O galo e a serpente

Naquela fazenda tinha um terreiro.

Naquele terreiro tinha um galo, junto com outros galos, as galinhas, os frangos e franguinhas e todos os pintinhos. E todos viviam em paz, ciscado e comendo bichinhos e comendo milho e limpando o terreiro e ajudando os pintinhos a crescer, na medida em que todos os ensinavam a ciscar e a catar bichinhos para se alimentar. É claro que onde tem galo, galinha, frango, franguinha se pintinho, também tem uns montinhos de merda, aqui e ali. Mas, todos sabem, merda de galinha é um excelente adubo. E a merda daquele terreiro o mantinha adubado: um terreno fértil para muita produção.

Mas, acredite em mim: todo ambiente em que se vive em paz, cedo ou tarde, encontra o atrito. E o deus da guerra se impõe sobre o deus do amor, pois até os deuses brigam para saber quem pode mais.

E foi assim que aconteceu naquela fazenda onde tinha um terreiro, onde tinha um galo, junto com outros galos, e todas aquelas galinhas e todos aqueles frangos e franguinhas e todos aqueles pintinhos. Lá também aconteceu.

“Numa tarde tão linda de sol, ela apareceu!”

Ser rasteiro, rastejando, ela chegou: de mansinho, silenciosamente... como sempre agem as víboras. Não como aquela do paraíso. Não esta era ainda mais rasteira...

Todos sabem que os galos e as galinhas alimentam-se de vários bichinhos. Inclusive comem cobra. Bicam sua cabeça para evitar a língua afiada. E vão bicando até que a serpente é engolida.

Mas antes disso, tão logo os galos e as galinhas vêm a cobra, fazem o alarido. Uns avisando aos outros: aqui tem perigo! O fato é que os galos e as galinhas sabem como agir diante das serpentes. Eles sabem evitar seu veneno.

Aconteceu, entretanto, que aquela serpente, além de chegar de mansinho, veio disfarçada. Apresentou-se em trajas de galinha. E os que estavam no terreiro, acreditaram em suas boas intenções. E a víbora passou a conviver com os galos e galinhas. Ela, entretanto, estava se preparando para dar o bote.

Aquele galo, no entanto, que já conhecia aquela serpente, convivera com ela em outro terreiro, sabia de seus truques. E alertou os galos, galinhas, frangos, franguinhas e pintinhos. Mas já era tarde. A serpente já estava aninhada no terreiro. Disfarçada de galinha, do seu ninho atacava os habitantes do terreiro, disseminando seu veneno. Pior do que aquela do paraíso, pois esta disseminava veneno.

Algumas galinhas e pintinhos e e frangos e galos pediram para aquele galo entrar no ninho da víbora. Se ele ou outro galo desalojasse a serpente, a paz poderia voltar ao terreiro.

Mas antes que as providências fossem tomadas contra a cobra, disfarçada de galinha, ela deu o bote e afastou aqueles que poderiam lhe bicar a cabeça.

Os galos e as galinhas e os frangos e os pintinhos perguntaram ao galo: o que foi que aconteceu?

- Meus irmãos e irmãs, galos e galinhas: Não temam a serpente, pois ela está sempre à vista. Esse é um ser rastejante e, por não possuir qualidades próprias, dissemina veneno contra as qualidades dos outros. Seu veneno é muito perigoso, pois ela o inocula em segredo e de forma sorrateira. E faz isso justamente quando se veste com seu disfarce de boazinha. Portanto temam o seu veneno que ela traz escondido. A serpente não é perigosa por ser serpente, mas porque inocula veneno de forma traiçoeira. Portanto, minhas irmãs galinhas, meu colegas galos: Se querem evitar o veneno, esmaguem sua cabeça.

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura - RO