Oficina do...

Aposentado, sem muita expectativa na vida. Família ausente, filhos crescidos, ocupados, esquecidos. Olhando à sua volta só percebia uma verdade, nua e crua para seus olhos cansados: seus amigos, um a um já haviam partido. Quando olhava para a foto que estava pendurada na parede, via como o tempo era implacável. Os cabelos de outrora eram cheios, negros. Nos olhos um brilho da juventude que descortinava uma aventura atrás da outra. Viver não era isso? Na pele viçosa, um sinal de vigor e destreza, alardeando um jovem disposto e pronto para viajar pelas dobras do tempo. Afinal, tempo era o que não lhe faltaria. Acertou nos cálculos. Havia completado oitenta anos bem vividos e saboreados.

Mas faltava-lhe algo, e não sabia dizer com exatidão o que era. Aprendeu que na vida tudo tem que ser construído e semeado... Se assim não fosse não valeria a pena. Naquele dia, como de costume, fez sua caminhada. Percebeu que a cada dia a quantidade de lixo aumentava e muita coisa que poderia ser aproveitada era descartada. Num momento veio-lhe uma idéia: criar através de coisas que eram jogadas fora, pra depois... Mas será que isso daria certo, pensou. Voltou pra casa disposto a colocar em prática aquele projeto. Primeiro visitou uns conhecidos na redondeza, pediu-lhes uns brinquedos velhos. Pôs a mão na massa e depois de uma boa dose de paciência e tempo gasto, pode contemplar o resultado: brinquedos novos feitos de sucata de brinquedos velhos. Não parou por aí. Andou fuçando os lixos alheios, procurando na rua, nas calçadas qualquer coisa que acrescentasse aos seus ‘brinquedos renovados’ a inovação necessária.

Curiosos os vizinhos iam se achegando, os moleques participando e a oficina de seu Juquinha foi ficando famosa. Podemos colocar um nome? Perguntavam os vizinhos. Seu Juquinha, com um sorriso de sábio dava o consentimento. Decidiram por uma eleição. Até campanha fizeram. Havia quatro nomes fortes: Oficina dos brinquedos, Hospital dos brinquedos, Emergência brincolar e Sonhos refeitos.

Com a ajuda dos comerciantes, cada freguês colocava numa urna o nome que achasse melhor.

O interesse era grande, e a comunidade realimente se envolveu no projeto. Todos passaram a selecionar o lixo, reservando para seu Juquinha tudo que poderia ser aproveitado. Os brinquedos iam crescendo, um quarto ia tomando. Alguém teve uma idéia de colocar alguns daqueles brinquedos em caixas de sapatos que eram descartadas ou que ficavam em casa apenas fazendo volume. A criançada ajudava como sabia, seu Juquinha ensinava com prazer. Havia uma troca de sonhos, energia, sabedoria, experiência.

Descobriram uma instituição de caridade que fazia um trabalho social muito sério, com responsabilidade. Ela trabalhava com crianças carentes, além disso, havia um trabalho voltado para os pais e velhos na comunidade. Seu Juquinha, junto com seus ajudantes, foi até a diretora onde apresentou seu trabalho. Depois de uma longa conversa, a porta daquela instituição foi aberta para aquele pequeno grupo. A notícia se espalhou, muita gente se prontificou a ajudar. Aquele Final de Ano ficaria na história daquela comunidade.

No dia marcado, um caminhão baú encostou-se à casa de seu Juquinha. O pessoal logo cedo já estava no batente colocando os presentes na calçada. Num clima de festa, de mão em mão as caixas iam ocupando cada espaço. Uma equipe de TV já estava de prontidão, e quando o caminhão ficou lotado, outros carros apareceram para levar todos os presentes. A comunidade fizera uma campanha para conseguir o material para fazer um bolo gigante, a padaria de seu Amaro aceitou a encomenda, dona Miloca e suas funcionárias fizeram os doces e salgados, o mercadinho deu os refrigerantes, a sorveteria deu os picolés, a lojinha deu os papéis de presentes, a farmácia deu as bexigas, o pessoal da serralharia deu os copos descartáveis, a escolinha deu os guardanapos, o armazém deu as pipocas e salgadinhos, A loja de móveis deu as pizzas, o armarinho deu lápis de cor, papel ofício e tinta guache, a papelaria deu livros para colorir, a lanchonete deu os garfinhos e colheres descartáveis, a fábrica deu régua, lápis, caneta colorida e folhas de emborrachados, a loja de dona Zezé deu mamadeiras e fraldas descartáveis, a casa lotérica deu borrachas e lápis hidrocor, o hospital deu calções e camisetas, os Correios deu lençóis de cama, a escola municipal deu sabonetes, pastas e escovas de dente, o colégio estadual deu sandálias de borracha, a cooperativa entrou com medicamentos, e um grande empresário entrou com as tintas e pincéis para a pintura da instituição. A comunidade se prontificou a fazer um mutirão onde todos iriam pintar um pedacinho e assim começariam um Ano Bom com a Casa dos Pequeninos de cara nova.

Ao fim do dia, depois de contemplar cada sorriso no rosto da criançada, cada bracinho agarrado aos presentes, cada mãe derramando lágrimas de alegria, cada Tia demonstrando satisfação, a diretora com os ombros menos arqueados, a comunidade de braços dados à boa causa, seu Juquinha vai até o portão da instituição, olhando pro céu, faz uma oração:

- Obrigado Pai por esse dia tão belo. Agora posso ir em paz.

Obs. Para cada Recantista:

Seu Juquinha aceita sugestão para o nome de sua oficina. Fique a vontade. Ele agradece. E deseja a todos um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo. Favor enviar pela escrivaninha.

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 16/12/2009
Reeditado em 18/12/2009
Código do texto: T1981045
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