Casa de Farinha: Histórias e Tradições do Povo Piraunense

Em Piraúna, território de uma rica herança cultural dos povos indígenas e afrodescendentes, a agricultura de subsistência e a pesca artesanal foram, por muitos anos, a base da sobrevivência de muitas famílias. A vida simples no campo era marcada pela colaboração mútua, na qual cada vizinho ajudava o outro no que pudesse. Era comum que um vizinho fosse à casa do outro pedir algum ingrediente ou utensílio para a preparação de uma refeição. A pobreza, paradoxalmente, gerava uma união imensa entre todos.

Uma das formas mais notáveis de trabalho coletivo era a produção de farinha. Após a colheita da mandioca, as famílias se reuniam na Casa de Farinha de Mirão, morador da região, para produzir a farinha, alimento essencial para a vida no campo.

A Casa de Farinha era um ponto de encontro onde a comunidade se reunia para trabalhar o dia todo, muitas vezes até altas horas da noite. Trabalhávamos juntos, eu, minha avó, mãe, pai, tios, primos e vizinhos o dia inteiro para garantir a produção.

Dizia-se que, em outros tempos, o lobisomem aparecia nas madrugadas, atraído pelos restos da mandioca, e essas histórias eram contadas com risos e assombros nas casas de farinha. Após limpar a mandioca, as crianças brincavam lá fora, procurando jacas maduras para saborear e se refrescando nas águas da Cachoeira do Ribeirão, na Fazenda Santa Rita, próxima dali.

Apesar do trabalho pesado de limpar, triturar, prensar, peneirar e torrar a mandioca, ainda havia tempo para momentos de diversão, cantigas e contação de histórias. No final da tarde, o cansaço era grande, mas a satisfação de ver o trabalho finalizado compensava. E, para completar o dia, todos se reuniam para fazer beijus de todos os tipos.

A Casa de Farinha era um espaço de coletividade, onde, entre o suor e o trabalho árduo, se fortaleciam os laços de amizade, solidariedade e união. Por fim, é importante lembrar que, com o passar do tempo, esses laços podem se desfazer. Numa sociedade cada vez mais individualista e competitiva, é fundamental que a comunidade não deixe morrer esse laço de união e espírito de fraternidade que existia antigamente. É preciso resgatar, preservar e fortalecer esses laços para que as futuras gerações possam continuar a se beneficiar da coletividade e da solidariedade que sempre caracterizaram nossa comunidade.

Dalberti Alves
Enviado por Dalberti Alves em 23/11/2024
Reeditado em 24/11/2024
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