MANIFESTO SOLIPSISTA
M A N I F E S T O S O L I P S I S T A
WILLIAM LAGOS AGO ‘O7
O meu país
é um país de praças e vidraças:
não é da mata virgem, nem das praias,
nem da ampla vastidão destas coxilhas,
nem dos imensos rios e nem das ilhas,
nem da vasta amplidão desses sertões.
Eu sou urbano:
a inspiração encontro nas calçadas,
esmaecidas, sujas e gretadas,
nas lajotas e ladrilhos, cujas fendas
contemplam, sem cessar, partes pudendas
dessas mulheres que passam sem me ver.
O meu país
é o país dos verdadeiros excluídos:
não dos alvos de programas demagógicos,
mas daqueles que, em geral, são esquecidos,
porque pensam diferente e, então, são tidos
como ovelhas alheias ao rebanho.
O meu país
não é país dos índios e jibóias:
é mais greco-romano em sua cultura,
mas é africano e polaco e português;
é germânico, espanhol e libanês;
é italiano, judaico e japonês.
O meu país
não é o país dos nomes inventados,
que provêm dos indianistas lá do Império,
que os ameríndios nunca utilizaram,
que apenas os românticos cantaram,
transformando efebos gregos em tupis.
O meu país
não é o país das estilhas de Brasília,
nem dos turismos mal-havidos de outras plagas,
nem dos cafés, churrascos e mateadas,
nem da soja, das vacas e de estradas
distribuídos em vazias vastidões.
O meu país
eu não avisto nas multidões de hoje:
é mais aquele dos rostos esquecidos,
nas poluições terríveis das metrópoles,
nessas gavetas horríveis das necrópoles,
para festim incontido das baratas.
O meu país
não é o país das elites sem história,
nem o dos sindicatos ou cantores,
nem tampouco é o do proletariado,
nem muito menos o do favelado,
lembrado apenas em tempos de eleições.
O meu país
não é sequer o país do futebol,
não se resume a fantasia e carnaval,
nem a cerveja ou cachaça nas noitadas,
nem procissões, nem igrejas inventadas,
nem a hipnose coletiva das novelas.
O meu país
não é o país em que vota o analfabeto,
nem aquele em que assassinos andam soltos,
nem onde os bêbados dirigem assanhados,
em que os impostos nos deixam dessangrados,
na “fome zero” dos festins presidenciais.
No meu país,
eu construí uma torre de marfim,
com muretas de pórfiro e alabastro,
a levadiça de tábuas de esmeralda;
de livros há estante em cada falda,
com ameias de pintura e sinfonia.
Mas não me isolo:
as portas deixo abertas, mas bem poucos
são os que batem palmas ao portão:
aqui não há escândalos políticos,
nem auditórios, nem tais programas típicos
das redes imorais ou de internetes.
Eu não me isolo,
mas não aplaudo, nem combato o mau governo,
não acredito em suas conquistas falsas,
mas não me deixo levar por saudosismo,
nem por revoluções, nem caudilhismo,
nem por ideais falsos de pseudo-democratas.
No meu país,
embora eu ame o hino nacional
e ache lindas as cores da bandeira,
não considero que seja toalha de suores,
nem que sirva de biquíni ou coisas piores,
pois se destina a desfraldar ao vento.
O meu país
é o país do verdadeiro povo:
daqueles que trabalham, sem descanso,
sem ser comprados por esmolas do governo,
em seus programas para uso externo,
porém não servem sequer de paliativo.
O meu país
é o país da real democracia,
em que haverá emprego para todos,
e no qual, para bem ou por desgraça,
será até proibido anotar “raça”
nas certidões de idade ou casamento.
O meu país
é o dos poucos que se esforçam realmente
por difundir a corrente do passado,
a verdadeira ciência a pesquisar,
e em verdadeiro gigante transformar
aquele que diziam já o ser por natureza.
O meu país
tem uma língua só, que o unifica;
tem folclore na alma de seu povo,
tem sua cultura real e verdadeira,
mas abafada pela música estrangeira,
mais estrangeira ao ser composta aqui.
O meu país
não é o das drogas nem da corrupção,
nem do cinismo e nem da zombaria,
nem o lar de advogados chicaneiros,
nem dos políticos vendidos em chiqueiros,
nem o da compra de empregos ou funções.
É o que defende
os que defendem a custo suas fronteiras,
os que remendam os farrapos dos valores,
os que compõem as melodias reais,
desprezadas pelas músicas banais,
mas que enchem os bolsos dos agentes.
O meu país
não trafica com almas e com corpos,
nem em pós, nem ervas ou pastilhas,
nem em clubes de pura ostentação,
nem falsas obras em inauguração,
nem em mais falsos espetáculos de fé.
O meu país
apenas entrevejo nos meus sonhos
mas inda é possível, tantos exportamos,
na servidão de alheios interesses,
os cientistas e cantores que já esqueces
e os dançarinos que não surgem nas tevês.
O meu país
não é a falsidade dos colégios,
não é a vulgaridade dessas mídias,
que nos vendem imundície como ouro,
que os escândalos proclamam, sem desdouro,
e curvam honestidade aos interesses.
O meu país
de instituições hipócritas, vazias,
é esse em que quase todos já ofendi:
não que eu seja melhor, em compactuo,
vivendo em sociedade, prostituo,
mas mastigo ilusão bem diferente.
No meu país,
se ensina violino aos favelados,
há pleno emprego para os miseráveis,
se alfabetiza as tribos mais selvagens,
a saúde se leva a quem precisa
e os deficientes têm aulas de balé
No meu país,
existe acesso às artes e ao teatro
e não ao simples batuque e samba-escolas,
os surdos-mudos conversam entre si,
hemiplégicos em olimpíadas assisti
e há livros em Braille para os cegos.
No meu país,
não há quotas reservadas a maiorias
e nem se fala em afro-descendentes;
cada um segue seus pendores naturais,
não é costume espancar homossexuais
e o sentenciados não possuem celulares.
No meu país,
os impostos se limitam ao necessário,
não financiam campanhas eleitorais,
reformam as estradas e aeroportos,
desengarrafam e abrem novos portos
e estabelecem comunicações fluviais.
No meu país,
não se provocam as tensões raciais,
não se prende quem usa armas em defesa,
os ricos não se tornam ainda mais,
os pobres não se dão por cem reais,
e a classe média não destroem lentamente.
No meu país
há mais respeito por quem sabe mais
e se protegem gênios e talentos,
quem não pode ter filhos, não os cria,
pois se respeita a meritocracia,
e a inteligência em um povo mais saudável.
No meu país
as doenças são cortadas na raiz,
pois há vacinas e alimentação correta,
há atendimento de saúde na doença,
não se perde tempo com mezinha e crença,
mas cada um recebe o benefício.
No meu país,
quem pode ter mais filhos é que os têm,
e os têm muito mais que seu egoísmo;
os velhos são tratados com respeito,
as grávidas com orgulho e com direito
e todos tratam as crianças como filhos.
No meu país,
não se morre nas filas de hospitais,
não se vendem opiáceos esportivos,
os mais premiados são cientistas e inventores,
os mais louvados são os agricultores,
há incentivos para quem trabalha.
No meu país
só existem aristocratas da cultura,
premia-se o ardor dos rapsodos,
são prezados os trabalhos dos pintores,
são louvadas as figuras de escultores,
(mas não se deixa os poetas governarem...)
No meu país,
não se depende de investimentos estrangeiros,
os catedráticos ensinam por prazer,
os alunos não trocam aulas por bares,
a classe média aumenta em muitos lares,
e somos nós que investimos no estrangeiro.
No meu país,
não existem sem-terras e sem-tetos,
enquanto acorrem novas levas de imigrantes,
ao invés de nos fugirem os mais aptos
e deixarem no governo mentecaptos,
inteligentes somente em gozo próprio.
No meu país
ninguém nasce deficiente: só saudáveis,
as estradas não aleijam em acidentes,
quem cola nas escolas é desprezado,
quem rouba no governo é encarcerado,
e as prisões se destinam a castigo.
No meu país,
ninguém é maltratado por pensar
de forma diferente  nem da minha!...
as opiniões dos outros se respeitam,
os mais capazes são os que se aumentam
e não são preteridos pelos filhos.
No meu país,
os mais honestos conseguem enriquecer,
os que trabalham têm melhor saúde,
não se confunde mocidade com beleza
e se enxerga o coração e a gentileza,
sem nos imporem ideais de falsa estética.
Nesse país,
não se criam animais para a devora,
não se permitem insetos venenosos,
nem cobra ou jacaré: para os humanos
é a ecologia, que interesses soberanos
temos nós sobre escorpiões ou por piranhas.
Nesse país,
plantam-se árvores e flores nas cidades,
os pneumáticos foram já postos de lado,
já de há muito não existe poluição,
nem há motores de interna combustão,
carros flutuam em almofadas como ar.
Nesse país,
só recebe pensão quem a ganhou
e não se herda o salário dos avós,
os cargos públicos são honra voluntária,
não se procura recompensa numerária
e nem se furta do erário popular.
Nesse país,
os mais capazes são sempre os escolhidos,
entre aqueles que se mostram mais capazes,
os governantes são sábios e altruístas,
sem ambição de lucro ou de conquistas,
mas, realmente, vêem o bem do povo.
Nesse país,
as mulheres não competem pela moda,
buscam mais educar as suas famílias,
ou destacar-se nas artes e cultura,
tratando seus maridos com ternura,
para que não se matem nos negócios.
Nesse país
não existe a indústria das pensões,
nem a das questiúnculas trabalhistas
a polícia é honesta e incorruptível,
o exército tem vigor inexaurível
e a religião é o amor da humanidade.
Nesse país,
até a morte é encarada com orgulho,
não há câncer, avecês, degenerações,
de repente se morre, no vigor,
sem lastimar a doença ou mal de amor,
depois de longa e satisfatória vida.
Nesse país,
o amor é livre para quem desperta,
não se utiliza o sexo como troca,
e nem tampouco se emprega em punição,
ou é moeda que se gaste em ambição,
ou outras sordidezas tão comuns.
Nesse país,
advogados e juizes são honestos,
os assassinos são assassinados,
ou por matarem sem qualquer motivo,
por serem doidos já sem lenitivo
e os carrascos serão todos paranóicos
Nesse país,
as prostitutas são todas respeitadas,
e tem as profissões regulamentadas,
terão também direitos adquiridos,
embora os cafetões sejam punidos,
pois são esposas e mães dos desprezados.
Já que hoje em dia,
tantas mulheres solteiras e casadas
são mais promíscuas do que elas, e, afinal,
quando separam, garantia vitalícia
recebem na pensão alimentícia:
tudo contado, cobraram muito mais.
Nesse país,
os professores terão todo o respeito,
mas farão provas regulares de eficiência,
e assim serão melhor remunerados
conforme os resultados demonstrados,
mas se falharem, perderão o emprego.
Nesse país,
advogados farão provas regulares,
engenheiros serão examinados
e os médicos o serão ainda mais
porque controlam vidas; e jamais
se manterão nas profissões os incapazes.
Nesse país,
só os melhores sentarão em Academias,
os que tiverem singular talento,
e produzirem em grande quantidade
pelo povo aprovados, sem maldade,
somente porque amaram o que lêem
Nesse país,
os medíocres também terão o seu lugar
e serão respeitados, mediocremente.
[Como é medíocre o poema que escrevi
sobre um país que eu sei que nunca vi
mas que agora termino, finalmente...]
Ah, meu país!...