CUIDADO COM O BICHO

CUIDADO COM O BICHO

Hospedei-me outro dia na casa de uns amigos e tomei um grande susto. Para minha surpresa, essa família com três filhos pequenos, de 12, 10 e 09 anos, criava uma espécie de monstro dentro de casa. Não estou brincando, pelo contrário, falo sério, e muito sério. Já criei cachorros de diferentes raças, gatos, periquitos e outros bichos domésticos, mas nunca havia visto alguém criando um tipo de monstro dentro da própria família. Confesso que por alguns momentos tive medo, especialmente porque eu estava com meus dois filhos ali e minha esposa e temia que, a qualquer momento, eles pudessem ser atacados sutilmente pelo bicho. Sabe aquela sensação de você se hospedar numa casa que tem um casal de rottweiler, um no tapete da sala e outro todo tempo circulando pela casa e de vez em quando um te olha e rosna baixinho? Você educadamente dá a entender ao dono da casa que tem medo dos bichos e o dono, como que lendo seus pensamentos, diz: pode ficar tranquilo que eles não atacam, a menos que a gente mande.

Pois bem, essa foi minha sensação naquele dia. O pior de tudo é o monstro, aliás, era uma fêmea, era o centro da atenção da casa. Quando todos não estavam ocupados mimando aquela coisa, ela simplesmente ocupava todo o espaço da casa com sua voz e, de uma forma ou de outra, determinava até mesmo o comportamento de todos. As crianças andavam segundo o compasso do bicho; os pais mais se pareciam marionetes a falar, andar, enfim, se comportar de acordo com o modelo que parece que aprenderam do bicho. Quando fomos pra fora da casa, diante de um belo jardim, ao invés de comentarmos a respeito das lindas flores e da fonte que jorrava suavemente entre as pedras toscas daquele pequeno manancial, do beija-flor que roubava o néctar entre o jardim, ficávamos a mercê do som importuno que saia do bicho, o que impedia até nossas saudáveis conversas.

De vez em quando, melhor dizendo, em horários que pareciam cronometrados, por mais interessante que tivessem nossas parcas atividades ou conversas, todos, sem exceção, corriam como para prestar um verdadeiro culto ao bicho. Ao redor dele se concentravam, riam-se, molhavam os olhos de lágrimas em algumas ocasiões e, quase em transe, pareciam como que hipnotizados pelos olhos brilhantes daquele bicho. Eu não conseguia entender como poderia alguém dar tão pouca atenção às suas visitas a ponto de deixá-las onde estivessem e, sem qualquer satisfação, correrem de forma cadenciada para apreciar as virtudes do bicho.

Antes de ir embora daquela casa chamei meus filhos e a esposa e lhes expliquei, usando aquela família como exemplo, o porquê eu não mantinha o bicho que eu tenho, solto na minha casa. Não quero, disse-lhes enfaticamente, que jamais aconteça em nossa casa o que vi na Casa daqueles amigos. Não quero que minha família viva em função daquela coisa; não quero que aquela coisa seja o centro das atenções na minha casa. Mostrei-lhes, finalmente, que devemos soltar o bicho de dentro do armário na hora que quisermos ligá-lo e, logo em seguida, depois de usá-lo adequadamente, desligá-lo da tomada e guardá-lo, se é que queremos ter um bicho desse tipo em nossa casa. Ainda bem que todos em minha casa sabem do mal que aquele bicho pode fazer à família. Afinal, pra reparar qualquer mal entendido de quem lê o que escrevo, o bicho em si não é mau, aliás, nada em si é mau, tudo depende do uso que fazemos de cada coisa. Depois de alguns anos daquele episódio, sinto dizer, o que vejo hoje parece é que cada casa tem até mesmo uma sala reservada para o bicho e, muitas delas, têm exemplares do bicho espalhados nos quartos e até na cozinha.

djalma marques
Enviado por djalma marques em 18/01/2017
Código do texto: T5885899
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