Murmura o Mar: Belo Horizonte
O mar não parou de murmurar, pensei que ia morrer de tristeza na viagem, mas não morri. Estávamos no início de 1969. A nova casa era o apartamento da Tia Eugênia, irmã de meu pai, na rua Bernardo Mascarenhas, 375, térreo, à esquerda, Cidade Jardim, telefone 379421. Tia Eugênia, a partir daquele momento, substituiria minha mãe. O marido, tio Jésus, me intimidava, mas era tudo culpa minha: é fácil intimidar um tímido. Um novo capítulo começava.
Lá, me aguardava o primeiro emprego com carteira assinada: Habitação Construções e Empreendimentos, Rua Curitiba 1548. Quem arrumou o emprego foi o Dunga (Luís), concunhado do meu tio, Tito Lívio Pereira, residentes em Itaúna. Eu trabalharia as 8 horas de praxe. Muitas vezes, pensei desistir e voltar pra Pitangui. Só o cheiro das gavetas do escritório me dava tonturas, pura conversão psicossomática. Chamadas interurbanas eram caras e deficientes. Hoje, o celular mata a saudade. A esperança de dias melhores eram as aulas na Faculdade de Letras da UFMG, na rua Carangola, bairro Santo Antônio. Lá conheceria gente nova e me entregaria ao mundo dos idiomas e da Literatura.
Como ainda não havia turma à noite, teria que estudar de manhã e e trabalhar à tarde. Já havia uma promessa: Banco Econômico de Minas Gerais, costurada por meu pai e dr. Tasso Lacerda, meu professor de Literatura. O banco me pagaria melhor por seis horas de trabalho. Quando as aulas começaram, pedi contas na Construtora e aguardei a chamada do banco.
Para não ficar parado, tio Jésus me arrumou lugar num escritório de contabilidade, na rua Contria, Alto da Barroca. O dono era o sr. Walmor Bernardino de Sena. O Sr. Walmor teve paciência comigo, mas eu errava muito. Depois de uns 2 meses, pedi demissão. Eu, contador formado, não tinha vocação nenhuma. Fiz o curso porque era o único de ensino médio em Pitangui.
Algumas semanas depois, o emprego prometido saiu: Banco Econômico de Minas Gerais, à rua Espírito Santo com Caetés, de 12:30 às 18:30. A manhã era dedicada à faculdade. Depois das aulas, almoçava na FAFICH, na rua Carangola, e seguia para o centro, de ônibus ou carona. Peguei muita "xepa" com o colega Luiz Gonzaga Pereira de Souza, meu amigo desde então.
No banco, assinava o ponto, via a lista de clientes e saía para consultar sua situação na praça. Depois dos bancos, na região da Praça Sete, era a vez do comércio fora do centro. Nisso, conheci muitos bairros e aprendi a andar de ônibus. O setor de cadastro, porém, fechou em 1970. Nessa época, começava o processo de automação e fusão de bancos. O Econômico logo se incorporou ao Mineiro do Oeste e a nossa agência mudou para a Av. Amazonas/Tamoios.
Ao todo fiquei um ano e meio no Econômico, enquanto botava outra bala na agulha: tinha saído concurso para professor do PREMEM - Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio, dentro do Acordo MEC/USAID. Os aprovados ganhariam uma bolsa para o curso de dez meses, oito horas por dia e, ao final, seriam professores das Escolas Polivalentes. Os salários seriam bem melhores do que em colégio particular e rede pública. Terminado o curso, os aprovados poderiam trabalhar meio horário ou horário integral. Inscrevi-me em Licenciatura/Inglês, para trabalhar no Polivalente em Formiga.
Foram 10 meses de curso, com 8 horas diárias de aulas, tarde e noite, de março a dezembro de 1971. Minha vontade, porém, era permanecer em Belo Horizonte. Hortência, colega residente em Formiga, tinha se classificado para a Capital e aceitou trocar comigo. O curso era de alto nível. Foi aí que dei um upgrade no meu inglês, pois a maioria das matérias eram dadas no idioma de Shakespeare. Meu local de trabalho seria o Colégio Polivalente da Ressaca.
Tive duas formaturas e duas licenciaturas naquele ano: pelo PREMEM/Inglês; pela UFMG/Letras/Português. O mar continuaria a murmurar, mas, logo, já seria em línguas ciganas.