Sê forte na doença
Reunimo-nos com a morte toda vez que adoecemos. Tu apresentas as propostas, mas cabe a ela a decisão final.
Se ela quiser levar-te consigo, nada a pode impedir, porque ao chegar a hora, somos apenas marionetas. Um mau agouro bate-nos a porta surpreendentemente. Por momentos de desagrado, sentimos como se nada mais fizesse sentido, pois ao soprar da trombeta da despedida, nenhum adeus há-de nos manter acordados. As doenças trazem sempre consigo algumas alucinações. Não há nada de estranho em pensar que no fechar dos olhos para uma breve sesta exista a possibilidade de se nunca mais voltar a abri-los. Não é à toa que enquanto enfermos ficamos fracos, a visão fica mais ofuscada do que o normal e o corpo não responde a inúmeras acções. Vezes há que o coração nem reage e os pulmões parecem já estar rebentados.
Reunimo-nos com a morte toda vez que adoecemos, porque enquanto estivermos especados num leito sem sabermos o que fazer e sem visitas sequer, logo somos invadidos por uma série de pensamentos que nos transmitem a informação de que a nossa existência não interessa a ninguém. Se por minutos tentarmos ser o máximo racionais, ainda podemos vir a reflectir no que tenhamos feito de bom aos olhos do que e quem nos rodeia e aos da satisfação pessoal. Se não, planos são maquinados de repente na tentativa de achar uma forma menos dolorosa de cortar a respiração. É que só o facto de ter que seguir recomendações médicas já faz desacreditar na recuperação, sem falar das péssimas condições dos hospitais, dos rostos e gestos pouco amigáveis de quem consulta e nos diagnósticos que nos convidam à caixa grande.
Doentes, sentimo-nos mortos, como fantasmas antes ainda de perderem a vida. Uma das coisas mais irritantes e assustadoras é que, quando por uma questão de cumprimento de formalidades cedes ao processo engolitivo dos medicamentos, parece mais haver uma sucessão de decaídas do que sintomas de purificação. Vómitos e dores ventrais, acefalia e obstipação, como se tivesses violado as regras do tratamento, seguindo passo a passo a lei desconstitucional da carne humana, que até o mais saudável dos alimentos perde sabor e efeito.
Assim sendo, desacreditas mais no tratamento do que na restauração dos teus ossos, o que faz com que te sintas em plena assembleia com a morte. Já imaginas o caixão ali adornado com queridos e inimigos a derramarem lágrimas por tua causa. Uns com sinceridade e sentimento puro, outros tão somente por ironia do que já é hábito: chorar apenas para não se pôr a dar risadas. Mas a verdade é que estás apenas doente e não há nada de estranho em pensares na morte no estado em que te encontras. A morte nada mais é senão um teste de crença e força. Se te deixares levar pela morte psicológica que te assola na doença, garantidamente estarás a mandar um cartão de visita à morte física e, se o teu corpo não tiver cumprido devidamente o teu papel enquanto vivo, olha que estará a assinar a certidão de óbito para a morte da tua alma.
Portanto, sê forte e alegre na doença, porque no fundo é só uma fase, embora possa ser a final.