Jogar a chave fora

Longe de casa existe uma cabana.

Lá, naquele espacinho vazio, existiu um homem bom. Ou um bom homem.

Ele trabalhava todos os dias - de segunda a sexta - de terça a domingo - para manter sua filhinha, michele, bem cuidada, bem tratada e bem alimentada.

Era tudo que ele tinha.

Na janela batia o vento do inverno. A neve caia como folhas de uma árvore de lã, e o sol escuro sumia entre as nuvens.

Era a vida boa?

Oh sim, era boa. Mas cansativa.

As dores na costa lhe consumiam as raízes.

Os joelhos desgastados aumentavam a dor que era ter um corpo mortal.

Tudo parecia ir bem..só que mal.

Mas não importava. Ele ainda tinha ela. Sua pequena.

E sua vida era boa?

Oh sim, era boa. Constante. Magnífica. Mas cansativa.

Um dia, voltando de casa, sentiu uma dor no peito e, não tendo onde se apoiar, caiu de costas na neve fofa.

A vida era dele. Mas estava se esvaindo. Não havia ninguém a quem gritar. A quem pedir ajuda. A vida era dele. Mas ia se esvaindo.

Ele olhava para a cabana.

"Minha menina ainda está lá!" dizia.

Era uma pena. A vida era boa, mas se esvaia.

A menina estava dormindo quando aconteceu.

O galho seco quebrou. O pneu do carro murchou. Uma pequena familia andou, procurando ajuda e encontrou, o velho homem jogado. A barba grisalha. O corpo gelado e o rosto sentido.

Pobre homem.

Quando chegaram na cabana, a menina estava doente. Seu corpo doía. O homem a carregou em seu colo. A mãe pegou suas roupas, o menino pegou seus brinquedos e a menina pegou seus broxinhos.

O homem velho se levantou.

Ele foi até em direção a família. Mas nada ouviram. Nem um susurro. Nem uma palavra. O homem gritou. Mas de nada adiantava.

Então percebeu, que seu cabelo também morreu. Que seu cavalo se foi e que estirado no chão ficou.

A vida era dele mas havia se esvaido.

E é esta a lição da chave para a felicidade. É entender que ela não existe. E se existisse, seria melhor joga-la fora. Pois o que vale é o agora.