dou o que gostaria de ganhar
Presente mais que perfeito do passado..."
Eu tinha seis anos de idade, mas as lembranças estão vivas em mim. Era noite de natal, meu pai estava ansioso por chegar o momento de me entregar o presente. Não era apenas ansiedade, havia também felicidade. Meu pai sorria com os olhos, falava sorrindo, enquanto apanhava o pacote e me entregava o presente. Eu abri. Era um carro de boi carregado com toras de madeira. Eu ainda não havia feito nenhum comentário sobre o presente, mas ele se antecipou: "Filho, olha que perfeição! É um carro de boi outra vez. Observe as toras de madeira, parecem verdadeiras. Olha que beleza a parelha de bois, parece até que vou escutar os mugidos".
Naquela hora apesar da pouca idade, eu percebi que meu pai estava mais feliz do que eu que recebia o presente. Entendi. Aquela era uma eloqüente prova de amor de sua parte. Afinal, só presenteamos quem amamos, com algo que admiramos de verdade. Não há relação com o valor material do objeto que será dado, mas sim ligação direta entre nosso coração e tal objeto.
Meu pai havia vivido até os 18 anos no sertão baiano e o primeiro meio de transporte que conheceu foi o carro de boi. Quando entrou na loja e olhou pra aquele brinquedo, recordou de todo o seu passado...Viu as estradas de terra de Ibitira, ouviu os gemidos das rodas do carro, cheirou a poeira, parou a sombra do imbuzeiro e enquanto ecoava na lembrança o grito de: "pára boi...". Pensou em mim. Aquele seria o meu presente. Presenteia-se quem se ama, com aquilo que amamos. Daí naquela noite de natal, ser difícil distinguir pela felicidade, quem recebia e quem entregava.
Passei a amar o presente e foi o brinquedo que mais conservei. Lembro-me que já na adolescência o guardei sobre o forro de nossa casa. Minha intenção era um dia mostrar para os meus filhos aquele carro de bois de tão grande significado pra mim.
Acontece que na busca do progresso profissional, poucos anos depois, deixei minha cidade e assim que me estruturei e em condiçõs de alugar uma boa casa, trouxe meus pais pra morar comigo. A casa em que vivíamos acabou também sendo alugada. Tempos depois quando voltamos à antiga casa, a primeira coisa que fiz, foi procurar pelo carro de boi no forro, porém, nada foi encontrado. Que pena.
Hoje que já não tenho meu pai seria tão reconfortante ao menos olhar para o brinquedo. Mas ficou muito mais dele em mim. Fecho os meus olhos e volto pra aquela noite de natal e ainda posso ver o semblante felicíssimo de meu pai ao me entregar o presente. E o que fez de mim um menino muito feliz naquela noite, não foi o presente em si, mas a felicidade de meu pai ao me presentear.
Mais um natal se aproxima, sem querer ser confundido como propagador do consumismo, digo que presentear é importante. Não importa o valor do que se dê, nem sua alta tecnologia. Não carece da frase: "acabou de chegar à loja". Importante sim é realmente sentir o quanto dar aquele determinado presente o fez feliz. Só transmitindo esta felicidade na hora de dar, é que poderá ter certeza do quão feliz fará quem o recebeu.
Presentear não pode ser um gesto mecânico, mas a cima de tudo um ato de amor, onde naturalmente nos mostramos tão, ou, mais felizes do que o presenteado.
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