AS MUSAS NÃO MORREM

AS MUSAS NÃO MORREM

A visão da minha terra serrana é um êxtase que faz bem à alma, sempre sequiosa de novas emoções. Mas, havia para mim, algo que se interpunha a tão belo e majestoso cenário: a privação de um horizonte mais alargado, que transcendesse os píncaros daquelas lindas serras que beijavam o azul dos céus.

É que o homem, carrega dentro de si a sede de infinito, a centelha divina, e é talvez por isso que ante a majestade, a magnitude da natureza que o cerca, sente por vezes, uma ânsia inexplicável de participar e penetrar profundamente desse mistério, do qual ele é parte imprescindível.

Eu invejava o meu rio que abriu seu próprio caminho, rasgando desfiladeiros, quebrando com a brandura de suas águas a rocha dura, obstáculos quase impensáveis, para alcançar o seu destino inexorável. E é belo ver suas águas prosseguirem ora mansas ora agitadas, correndo contente e por vezes murmurejante denunciando talvez uma saudade dos lugares que deixou para trás.

Entre as margens daquele rio, fui construindo meu pequeno mundo de sonhos e de fantasias de criança. Às vezes me bastava ficar olhando os belos peixes, barbos e robalos, que enxergava quase à superfície das suas águas, cristalinas; outras vezes me bastava contemplar a libélula, leve, graciosa, pousada sobre as mesmas águas e que não se afogava. E o encanto maior, ouvir os rouxinóis à beira rio quando iniciavam sua cantoria ao começo da noite, até ao romper da aurora. Por entre o arvoredo essas avezinhas, doce anjos da noite, ninavam e adocicavam meu sono e enfeitavam meus sonhos; e me faziam imaginar as musas que ali se banhavam sob a luz cálida da lua, e por ali ficavam a ouvir também aqueles maviosos cantos dos rouxinóis. E quando já sonolentas e certamente receosas dos olhares curiosos dos humanos iam descansar em seus leitos de algodão, lá nas alturas de minha imaginação.

-“Quando alguma coisa escapa da nossa consciência, essa coisa não deixou de existir, do mesmo modo que um automóvel que desaparece na esquina não se desfez no ar. Apenas o perdemos de vista. Assim como podemos, mais tarde, ver novamente o carro, também reencontramos pensamentos temporariamente perdidos”.

Este breve trecho acima, entre aspas, alguém antes de mim sentenciou e, por achá-lo tão verdadeiro, aqui o repito, e reafirmo que as nossas musas não morrem, só ficam adormecidas, por não termos mais o dom, ou capacidade, de tirá-las de sua letargia.

PS- e por ser Dia de Finados, vos asseguro, eles não morreram, apenas mudaram de lugar, a saudade sim, ficou aqui connosco.

E d’AF

Eduardo de Almeida Farias
Enviado por Eduardo de Almeida Farias em 02/11/2024
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