Velhos natais
Sunny Lóra


As noites seguiam tranqüilas e havia um cheiro de pinheiros verdadeiros, dava pra sentir a presença do Menino Jesus no Presépio da Igreja, como se todas as imagens criassem vida.

Os anjos carregavam luzes em suas mãos e eu passava horas querendo escolher qual era o meu : o de manta azul ou o de manta amarela.

O caminho para se chegar até a manjedoura era feito com areia bem fininha, peneirada cuidadosamente, até a  mistura de anilina, para ficar bem azulzinho, cor de harmonia... (Já viu caminho azul?)

As “sempre-vivas” de todas as cores, penduradas nas varandas das casas para secagem, serviam de enfeites no caminho azul até a Sagrada Família. Papelão pintado virava teto da manjedoura.

Um olhar de inveja-de-criança e admiração questionava o que seria “Ouro, Incenso e Mirra”. Ouro eu sabia o que era porque os ricos tinham muito; adoro o cheiro do incenso até hoje... mas Mirra? Sei lá o que era... será que poderia ser algo parecido com “birra, briga” ? -  Ri de mim quando descobri...ainda aprendo, a cada dia.

Sempre havia alguém tomando conta da pequena cerca pintada de branco à volta do presépio. Nenhum de nós ia querer perder o privilégio de tomar conta do Menino Jesus. De vez em quando eu jogava uma balinha pra ele. Podia estar com fome, né?

Nosso amor de filhos aumentava em uma velocidade de foguete, só de pensar que em alguns dias ganharíamos um vestidinho novo, o sapato iria pro sapateiro para trocar o solado e... talvez (talvez!) a gente ganhasse um presente. Balinhas eram garantidas!

Era proibido falar rispidamente; mentirinhas então, nem pensar! - acho que esse era verdadeiramente o único pecado que cometíamos – enganávamos nossos pais com simplicidade e ternura – (minha mentira favorita era aumentar a pontuação das minhas notas de matemática) - nem era considerado pecado...

Os abraços eram mais efusivos, os amores enormes, generosos, belos, fiéis e amigos.O cheiro de Natal  se espalhava nas ruas, casas, lojinhas, bares e igrejas, com isto dando vazão ao nascimento do “espírito de Natal”, que a gente não entendia nadinha o que era, mas era praticado com afinco e alegria.

O Pai-Nosso era mais fervoroso. Nesse dia deixávamos a vergonha de lado e aumentávamos um pouquinho o timbre de voz, pra ter certeza que o Menino Jesus ia ouvir nosso clamor.

As nuvens celestes eram mais branquinhas... a chuva era bem-vinda... o sol mais ainda.

Era dia de tomar guaraná, ir à casa da madrinha com o coração aos pulos (quantos natais ela me acalentou os sonhos...), colocar o vestidinho de babado, tomar taiadella (sopa italiana), macarrão feito em casa, pudim de leite condensado!

... Falando nisso, Feliz Natal!!!




* Mirra - Mirra é uma resina aromática de origem vegetal com poderes medicinais e que também é usada para ser queimada sobre brasas semelhantemente à resina de olíbano (incenso).  Na antiguidade (assim como o incenso) a Mirra era extremamente valorizada, valendo mais do que o próprio peso em ouro. De forma que, na época, dos três presentes dos Reis Magos, o ouro era provavelmente o mais baratinho. (fonte Yahoo)

** Taiadela – macarrão feito em casa, cortado super fino. É uma sopa feita à base de caldo de frango e é servida com queijo parmezon e vinho tinto.


*** Anilina – corante muito usado nos docinhos de aniversário.


23 dez 2008, com saudade feliz.


(moldura by Sunny - imagem net)

Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 23/12/2008
Reeditado em 31/01/2012
Código do texto: T1349610