Não viver às pressas (*)
Saber dividir o tempo é saber desfrutar das coisas. Para muitos a vida é longa, e a felicidade curta.
Malogram os bons momentos sem gozá-los e depois querem voltar a tê-los quando já não os têm.
Vão à frente, apressando o tempo com seu comportamento precipitado. Querem devorar em um dia o que tarda toda uma vida.
Adiantam-se à felicidade, comem-se os anos futuros e com sua enorme pressa acabam logo com tudo.
Mesmo o desejo do saber deve ser moderado para que o aprendizado seja fecundo.
Há mais dias que alegrias: para o gozar, a calma; para o trabalhar, a energia.
Os feitos são bons quando já feitos; o contentamento é bom quando perdura.
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Saber tolerar os tolos (*)
Os sábios sempre foram intolerantes porque muita ciência traz muita impaciência. A sabe- doria dificilmente se satisfaz.
A regra básica da vida é a tolerância. Se há que suportar todas as tolices, é preciso ter muita paciência.
Por vezes temos de tolerar mais da parte daqueles de quem dependemos, fazendo assim um grande exercício de autodomínio.
Nasce da tolerância uma paz inestimável, que é a felicidade terrena.
E quem não tiver ânimo para isso siga o provérbio "ou aguente ou se ausente", desde que seja capaz de tolerar a si próprio.
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Evitar intimidades na conversa. (*)
Seja para usá-la, seja para permiti-la, quem se dá a intimidades perde a posição superior
proporcionada pela sobriedade e perde também a consideração que gostaria de receber.
Os astros do céu não se envolvem com a humanidade e conservam seu esplendor.
O caráter de ser divino exige decoro; sua humanização lhes traria o desprezo.
As coisas humanas quando se tem mais valem menos; a comunicação revela os defeitos que o recato encobre.
Expor a intimidade não convém a ninguém com ninguém: nem com os superiores, pelo perigo; nem com os inferiores pela falta de decoro; e menos ainda com os tolos, pessoas insolentes, que veem nos favores apenas o pagamento de obrigações.
Intimidade rima com vulgaridade.
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(*) Série A Arte da Prudência- Baltasar Gracián
Baltasar Gracián foi um jesuíta e escritor espanhol, mais conhecido por sua obra "A Arte da Sabedoria Mundana" (em espanhol, "Oráculo Manual y Arte de Prudência"). Este livro, publicado no século XVII, oferece uma coleção de aforismos e conselhos sobre como navegar pelas complexidades da vida e das interações sociais. As escritas de Gracián são frequentemente consideradas uma fonte de sabedoria e orientação sobre tópicos relacionados ao comportamento humano, ética e pragmatismo.