O ADÃO
Pelo fato de morarmos no mesmo Edifício, eu era vizinha de apartamento do casal Jorge e Eva.
Jovens, sem filhos, e de agradável trato. Jorge dotado de invulgar inteligência, era contudo um incorrigível beberrão. Sempre conseguia excelentes cargos numa dessas renomadas Empresas multinacionais. De início deslumbrava os Chefes pela sua capacidade, e o expor de seguras e lucrativas ideias a serem postas emn prática. Mas tudo isso era de duração muito curta. Logo tomando uma das suas monumentais carraspanas, dava uma tremenda batida no carro que a firma lhe confiara, ou o passar de dois ou três dias sem mostrar a cara, e... olho na rua. Aproveitava então o infeliz contratempo como desculpa para mais curtir o que tanto apreciava.
Eva se angustiava, deixava-se vencer por acessos de revolta o que dava lugar a homéricas brigas entre os dois. Contudo ia tocando o barco para a frente, por conta dessa Coisa que foge a mais pura Razão, a mais elementar lógica, e que se chama Amor.
Numa certa tarde de domingo, estando a minha amiga Tereza, que viera passar o final da semna em minha companhia, para quebrar a monotonia daquele preguiçoso dia, achei de lhe propor.
- Vamos até ao apartamento de Eva?
Concordou, e logo estávamos com a mesma a conversar, quando uns inteligíveis, mas irritados resmungos vindos do quarto do casal, chegou aos nossos ouvidos. Eva foi até lá, deu uma espiada e tratou de fechar a porta.
- Jorge está doente? - Perguntei, por perguntar
- Que nada! Está de cara cheia, espichado na cama, commpletamente nu , a reclamar de tudo e de nada.
A título de brincadeira achei de dizer
- Sendo você Eva, é natural que ele se sinta no Jardim do Édem. e queira dar uma de Adão. Te liga...
- Só que as vezes eu gostaria de ser a Serpente - tratou ela em responder
Fomos então bruscamente surpreendidas com um Adão que saindo do quarto, apresentava-se tal qual o bíblico Adão , e até mesmo sem nenhuma miserável folha de parreira. Chegou até a mesa, e ajeitando com um certo cuidado em cima desta , o que o primitivo Adão tão despreocupadamente deixava a mostra, passou a dar-lhe tapas, e mais tapas, a medida que gritava.
- Olhem aqui o Adão! Vejam! O que estão esperando? Vamos logo com isso!
Assustadas, corremos para o quarto mais próximo, tendo Eva logo o cuidado de fechar a porta. Mas da sala, os convites continuavam
- Venham ver o Adão! Mas que moleza é essa de vocês? Não é todo dia que têm um Adão como esse. Vamos, aproveitem...
Naturalmente nenhuma de nós estava disposta a aceitar o tão insólito
convite, e nos quedamos silenciosas, na expectativa do que o Adão ainda poderia aprontar.Tereza, esta, já estava em pranto.
Os convites se fizeram cada vez mais objetivos. Contudo ao se convencer da inutilidade dos mesmos, silenciou o Adão. E como o silêncio foi se prolongando, tratou Eva de cuidadosamente abrir a porta do quarto.
Do Adão, nenhum sinal.
- Será que ele foi mesmo para a rua naquele traje de Adão? - preocupou- se a desolada Eva.
Tereza continuava em seu desconsolado prantear. Certamente lamentando o seu pudor violentado, a inocência dos seus olhos, pois muito embora moça feita, mantinha-se donzela, estado discriminado e taxado de debiloide, pela época atual.
Eva e eu tentamos consolá-la de perdas tão insignificantes, com palavras como essas.
- Besteira, Tereza, Foi até melhor porque você já sabe como é um Adão. Quando casar não vai mais ficar assustada, nem fazer nenhum berreiro pelo o que o Adão ainda vai querer de você. Vai, para com esse choro, e enxuga as ventas.
Ela terminou por rir, mas não se conteve a confessar o que mais a impressionara.
- Sabem vocês? Eu nunca imaginei que "aquilo" aguentasse tantas tapas. Foi cada uma! Que "bichinha" mais danada!
De volta a casa, comentamos entre uma risada e outra,
- Mas que tarde de domingo tão diferente! Mas que foi divertido, foi.
Até que hoje a cachaça de Jorge serviu para alguma coisa.
Maria Amélia