UMA MANHÃ DE DOMINGO
Há poucos dias, em uma certa manhã de domingo, enquanto junto com uma companheira fazíamos um trabalho de campo, casualmente, acionamos a cigarra de um imóvel, cuja atividade organizacional é a de cuidar de idosos. Incertas quanto à possibilidade de sermos atendidas no nosso objetivo maior, qual fosse, o de falar com o máximo de pessoas ali presentes, experimentamos a alegria de ver a nossa solicitação ser gentil e prontamente acolhida. O contentamento se dava em razão de termos a convicção de que as boas notícias de Deus que levávamos para todos, naquela manhã, talvez, em razão das circunstâncias, pudesse ganhar um significado maior para os inseridos na dura realidade daquela instituição. Ao entrarmos no salão onde homens e mulheres se encontravam solitariamente reunidos, tentamos introduzir um trabalho em equipe, que ao final, restou inexitoso. Logo, nos apercebemos de que a maioria dos internos, alguns ainda relativamente jovens, se encontrava em estado avançado de "desorientação". Mesmo assim, nos consolava a constatação de que a nossa visita, conseguia, de alguma forma, despertar esses "desorientados" para uma postura comportamental atípica, bastante positiva. As suas fisionomias refletiam boas emoções, parecia que os seus corações haviam sido inundados pela súbita esperança de que houvera chegado o momento oportuno para deixarem para trás aqueles dias solitários, chegamos a receber um convite, nesse sentido. Fomos destinatárias de alguns abraços, elogios e agradecimentos sinceros. Ser testemunha ocular da carência afetiva daqueles idosos, me conferiu a certeza de como estão severamente equivocados os filhos que dispensam os seus pais em lares de repouso, sob o forte argumento de que já não faz diferença o lugar onde passem a morar, e/ou as pessoas com as quais sejam obrigadas a conviver. Para amainar o grau da própria culpa, filhos que se esquivam da responsabilidade de cuidarem dos seus pais, tentam se convencer e convencer outros, de que, enquanto "desmemoriados", incapazes, portanto, de estabelecer diferenças entre uma e outra situação, não possam ser prejudicados por serem mandados embora de casa, ainda que contra a vontade. Embasada nesta e em outras experiências assemelhadas, dirimi toda e qualquer dúvida, de que as pessoas com "patologias demenciais", perdem a memória, mas não a capacidade de se SENTIREM amadas, cuidadas, protegidas. O fenômeno não as impedem de SENTIR a diferença entre afeição e rejeição. Ser naquele dia, expectadora da insensibilidade de pessoas que provocaram o sofrimento de vulneráveis, traspassaram o meu ser, e tocaria a alma do mais insensível dos expectadores. Em última análise, que alcançados os idosos lúcidos, apenas três deles, fomos ouvintes de relatos tristes, de denúncia de ingratidão, de total abandono. Deixamos com eles a base para a esperança de dias onde parte da humanidade poderá dizer em uníssono: "OS DIAS ANTERIORES JÁ PASSARAM". O incidente me fez pensar no seguinte questionamento: O amor a quem declaramos amar, não deveria se revelar, ainda mais consistente, quando a pessoa amada se torna desnecessária? Por tais razões, reitero o pensamento de que poucas pessoas compreendem cabalmente o que significa amor.