A importância da tecnologia para pessoas cegas

A importância da tecnologia na vida das pessoas com deficiência visual

Como eu já disse em outras postagens neste espaço, sou cego, totalmente cego de nascença, e por isso, as publicações que costumo fazer aqui em sua grande maioria abordam casos e histórias das pessoas com deficiência visual.

Em uma data da qual não me lembro de junho de 2006 estive em Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte, onde participei de um seminário que falava sobre melhor autonomia das pessoas cegas.

No intervalo de uma palestra para outra, encontrei um colega também cego utilizando um celular com um leitor de telas, que lia tudo que se passava na tela do celular dele. Foi paixão à primeira vista, pois eu jamais havia tido contato com esta tecnologia. Ao voltar para São Luís, minha cidade, entrei em contato com os revendedores do aplicativo que se chamava Talks, obtive todas as informações e uma lista dos aparelhos compatíveis.

Me dirigi a uma loja da Amazônia Celular, que na época era uma das maiores operadoras de telefonia móvel de minha região e adquiri o modelo Nokia, o 6600.

Lembro do dia 17 de junho, em que o Brasil chorava a morte de um de seus grandes humoristas, o Bussunda, do conhecido programa televisivo Caceta e Planeta. Este dia foi a primeira vez que ouvi meu nokia 6600 falar e jamais esqueci este dia, um marco inicial para a minha vida tecnológica.

O tempo passou, e diversos outros recursos surgiram, muitos deles com funcionalidades ainda mais avançadas e impactantes que o Talks. Hoje, desfrutamos de ferramentas incríveis como o Be My Eyes, que combina inteligência artificial com a conexão entre pessoas cegas e voluntários. Temos também o Seeing AI, com suas múltiplas aplicações, e os avanços contínuos nos leitores de tela, que proporcionam um acesso mais amplo ao mundo digital.

Mas naquela manhã triste de 17 de junho de 2006, fiquei pensando nas inúmeras possibilidades que o avanço tecnológico poderia oferecer para todos nós, seres humanos, e especialmente para nós, pessoas com deficiência. No meu caso, para mim, pessoa cega.

É incontestável que a falta de visão traz uma série de limitações no acesso às informações. No entanto, vejo a tecnologia como uma ferramenta capaz de minimizar essas limitações de maneira significativa, quase as eliminando por completo. Esses avanços não são apenas soluções técnicas; são portas abertas para um mundo mais acessível e inclusivo.

Semana passada, tive acesso a um recurso que me chamou muita atenção e me fez refletir sobre o quão incrível será o futuro com a utilização da inteligência artificial.

Experimentei o recurso de visão por inteligência artificial do ChatGPT, disponível para assinantes, e também explorei a visão artificial do Gemini, da Google, acessível gratuitamente. Essa tecnologia representa um marco, trazendo novas formas de interagirmos com o ambiente e com objetos ao nosso redor.

Embora essas ferramentas não tenham sido desenvolvidas especificamente para pessoas cegas ou com baixa visão, elas oferecem suporte valioso em tarefas cotidianas, ampliando nossa autonomia e possibilidades de acesso.

Neste momento em que a visão artificial começa a nascer, vemos a acessibilidade, a inclusão e a inovação caminhando juntas. Um amplo leque de oportunidades está sendo construído, desenhando, aos poucos, um futuro muito mais acessível.

Minhas expectativas são tão grandes em relação a essa tecnologia, que decidi escrever este artigo para falar sobre o assunto. É importante destacar que essas ferramentas não têm como objetivo substituir técnicas tradicionais, como a bengala, o sistema Braille ou os leitores de tela. Pelo contrário, elas são um complemento poderoso, permitindo acesso a informações que antes considerávamos inalcançáveis.

Por exemplo, por mais de 30 anos, configurar a BIOS de um computador era uma tarefa impossível para uma pessoa cega, devido à ausência de suporte para leitores de tela. Dependíamos sempre da ajuda de alguém que enxergasse. Agora, com a visão artificial, esse cenário está mudando. Essa tecnologia descreve a tela e a posição do cursor, permitindo que pessoas cegas configurem a BIOS de forma independente.

Pensem no impacto disso: quantas telas inacessíveis agora podem ser compreendidas! É fundamental, no entanto, ressaltar que esse recurso não elimina a necessidade de desenvolver sistemas acessíveis seguindo boas práticas. Ele preenche uma lacuna, oferecendo acesso a informações que antes estavam fora de nosso alcance.

Mas essa inovação vai além das questões técnicas. Ela transforma a forma como interagimos com o mundo ao nosso redor. Imagine pessoas cegas que vivem sozinhas ou em famílias onde todos têm deficiência visual. O quão revolucionário é poder identificar as cores das roupas, padrões dos tecidos, detectar mofo no teto, perceber bolor em alimentos ou ler painéis de eletrodomésticos? E isso sem mencionar as inúmeras outras situações do cotidiano que agora podem ser resolvidas com autonomia.

A tecnologia é, acima de tudo, uma ferramenta para melhorar nossas vidas. E, para nós, pessoas cegas, cada avanço como este é mais do que uma inovação: é um passo significativo rumo a uma maior qualidade de vida.

Se pensarmos na área da saúde, a importância da visão artificial se torna ainda mais evidente. Imagine uma pessoa cega com um machucado que deseja saber a coloração da ferida: está avermelhada? Há manchas ao redor? São informações fundamentais.

Trago um exemplo pessoal: desde que me separei, a cerca de 11 anos, moro sozinho e me utilizo de tecnologias que tornam a minha vida mais acessível, seja quando estou andando na rua, estou no trabalho, ou preciso limpar a casa e cozinhar.

Para pessoas diabéticas que utilizam insulina, a visão artificial também será revolucionária. Poder ler o display do aparelho de glicemia ou verificar a quantidade exata de insulina na seringa será um grande avanço. Conheço muitas pessoas cegas que por falta de acesso a essas informações, aplicam insulina de forma desregulada. conheço por exemplo, pessoas cegas que confiando apenas na percepção tátil para medir insulina, sem poder verificar com precisão se há bolhas de ar na insulina ou a quantidade correta de medicamento na seringa.

Esses exemplos sintetizam o potencial transformador da tecnologia e o impacto que a visão artificial já tem e que terá cada vez mais à medida que evolui. Estou convicto de que a inteligência artificial mudará a vida daqueles que souberem compreender e aproveitar suas funcionalidades.

Ainda há muito a ser desenvolvido, mas os primeiros passos para esse novo tempo já foram dados. A visão artificial não faz com que nós, cegos, enxerguemos, mas nos permite compreender e interagir com o mundo ao nosso redor de maneiras antes inimagináveis.