O SINAL DA CRUZ

O SINAL DA CRUZ

Estava na sala de parto aguardando o nascimento da minha primogênita. Eu havia combinado com o médico, meu amigo, que eu gostaria de acompanhar aquele momento tão singular na vida de um pai neófito. Era um momento de glória – “eu serei pai”, quando começava a pensar que, entre marido e esposa estávamos sendo coparticipante da glória de Deus na doação de mais uma vida. Preparados todos os instrumentos recomendados pelo médico, era aguardado o evento triunfante na vida do casal. O trabalho de parto já havia começado – era uma luta da mulher amada que suava o suor do amor, regado da dor que o parto normal produz na parturiente. Queria dizer alguma coisa, mas não conseguia, nada mais do que apenas acariciar o rosto, enxugar o suor enquanto grande esforço prosseguia. Em certo momento, o médico usando um maço de algodão embebido em mercúrio, desenhou uma cruz na perna da iminente mãe. Perguntei-lhe:” o que isso significa? Pelo que me respondeu com certa graça: “a minha fé no ente-supremo”. – Por que não, Deus? Questionei. Ele continuou: “há uma força espiritual na qual confio”. A partir daí, comecei a falar quase sozinho, permanecendo em pé acompanhando o trabalho. Estava explicando para ele que há uma ordem natural na criação – Deus, o Criador; Deus, o Salvador e o Deus, Espírito Santo – essa é a Trindade divina. Me interrompendo ele diz: “vejo que você tem qualidades mediúnicas”. Nada disso! No que você se firma é puro Espiritismo. Sou apenas um cristão que crê na grande capacidade humana, espelhada naquilo que se chama “imagem e semelhança”, o que o Criador deixou em cada um de nós e nos fez um ser extraordinário. Cada um no seu lugar – Ao Deus Criador, toda a glória da criação; ao Deus Salvador, toda a glória na propiciação da salvação ao que nele crê; Ao Deus, Espírito Santo, o Consolador – três em um, cumprindo um único propósito – fazer-se conhecido ao homem – está na Bíblia! Nasceu a primogênita, queria ir para a janela do mundo e dizer bem alto, para que se ouvisse em todos os cantos da terra: “Sou pai!”. Ficou nisso o final de nosso emocionante encontro de celebração à vida. Tive a impressão de que nossa conversa havia sido proveitosa, ele era um médico muito respeitado por sua capacidade grandiosa. Porém, anos passados, teve muitas reviravoltas na vida, tendo deixado a medicina, sofrido muitas amarguras na vida, e finalmente, por ouvir dizer, ele teria se tornado um cristão fervoroso e retomado o rumo como um verdadeiro cristão, agora entendendo o real sentido da cruz. Noutra situação, um colega advogado fazia companhia quando íamos para uma audiência numa comarca em outra cidade, quando ao atravessar a ponte na saída da cidade, ele fez o sinal da cruz (no estilo de um bom católico). Perguntei: “O que significa isso?” É para que Deus nos guarde na viagem, foi a resposta. Mas, é assim? No automático? Nem precisa dizer nada? Muito fácil, não é? Nem preciso dizer: bom dia Deus, tenho confiado no Senhor todos os meus dias, e creio que o Senhor nos guardará de todo mal... Não poderia ser assim? Ele sorriu e disse: é a mesma coisa, como seu eu tivesse falado com Ele. Então, por que razão Jesus ensinou a orar? É claro que a oração que ele ensinou é muito difícil de se fazer, aliás, a maioria das pessoas “rezam” aquelas palavras, sem, no entanto, compreender a sua intensidade. Na verdade, elas não oram, elas fazem a repetição como um papagaio faz. Isso não tem sentido. “abre a porta do seu quarto e, em secreto, converse com Deus”, foi isso que Jesus ensinou – contar tudo, derramar o coração numa conversa íntima e sincera. Não pode ser uma mera decoreba, mas sim uma conversa de Pai para filho. O sinal da cruz, ou a cruz do sinal, precisa transmitir a vida alcançada em nosso favor. Foi na cruz que tivemos o pagamento do preço pelo nosso pecado, portanto, a cruz é sinal de vitória para o cristão. Mais ainda, a cruz precisa ser sinal de vitória para a vida e, não um sinal de morte. Por isso, se usa a cruz, simplesmente a cruz e não a ostentação do corpo morto e sangrento de alguém que não ficou na cruz, Ele ressuscitou de entre os mortos, está vivo e reina sobre nós, no poder do Espírito Santo. Por que, no poder do Espírito Santo? Voltemos à Trindade. Lembra-se do início da oração “modelo”? “Pai nosso que estais no céu, glorificado seja o teu nome...” Assim, ao dirigir a nossa prece, em primeiro lugar, damos glória ao Pai Criador. Em seguida fazemos a nossa petição, seja agradecendo, pedindo, confessando, contamos tudo para o Pai do céu. O Pai do céu é glorificado por toda a criação e pela providência da salvação que nos é dada em Cristo e por Cristo. E quando finalizamos a oração, dizemos: “em nome de Jesus”. Por que em nome de Jesus? Porque foi ele quem disse: “tudo que pedirdes ao Pai em meu nome...” Logo, pode surgir outra pergunta: Por que razão muitos católicos não finalizam a oração em nome de Jesus, mesmo quando citam a oração modelo? A resposta é, faz parte da doutrina da igreja, a “santa igreja”. Não somente católicos, mas também outra que se identifica como evangélica; “Eu sou da Universal”, por que não de Cristo? Ainda: “Eu fui à igreja Universal e minha vida mudou”, por acaso não foi Cristo que mudou a sua vida? Nós somos a igreja, todos nós que cremos em Cristo somos a Igreja, nos carregamos a cruz vitoriosa de Cristo, a instituição é de só menos importância. A Igreja de Jesus Cristo, bastaria ser chamada de “a Congregação dos que creem”, ou, “a Comunhão dos salvos”, ainda, “o Hospital de pecadores”. Assim, o sinal da cruz nos identifica como irmãos em Cristo. A máquina que puxa os vagões é Cristo; os vagões são a multiplicidade de denominações em que os crentes estão embarcados. A Teologia, as doutrinas podem, como devem ser discutidas, isso é salutar. O que não pode é abandonar o trem por nossas diferenças doutrinárias e mesmo Teológicas. Nos importa a cruz, seguindo a longa viagem da vida até que dela tenhamos nos despidos. Logo, a cruz é o sinal de que somos verdadeiramente cristãos, parte do Corpo de Cristo – a Igreja – pessoas. Não necessariamente a instituição.

Janeiro de 2021