Natal?!
Psicologia de um vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundíssimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
(ANJOS, A.)
Me desculpem todos os queridos amigos
Perdoem-me pelas missivas e cartas não envidas
Pelos abraços não dados
Por todos os sorrisos (que pensam negados),
Mas como ter abraços e beijos e sorrir se só há lágrimas a nos naufragar?
Como ser natal, e em que eternidade existirá um natal nesse mar de lágrimas?
Me perdoem caros e estimados amigos
Eu não consigo pensar em natal
Nem em um novo ano quando milhares foram (e são) ceifados pela ignorância, pela incompetência desse tempo, e em que conta arquivamos como se nada fossem todos aqueles que deixam de amanhecer para esse novo tempo?
Como seguir por ai tropeçando em cadáveres como se não existissem?
É tarde meus estimados e caros,
É tão tarde para tantos,
Mas parece que ainda não é o bastante para o monstro que segue faminto;
Depois da negação;
Da incitação e descuidos;
De induzir e para reduzir os gastos e custos com idosos e miseráveis deste pais;
Agora na iminência de uma vacina vem o retrocesso;
Segue o machado que corta sem dó ou piedade;
Nos pescoços continua a guilhotina;
Em que velho mundo caiu nosso amado país?
Em que buraco imundo estavam todas essas ratazanas sanguinárias de vidas humanas e sedentas por poder e dinheiro?
Em que inércia encontram-se nossa amada gente que não acordam?
Onde estão, que como escravos seguem satisfeitos, e elegem a navalha que vai lhes atorando o próprio pescoço enquanto sorriem e aparecem na televisão...
É tarde nesse tempo enfadonho que dança com o invisível e ri na beira do abismo...
Não há natal para comemorar
É tarde...
Não há ânimos para comemorar...
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“O velho mundo está morrendo. O novo tarda em aparecer. E nessa meia luz surgem os monstros”.
(Antonio Gramsci)