A INQUIETAÇÃO CRIATIVA - PAPO LITERÁRIO

(diálogo com Lígia Lacerda, em Tramandaí/RS. O primeiro interlocutor é JM)

— estou lendo o poema que, de cara, me parece o mais humano e natural de tudo o que escreveste até hoje...

— estou errando tudo hoje, prosa poética era a classificação do assunto, o nome é Onde a Poesia?

— não é prosa poética, é poesia pura. Claro que, se formos rígidos, ou seja, nos cânones da chamada poesia da contemporaneidade, vale dizer, enxuta, sintética, metafórica, ela tende mais para a prosa poética.

— escrevi de madrugada, não conseguia dormir, achei aquele "desabafo" meio chato, fiquei um pouco envergonhada, aí levantei e fiz esse texto na hora, direto na tela...

— mas é o que a Cecília e a Clarice faziam. Na atualidade, há algo de Adélia, de Cora Coralina melhorada, etc. Mas é um significativo avanço frente ao que está publicado em tua página no RL.

— e o título tem ponto de interrogação, é que às vezes, de tão afobada, eu erro tudo...

— li todos os teus textos lá postados, e tudo é muito chorumela, muito meloso e angustioso... Este "Onde está a Poesia? " é extremamente superior, literariamente.

— fiquei em dúvida sobre publicares aquilo no Recanto, não por pudor, mas pela qualidade. Tu achas mesmo válido?

— parabéns! Acho que estás começando a sair da casca.

— como te disse quase todo o Recanto é assim e muito pior! Fiquei pasma com coisas que tem lá...

— ainda ontem estive preocupado – porque sei o quando és inquieta e angustiada – e não me respondeste o texto em prosa que havia nascido em nosso bate-papo; sobre a publicação dele e entendo que tu estás com a tua criticidade em alta conta...

— é, mas é como eu digo no próprio texto: são raros momentos de lucidez. Ou serão de fantasias?

— e, no entanto, como disseste no e-mail anterior a mim: sabes criticar, mas o que sai como de teu estro interior é pobre e choroso, cansativo prum leitor jovem, as mais das vezes, com o é o caso do RL. Publica logo este texto interrogativo no RL. Aí então eu vou comentá-lo com mais cuidado na página, OK?

— se a minha criticidade cresceu, isto se deve ao teu trabalho em me ensinar o que conta em poesia, por mais que eu seja romântica e goste de chorumelas, eu entendi e aprendi o que é bom, mas me angustia porque não consigo fazê-lo!

— depois falaremos sobre o texto anterior, intimista, em prosa, a ser publicado – creio – como “Cartas”, OK?

— ok, tudo certo.

— mas aqui está o fruto – neste texto de agora – a tua insubmisssão às chorumelas... Cada vez mais me convenço de que Poesia é o fruto da inquietação e da dúvida, no sentido estético...

— é, tomara que um desses momentos luminosos se repita. Inquietação é o que não me falta, só falta o talento...

— acho que não se trata de momento luminoso, é que estás abrindo a cuca também – além do coração – e começas a ver o leitor e sua precariedade crítica. O Recanto te dá uma visão de quanto o leitor usual (e que gosta de escrever algo que não sabe o que é) é pouco exigente...

— mas isso não me assegura conseguir escrever mais e melhor, falta algo, que não sei bem o que é...

— nós é que temos de ser exigentes, aí a auto-criticidade nos dá o balizamento de como devemos pegar a cuca do leitor e não o seu coração, como a vida inteira os ingênuos e diletantes ficam a dizer, e aí estão as chorumelas afetivas: ficam babando em cima de meros confessionários sem poesia, porque choro pelos olhos e pela genitália não é e nunca foi poesia...

— olha os textos do TEOPERO do Recanto e também o do Samuel Sasso, são muito estranhos, mas os do Samuel eu gostaria de saber o que achas, porque posso estar errada...

— peço que graves esta conversa neste MSN e depois passes para o programa normal de escrita de textos, o programa Word, Ok?

— foi o TEOPERO que me pediu opinião e eu mandei que ele lesse, lesse muito!

— mas escreveste isto no comentário ao texto ou ficaste dando pitaco em e-mail particular? Em e-mail privado – aprendi disto com os comentários do RL – não adianta nada, o escriba não leva a sério, fica como uma coceira na orelha, nada mais...

— a opinião para eles foi em ‘Comente’, pra ti foi no particular.

— tens de colocar o Comentário – por mais duro que este seja – em exposição pública num site para escritores, para que ele reflita, Ok?

— onde, no ‘Mural’ do Recanto?

— salva este nosso ‘papo literário’ pra gente comentá-lo assim que nos encontrarmos, ok?

— eu o coloquei no espaço dos comentários, já criei até uma pasta própria.

— acho que me pegaste num momento de cabeça muito limpa e com facilidade pra explicar o que estamos falando. O assunto tem papo em particular pra mais de uma hora. Isto só sobre o que falamos até aqui, sobre o processo de inquietação na criação, sem o qual nada que preste ocorrerá...

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006 / 2008.

http://www.recantodasletras.com.br/mensagens/1143974