celular desligado. Meu telafone residencial é 32336894.

Já revisei e reescrevi as poesias, mas ainda tenho muitas duvidas.

A Teniza me ligou ontem, convidando para fazer com ela, uma oficina literária, que inicia dia 9 de outubro. Vou então tentar tirar mais dívidas e então lhe encaminho algumas, com mais segurança

Abraços.

Themis.

----- Mensagem original ----

De: Joaquim Moncks <joaquimmoncks@brturbo.com.br>

Para: Themis Lopes

Enviadas: Terça-feira, 23 de Setembro de 2008 3:17:42

Assunto: Re: Obras

Amada Themis! Que bom te rever. No final de semana tentei, por duas vezes, contato contigo pelo celular e sempre estava desligado... Queria saber de ti... Estávamos conectados por telepatia, por certo, porque agora chegas de mansinho...

Nada como ter uma psiquiatra a ler o espiritual do poeta... Nada como ser um privilegiado e ter uma leitora de viés freudiano de tamanha síntese...

Espero que me convoques para ler novamente os textos que voltaste à casa para revisar.

Beijos do poetinha JM.

----- Original Message -----

From: themis lopes

To: joaquimmoncks@brturbo.com.br

Sent: Monday, September 22, 2008 11:20 PM

Subject: Obras

Dr. Joaquim, fiquei encantada com a sua poesia: A ostra.

É impressionante a profundidade emocional que trás consigo.

A comparação da ostra fechada com a pérola dentro, representando o útero materno com seu filho, a dúvida entre a vantagem de ser a criança protegida ou o homem adulto (sem a proteção da ostra-mãe) é de encantar qualquer freudiano e surpreende todo estudioso do mais íntimo que um ser humano possa reprimir.

Parabéns, agradecida pelos conselhos, com um grande abraço da Themis.

– Do livro O HÁLITO DAS PALAVRAS, 2008.

http://www.recantodasletras.com.br/mensagens/1201667