Crescer em Luto
Minha mãe saiu para comprar pão e até hoje eu não sei o gosto de tomar café da manhã com ela.
O fardo do luto é que ele não dura dias, dura anos e você se sente roubada de boa parte da sua vida que podia ter sido, mas nunca aconteceu.A hora pra ficar bem demora, assim como demora a hora dela voltar pra casa.
Me lembro como se fosse ontem, minha mãe saiu pra comprar pão e até hoje eu não sei o gosto de tomar café da manhã com ela, até hoje eu não senti o cheiro do almoço dela, do lanche da tarde que ela não fez. Eu não comi. Foi minha avó que preparou o jantar e eu falei que eu só ia comer quando a minha mãe voltasse! Eu adoeci.
A droga de crescer em luto é que você normaliza estar deprimida e não procura ajuda pros seus pensamentos suicidas, que vem toda vez que me frusto. Viver é uma constante quebra de expectativa. Num dia você pensa muito em suicídio e no outro, ainda criança, começa a tentar.
Pior é quando você pensa que está bem, e um dia você vê sua mãe na rua e impulsivamente só corre atrás dela. O coração acelera em uma adrenalina esperançosa, você é quase atropelada porque atravessou a rua sem olhar para os lados, pois não podia perder de vista. Por fim, quando finalmente chega bem pertinho, percebo que minha mente me pregou uma peça e que a mulher que segui nem sequer parecia com minha mãe .
Minha mãe saiu para comprar pão e até agora não voltou porque meu pai achou que tinha o direito de interromper o nosso café da manhã. E Deus a levou para que ela não sofresse mais! Mas quando Deus vai lembrar que eu fiquei aqui sem mãe e vai me levar pra perto dela para eu não sofrer mais também?
Lembro como se fosse ontem quando eu recebi a notícia que "Deus levou minha mãe pro céu". Eu achei que era uma brincadeira de pique esconde e então eu procurei, procurei por toda casa, até que o único lugar que faltava era o guarda -roupa, eu abri toda empolgada e gritei "haraaaa eu te...". Antes que eu terminasse a frase, percebi que ela não estava brincando de pique comigo. Ela tinha saído pra comprar pão e bem no meio do caminho tinha o meu genitor esperando com a droga de uma faca.
O fardo do luto é que ela podia estar aqui agora na plateia assistindo esse espetáculo, mas ela não está, porque um dia ela saiu para comprar pão e o meu pai me tirou o gosto de ver ela voltar.
(Ana Batiiz)