A Saga de Doroteu dos Santos Passos: trabalho, resistência e legado no Sertão
A Saga de Doroteu dos Santos Passos: trabalho, resistência e legado no Sertão
Doroteu dos Santos Passos nasceu em 6 de junho de 1905, em uma terra que sabia bem o que era a luta pela sobrevivência: o sertão do Piauí. Filho de João dos Santos Passos e Raimunda Vieira de Carvalho, cresceu em meio às dificuldades de uma região marcada pela seca e pela escassez. Ali, onde a força de vontade valia mais que o ouro, ele aprendeu que a resiliência é o maior tesouro de um homem. Nos anos 1930, uma grave crise econômica assolava o Nordeste, empurrando milhares de sertanejos para longe de suas terras em busca de trabalho e dignidade. Doroteu foi um desses retirantes.
Seu destino o levou ao distrito de Boqueirão de Piranhas, no município de Cajazeiras, Paraíba, onde o governo federal empreendia a construção de um grandioso reservatório capaz de represar mais de 255 milhões de metros cúbicos de água do imponente Rio Piranhas. Empregado pela antiga Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), que mais tarde se transformaria no DNOCS, Doroteu encontrou na manutenção de bombas d'água e sistemas mecânicos e elétricos sua missão de vida. Naquela época, transformar o sertão era mais que um trabalho; era uma promessa de esperança.
Foi em Boqueirão de Piranhas que Doroteu conheceu Josefa Maria da Conceição, uma jovem paraibana nascida em 23 de agosto de 1923, filha de João Rodrigues dos Santos e Rosa Maria da Conceição. Josefa, com sua graça e coragem, tornou-se a companheira que compartilharia com ele os desafios e as vitórias de uma vida dura, mas rica em significado. O casal se uniu religiosamente no ano de 1938, no distrito onde residia, e, no dia 30 de dezembro de 1939, oficializou sua união no civil em Sousa. Dessa união, nasceram cerca de 20 filhos, mas as adversidades de uma época e a falta de serviços médicos adequados ceifaram a vida de sete deles na infância. As causas eram comuns no sertão: diarreias, tifo, sarampo e outras doenças que se tornavam fatais na pobreza. A primogênita, Nevinha, nasceu em Boqueirão, em 1939, enquanto os demais filhos vieram à luz no acampamento federal de São Gonçalo. Sobreviveram 13 filhos, mas, em 1963, a tuberculose levou Paulina, uma adolescente cheia de sonhos, reduzindo para 12 o número de descendentes que perpetuariam o legado de Doroteu.
A transferência para o distrito de São Gonçalo, em Sousa, no ano de 1939, marcou um novo capítulo na vida de Doroteu. No coração do sertão paraibano, ele continuou seu trabalho no DNOCS, dedicando-se ao sistema de bombeamento de água e à oficina eletro-mecânico, conhecida como "usina". Seus companheiros de trabalho, como Augusto Dantas, José Mariano, Tobias e Irineu, testemunharam sua habilidade e dedicação, enquanto o chefe Pedro Antunes de Oliveira reconhecia sua importância para a equipe. Durante o dia, enfrentava jornadas exaustivas como operário; à noite, assumia o papel de pescador, garantindo o sustento da família com o alimento que retirava das águas do açude. Era um homem de múltiplas jornadas, movido pela necessidade e pelo amor à família.
A barragem de São Gonçalo, com seu som metálico de ferramentas e o pulsar incessante das máquinas, tornou-se o palco onde Doroteu escreveu sua história de trabalho árduo e dignidade. Mesmo diante das privações, nunca perdeu a modéstia e a esperança. Contudo, o peso do tempo e as condições precárias de vida cobraram seu tributo. Em 28 de maio de 1962, às 8 horas da manhã, Doroteu faleceu em São Gonçalo, vítima de insuficiência cardíaca, aos 57 anos. Seu corpo foi sepultado sob o luto de uma família numerosa, que, à época, ainda contava com muitos filhos menores de idade.
A viúva Josefa, carinhosamente chamada de Dona Zefinha, tinha apenas 39 anos quando ficou sozinha para criar os filhos. Nos anos 1970, ela e a maior parte da família migraram para Brasília, em busca de melhores oportunidades. Na capital federal, encontraram um novo lar, mas nunca perderam as raízes que os ligavam ao sertão paraibano. Dona Zefinha faleceu em 5 de novembro de 2024, aos 101 anos, deixando um exemplo de coragem e resiliência que ecoa através das gerações.
O legado de Doroteu dos Santos Passos também se manifestou nos feitos de seus filhos. Paulo Rodrigues Passos, servidor do Ministério das Relações Exteriores, homenageou sua família e sua terra natal ao construir, em 1990, o estádio "O Paulão" em São Gonçalo. Esse espaço tornou-se um marco na história esportiva local, sendo palco de jogos memoráveis do Sousa Esporte Clube nos campeonatos paraibanos de 1992 e 1993, antes da construção do estádio “O Marizão”, em Sousa.
Hoje, a memória de Doroteu dos Santos Passos é mais que uma história de vida; é um testemunho da força e do sacrifício que moldaram o sertanejo. Sua saga, marcada por trabalho, amor e superação, continua a inspirar gerações, ressoando como exemplo de dignidade e esperança no sertão paraibano.