TRANSCENDA

Os psicólogos dizem que é aos quarenta e um anos que a metamorfose ocorre. Não tenho uma data exata que marque quando fora mesmo que me ocorreu esta singularidade. Sei que após longos quarenta anos de existência, comecei a transcender da minha condição humana decaída a partir de um raro período de ócio que me possibilitou refletir sobre vida para encontrar a verdade.

Citei a verdade no singular, porém preciso explicar que ela é composta de dezenas de pequenas verdades que se agregam a psique para dar vida a grande epifania humana. Vou citar algumas destas verdades para não deixar você leitor em um limbo cognitivo:

• A renúncia é libertação. Não querer é poder. (Fernando Pessoa)

• Matamos o tempo, o tempo nos enterra. (Machado de Assis)

• Do que adianta o homem granjear o mundo inteiro e perder a sua alma. (Jesus Cristo)

• Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo. (Sócrates)

• Viva como se fosse morrer amanhã. Aprenda como se fosse viver para sempre. (Mahatma Gandhi)

• Não importa o que a vida fez de você, mas o que você faz com o que a vida fez de você. (Jean-Paul Sartre)

• Em nossas loucas tentativas, renunciamos ao que somos pelo que esperamos ser. (William Shakespeare)

• Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos. (Eduardo Galeano)

• Mas onde se deve procurar a liberdade é nos sentimentos. (Johann Goethe)

• Homens convictos são prisioneiros. (Friedrich Nietzsche)

Dez frases são o suficiente para se iniciar uma busca, ou pelo menos para se desconfiar de que exista algo maior, mais real, mais verdadeiro entre nós do que aquilo que fomos compelidos a crer que seja a verdade por tradição e cultura.

A maioria das pessoas ou sua totalidade, ao vir ao mundo, emprega-se na busca pela felicidade e suas ações, ainda que deponham contra esta afirmação, compreendida a partir das razões incongruentes da mente humana, podem confirmar ser esse desejo inato do homem. Todavia quantos de nós percebem que a felicidade é a soma da liberdade, da autenticidade e do tempo necessário para ser feliz?

Quão inútil é a caminhada humana quando não se reconhece o que sua alma busca. Se você não sabe para onde quer ir, qualquer caminho serve, (Lewis Carroll). É impossível ser feliz fingindo ser apenas algo que agrade aos outros, é impossível ser feliz preso a uma condição alienante pela falta de capital ou pelo excesso dele, é impossível ser feliz sem dispor de tempo para ser feliz.

Tem gente que se mata cortando os impulsos (Zack Magiezi), Tem gente que se mata acumulando capital, Tem gente que se mata por não ter tempo para viver. Dinheiro, poder, prestígio, autoridade e fama são alguns meios de se iludir neste plano de existência, são simulacros de felicidade que duram instantes, que viciam a alma e camuflam a verdadeira estrada que nos faz transcender.

Ser feliz não é ser pobre nem ser rico, é ser satisfeito, é sentir a todo instante que nada nem ninguém lhe falta porque você já tem ou não precisa ter. Quão desesperador deve ser a convicção de que a própria felicidade dependa de algo externo ou um outro alguém que não de si mesmo. Quão trágico seria saber o que te faz feliz e não ter tempo livre para ir tomar posse da tua felicidade.

Sinceramente não espero que qualquer pessoa ao ler isto “decida” ser feliz e tomar o caminho correto de sua existência nem sequer que descubra por tão breve relato qual seja este caminho. Transcender não ocorre na superfície da consciência humana por meio de um discurso, não ocorre na experienciação momentânea de um fato e tampouco ocorre na fugacidade de um sentimento novo e satisfatório. Transcender é profundo e transformador, é libertar-se das próprias convicções e medos.

Transcender é conhecer e conhecer-se amplamente, tornar-se um consigo mesmo, despir-se de todos os adornos que o fazem títere desta sociedade de espetáculos que moldaram sua existência, então, livre de toda a aparência, deixar fluir e fruir a própria essência.

Estamos adoecidos para crer no poder da renúncia sem nos encontrarmos no limite extremo da vida, quiçá, ainda que neste extremo não creríamos plenamente nele. Agarramo-nos a imagem que de nós mesmos construímos ao longo de uma vida, amamos a falácia ideia da nossa singularidade vivendo exatamente igual aos outros bilhões de humanos dos quais somos contemporâneos. Estamos de tal maneira alienados de nossa própria existência que sequer percebemos que estamos atuando em vez de vivermos.

Perceber-se no palco é o primeiro passo da redenção de nossas almas, descer do palco é libertar-se da farsa tragicômica que a humanidade está encenando e assistir a peça sem impulsos de aplaudir ou jogar tomates nos atores que continuam a encenação é superar os últimos grilhões que conectavam você a existência sem sentido a qual quase todo homem está destinada, isto é, a transcendência.

Não é ser um eremita como Henry D. Thoreau nem construir uma Pasárgada como Manuel Bandeira, é viver entre eles, mas não como eles, é estar com eles e não tal qual eles, é o estado puro da consciência de estar num plano finito e, sem proselitismos, otimizar sua pequena, solitária e mesquinha existência.

Transcenda como a lagarta transcende à borboleta e para de arrastar seu ventre no viscosidade lamacenta da vida para ascender ao vasto e esplendoroso céu liberdade, transcenda em sua consciência.

Ao começar esta jornada, apenas não espere reconhecimento, mudanças rápidas, caminho seguro ou muitas companhias, transcender é solitário, é mal compreendido, é arriscado e sem apoio, só vale a caminhada pelo resultado.

Saulo Palemor
Enviado por Saulo Palemor em 19/11/2024
Código do texto: T8200275
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