A história de Rhu e Mumu (por Rosana Mello Franco)

Comecei esta crônica como narradora da vida de nosso protagonista, o Rhú. No entanto, como não dá pra ficar de fora, então, pulei pra dentro... e lá vamos nós! Naquela manhã de sábado , 13 de julho de 85, quando o telefone vermelho tocou, mal sabia eu que estava vivendo meus últimos minutos como um ser "livre" . Dali pra frente, tudo mudou...

- Rosana, eu quero te pedir pra ir aí conversar com você - disse a voz do outro lado da linha.

- Conversar o que? Vc está com segundas intenções?, perguntei.

- Segundas, terceiras, quartas e quintas intenções...", respondeu ele, ofegante. Em 75 dias, ou seja, em 27 de setembro, estávamos ali, à frente do padre dizendo o SIM.

Quanta coisa nos aguardava! Dali em diante, começamos a nos conhecer. Sempre rodeados por "nossos" pais, Sô Zé e D. Edy. Éramos como duas crianças brincando de casinha, orientados pelos olhos atentos dos pais. O Rhú, que era como eu o chamava , começou a me mostrar seu mundo. Um homem feito, barbado, como diriam os antigos, mas com uma alma de menino. E como menino viveu toda sua vida. Recusou-se a crescer, a eclodir a casca do ovo e pular pra fora e ver a vida de frente, cara a cara. Nunca saiu do "Grupo Velho (Grupo Escolar José Valadares).

Insistiu em continuar aluno da D. Sálua. Insistiu em continuar brincando com o "Testa" e a fazer trabalhos escolares em sua pequena máquina de datilografia vermelha. Conhecido por muitos como Robigol, pois era o artilheiro do time em que jogava, acho que o Caveirinha. Esse era o nome dado ao time devido ao campo ficar atrás do Cemitério.

Rhú, embora seus pés estivessem no presente, sua cabeça vivia no passado. E o peso de conviver com essa dubiedade de sensações e lembranças só era aliviada quando se entregava nos braço da "mardita" . Gostava de viver lá no tempo dos casarões antigos da cidade, das árvores de bolinha, das brincadeiras com os primos no fundo do quintal, dos álbuns de figurinhas...

E pra colorir o pesado presente, alegrava os dias ouvindo Beatles. Sabia de cor e salteado todos os álbuns. Eu, que já gostava de Beatles, aprendi ainda mais a admirar e gostar desse grupo, pois conheci a obra mais a fundo. Passávamos horas e horas ouvindo e comentando os detalhes de cada música, quem cantava, como cantava e o que mais gostávamos.

- Mumuzinha, que era como ele me chamava, escuta essa... - Mumuzinha, olha que voz perfeita do Paul... Chegava às lagrimas levado pela emoção das cordas da guitarra de George Harrison. Concordávamos que Ringo não tinha uma voz atrativa, que era melhor que continuasse na bateria. Embora John fosse o cérebro , sem dúvida, a estrela do grupo era Paul McCartney. Eu , que achava que Let it be, Obladi, oblada, entre outras populares eram tudo de Beatles, estava prestes a me render a Norwegian Wood, Black Bird, Wonderlust, entre outras pérolas que o Rhú me mostrou. E eu também amava isso.

Em nossas idas ao Buraco de Tatu ou ao Bar do Dirceu, os Beatles era sempre o assunto principal da roda de amigos, principalmente se o Kiko Lara juntava-se a nós. O Rhú era uma pessoa de muitos conhecimentos. Tinha a sensibilidade à flor da pele. Explodia em risos ou em ira com a mesma facilidade.

Extremamente correto em suas responsabilidades financeiras, anotava tudo e fazia questão de ser pontual nos pagamentos, legado importante deixado aos filhos. Falava de Pitangui com amor profundo e orgulhava-se de ser pitanguiense. Guardava em álbuns cuidadosamente organizados as imagens dos casarões, dos primos, os filhos da tia Terezinha e de pessoas que fizeram parte de sua infância .

"Seu Lôza, que homem bom! Seu Neném, que homem aborrecido! O Mansur , que homem pitoresco! A Maria Taioba, o Zé Pinto, a D. Raimunda, esposa do Seu Nenê , que mulher aborrecida! Pra cada morador do Beco um adjetivo carinhoso. E todos desfilavam em nossa porta pra lá e pra cá. Tínhamos amizade com todos. E como não falar de figuras inesquecíveis como a Mundica e o João, a Maria Benedita e o Zé, o Darci Moreira e a Sãozinha, a Maria Nunes, o João de Barros, a Dalva, entre outros .

Entre todos esses, para o Rhú, havia um que era especial. O orgulho da família, o primo William ou "Chacra", como costumava chamá-lo. Esse falava sete idiomas, já tinha viajado o mundo todo e ido até a Dinamarca, imagine só onde está a Dinamarca. Pois esse primo já foi lá! É funcionário do Itamaraty! Que orgulho! E os casos de idas e vindas a Taguatinga, as farras juntos, os amigos "di" William, tudo era motivo de boas risadas... Amava imitar o sotaque nordestino "di" Diamantino:

- " William pensa que sou coelho. Geladeira "di" William só tem folhas"...

As vindas de William a Pitangui eram sempre cheias de expectativas . Guardava sempre um detalhe de música pra mostrar, ou algo pra contar. Embora que nem sempre se encontravam, pois mal o primo punha os pés em Pitangui, lá estava o Rhôr, o Jonba a levá-lo pra cá e pra lá.. E, quando ficávamos sabendo, já tinha ido embora...

Eu, Mumu, sempre ocupada com o cuidado da casa e as crianças, o trabalho fora, vou ouvindo as histórias, vendo os acontecimentos enquanto aprendo a fazer biscoito de queijo com D. Edy. Amo isso! Lutamos bravamente contra a "mardita". Meus sogros sofriam intensamente por ver-me sofrer com o vício do filho.

O Rhú amava os filhos e sonhava com o dia que levaria Israel para assistir o glorioso Cruzeiro no Mineirão. Pena que esse dia nunca chegou... Suas recaídas iam ficando cada vez mais próximas uma da outra e não deu pra segurar. Ficou pesado demais... Embora com o coração partido por deixá-los , Rhú e Sô Zé, sós naquela casa, peguei nossos três filhos e voltei pra minha terra, Pará de Minas. Continuamos casados ainda por 12 anos. Ao todo foram 30. Sarah veio na barriga.

Sempre entendi o Rhú perfeitamente, mas queria mudá-lo Transformá-lo num marido e pai de família exemplar. Eu entendia que naquela situação não havia culpados, ou seja, ele não era culpado de ser como era, por ter sido superprotegido e, por sua vez, os pais não tinham culpa de terem tido somente ele. Era amor demais envolvido... O que sei é que, embora numa vida cheia, bem cheia de altos e baixos, foi um tempo muito marcante pra mim. As pessoas com quem convivi e tudo que aprendi foi intensamente marcante e, acredito que, ainda que viva até os 200 anos, nunca mais será igual aos 18 anos vividos no Beco dos Canudos ...

Autoria: Rosana Mello Franco

Rhu: Robson Rodrigues Santiago, meu primo em primeiro grau -

Mumu: Rosana Mello Franco, sua esposa -