O MENINO QUE ENCANTAVA O SOL
Todos os direitos dessa edição reservados ao seu autor.
Publicação: outubro/2024
Capa/Diagramação: Bento Júnior, com xilogravura colorida
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Foto de Bento Júnior: Ítalo Rômany
Impresso pela Editora Clube de Autores.
Edições: Associação Cultural Zé da Luz
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Em memória do meu pai e dos meus avós
A SINOPSE
Era um menino inteligente e nos Campeonatos de Pipas, dava show, ganhou várias medalhas que até hoje ostenta com orgulho. Tinha um único amigo: Júlio, que antes de tudo era seu fã. Fugiu do Convento, não quis ser padre, no primeiro ano de medicina, abandonou, preferiu ser pedagogo, queria colocar em prática o seu aprendizado infantil, conseguiu e foi um dos maiores professores do seu país. O sol mantinha uma comunicação constante com hoje o homem: Beethoven Amadeu Ismael Júnior. Ao redor dos seus netinhos, Seu Beethoven debruça sobre vários episódios de sua vida no engenho do seu avô.
Ele explica que o título de “O Menino que Encantava o Sol" é um conto infantil que explora a amizade e a conexão entre um menino e o sol, um laço que ele desenvolve desde pequeno, enquanto empinava suas pipas. Na infância nunca usou cerol, e talvez por isso tenha conseguido algo extraordinário: Ele encantava o sol.
O AVÔ E SEUS NETOS
O menino guarda esse segredo por muitos anos e só revelou, já velho, aos netinhos, reunidos ao seu redor no antigo engenho do avô. Ele conta sobre um menino inteligente, que ganhou Campeonatos de Pipas e exibia todos os certificados de campeão que guardava até os dias de hoje. Com um único amigo, Júlio, que sempre o admirou, passou por várias experiências e caminhos antes de encontrar sua verdadeira vocação. Fugiu do Convento, desistiu da Medicina no primeiro ano, mas acabou se tornando Pedagogo, impulsionado pelo desejo de resgatar e compartilhar o aprendizado da meninice. Hoje, como Beethoven Amadeu Júnior, ele é conhecido como um dos maiores nomes da literatura infantil do seu país. O sol, que um dia fora seu amigo silencioso e constante, ainda mantém uma comunicação especial com ele, como se nunca tivessem se separado. Enquanto Seu Beethoven vai trilhando as conversas do passado, seus netos, abismados com tudo aquilo, respiram como num filme de suspense. A menina Rachel de olhos arregalados, filha do seu primogênito filho, não para de questionar e diz em alto e bom som que “Esta história encanta pela simplicidade e pelo poder da infância, a liberdade de sonhar e a importância das amizades que moldam toda uma vida”. E Seu Beethoven dá seguimento: No conto, Juninho passa boa parte de sua infância no engenho do avô, rodeado por colegas e pelo céu aberto onde gostava de empinar pipa. Ele e os amigos corriam pelos campos, rindo e brincando, enquanto ele lança suas pipas coloridas ao vento. O engenho, com sua paisagem ampla e cheia de natureza, foi o cenário perfeito para mostrar sua habilidade. Ele era sempre o primeiro a soltar a pipa mais alta e a empiná-la com precisão. Ao longo dos dias, ele passava horas ali, olhando para o céu e falando, em segredo, com o sol. Seus amigos notavam seu jeito diferente, mas respeitavam o menino que parece ter algo especial. Eles achavam mágico como ele fazia a pipa dançar ao vento e vibrar a cada nova manobra que ele inventava. Essa infância no engenho, cercada de aventuras e momentos únicos, deixaram marcas profundas no menino, inspirando-o a valorizar a simplicidade e a liberdade em tudo o que faz. Com seu rosto sempre iluminado pelo sorriso e os pés descalços, ele adorava brincar ao lado dos amigos, empinando pipas que coloriam o céu. O lugar era vasto, com campos abertos e um vento constante que parecia convidar as pipas para dançarem bem alto. Juninho era o melhor de todos com esse brinquedo popular: sabia como segurá-lo no ar, fazendo manobras incríveis e levando a alcançar as nuvens. Os amigos dele observavam admirados, especialmente quando ele parecia conversar com o sol. Eles não entendiam, mas ele sempre dizia que o sol brilhava mais forte para ele e sua pipa. Com o passar do tempo, esse segredo especial entre aquele menino e o sol se tornava uma das coisas mais preciosas para ele. Nas suas pipas nunca usava cerol nas linhas, o importante era o voo livre delas, sem machucar ninguém. E ele ganhou vários campeonatos. Os prêmios que recebeu viraram um tesouro que ele guardava com carinho, um símbolo da sua paixão e do respeito pela brincadeira. Seu amigo Júlio era seu maior fã e também o seu fiel companheiro nas aventuras no engenho. Conforme o tempo passava, o menino crescia, mas nunca esquecia do sol que o acompanhava. Quando ficou mais taludinho, o sol ainda brilhava para ele, como uma lembrança daquela amizade mágica que começou no céu azul do engenho. Na escola, era conhecido por seu jeito alegre e sonhador. Enquanto os outros amigos falavam de bolas de gude, dama, dominó e carrinhos, ele encantava com suas pipas, que também eram chamadas de corujas ou papagaios. Seus colegas achavam diferente e, às vezes, até estranho, mas nunca se importavam. Para aquele menino, o céu era um campo de possibilidades, e as pipas eram suas mensageiras que tocavam o sol.
Em determinado momento, o menino Carlinhos, filho de sua filha, Virgínia, interrompeu dizendo que seu avô podia ser tudo aquilo que ele queria, ele seguiu o coração num tempo em que os filhos só faziam aquilo que os pais queriam. Seu Beethoven, concorda e segue: Aquele menino, além ser bastante inteligente, era também muito curioso, assim como vocês, elaborando perguntas que faziam até a professora pesquisar um pouco mais. Gostava de aprender sobre tudo: como era o vento, o céu, as cores, o sol e os movimentos das coisas ao seu redor. Todos os outros colegas da escola respeitavam seu talento nas brincadeiras de fora da sala, especialmente no “Pipa” que organizavam naquele extenso pátio. Quando o campeonato chegou, este menino parecia ser o próprio sol. Ele controlava a pipa como se fosse parte dele, guiando-a pelo céu com habilidade e graça. Os outros vibravam e Júlio, seu melhor amigo e fiel companheiro, torcia mais alto que todos, orgulhoso do talento do amigo. No final, ganhou uma medalha que ostentava com orgulho.
O PRIMEIRO AMOR
Entre as brincadeiras e aventuras no engenho, ele tinha uma companheira especial que fazia seu coração bater mais forte: Mariazinha. Com tranças longas e um sorriso doce, ela era a menina mais querida por todos e a única que conseguia deixa-lo sem palavras. Sempre que estavam juntos, ele sentia como se até o sol brilhasse mais forte, só para eles. Mariazinha acompanhava Juninho e seus amigos nos Campeonatos de Pipas, encantada com as habilidades dele. Ela gostava de ver o céu cheio de cores, mas o que mais gostava era de ver o brilho nos olhos dele enquanto fazia as pipas dançarem. Eles dividiam segredos e aventuras, como explorar o engenho em busca de comer rapadura, provar mel e tomar aquela garapa de cana de açúcar e conversar sobre os sonhos que tinham para o futuro. Mariazinha dizia que ele devia construir uma pipa tão grande que tocasse as nuvens, e ele prometia que um dia o faria, só para ela ver. Com o tempo, cresceu, seguiu novos caminhos, e a vida a levou para longe do engenho e da escola. Mas ele nunca esqueceu dela. Mesmo depois de tanto tempo, ele lembrava de Mariazinha com o mesmo carinho e afeto. Ela sempre foi seu primeiro amor, um amor de infância que, como o voo das pipas, tocou o céu e ficou guardado em seu coração para sempre. Quando Mariazinha se mudou para outra cidade, o menino sentiu um vazio enorme. Ele passava as noites deitado na cama, olhando pela janela e pensando nela, sentindo a saudade apertar. Sem sono, ele contava as estrelas, imaginando que, em algum lugar, Mariazinha também as estaria vendo. Os dias no engenho ficaram diferentes. Ele empinava as pipas, mas o céu parecia menos colorido sem a presença de Mariazinha para assistir. Ele sentia falta do riso dela ao seu lado, das conversas sobre sonhos e de como ela o incentivava a voar sempre mais alto. Às vezes, quando o vento estava forte, ele soltava sua melhor pipa e sussurrava ao vento que sentia falta dela, esperando que de alguma forma o vento levasse seu recado até a cidade onde ela estava. Essas noites em claro o fizeram entender o valor daquela amizade, simples e sincera, que ele sentia. Mesmo longe, Mariazinha continuava em seus pensamentos, e ele prometeu para si mesmo que, um dia, voltaria a vê-la, nem que fosse para contar todas as aventuras que ele viveu desde então.
LUIZA
Com o tempo, uma nova amizade começou a colorir os dias dele. Uma menina chamada Luiza apareceu em sua vida, cheia de alegria e com um jeito curioso de ver o mundo que lembrava a energia das pipas dançando no céu. Luiza tinha um sorriso que iluminava, e quando ela apareceu, percebeu que suas noites de saudade ficaram menos solitárias. Luiza adorava empinar pipas e se divertia desafiando com novas manobras e truques no ar. Juntos, eles exploravam o engenho, riam de qualquer coisa e criavam novas brincadeiras que animavam o grupo de amigos. A presença de Luiza foi aos poucos ocupando o espaço que Mariazinha tinha deixado, e logo o menino percebeu que não se pegava mais olhando as estrelas, pensando no que poderia ter sido. Ao lado de Luiza, ele se sentia livre, feliz e cheio de novas ideias. Ela o inspirava a criar brinquedos novos, experimentar e sonhar ainda mais alto. E, embora Mariazinha sempre fosse sua primeira lembrança de amizade, Luiza trouxe para a vida dele um novo começo, mostrando que o coração também sabe voar e se encantar de novo, como uma pipa ao vento. Mas havia algo que não esperava: a família de Luiza era de um partido oposto ao da sua família. Na pequena cidade onde viviam, isso era motivo de grande tensão, e as famílias não se davam bem. Quando os pais deles descobriram sobre a amizade dos dois, ficaram preocupados e proibiram eles de se encontrarem. Diziam que não deveriam se envolver com certas pessoas. No início, o menino não entendeu por que não poderia mais brincar com sua amiga. Para ele, Luiza era a menina que fazia seus dias mais felizes, que o fez aos poucos esquecer Mariazinha, que corria ao seu lado no engenho, fazia as tarefas da escola e empinava pipas. Mas logo, ele percebeu que, mesmo contra sua vontade, a amizade deles se tornava cada vez mais complexa. Eles começaram a se ver na escola, trocando acenos rápidos e olhares tristes. Nas noites em que não conseguia dormir ele ficava pensando em como era injusto não poder estar com sua amiga por causa das brigas entre as famílias. A saudade de Luiza apertava, e ele se perguntava se um dia as coisas poderiam mudar. Mesmo que a vida tivesse levado Mariazinha e Luiza para longe dele, sabia que aqueles momentos que passaram juntos no engenho e na escola ficariam guardados para sempre em seu coração. Sentindo-se sozinho e afastado das duas, ele encontrou uma nova forma de aliviar seu coração: começou a escrever cartas ao sol.
CARTAS AO SOL
No silêncio da noite, ou sob o céu alaranjado do entardecer, ele pegava papel e lápis e escrevia sobre seus sentimentos, seus sonhos e as saudades que guardava no peito. Nas cartas, contava sobre como sentia falta das risadas de Luiza e das conversas com Mariazinha. Escrevia sobre suas aventuras no engenho, sua vivência na escola e dos Campeonatos de Pipas, imaginando que, de alguma forma, o sol entenderia o que ele estava sentindo. Ele acreditava que o sol, seu amigo desde sempre, levaria essas palavras ao vento, como um recado silencioso que pudesse alcançar quem ele amava, em especial à menina Mariazinha. Essas cartas, embora nunca fossem enviadas, se tornaram o grande consolo. Escrever para o sol era como conversar com um velho amigo, um amigo que sempre o acompanhava e brilhava para ele, não importando onde estivesse. Aos poucos, essa prática se tornou parte de sua vida, ajudando-o a lidar com a saudade e a encontrar força para seguir em frente, levando no coração o brilho de todas as suas amizades e amores de infância. As cartas que ele escrevia ao sol eram um reflexo de sua situação emocional, dedicando cada uma delas para descrever seu mundo interior, com a intenção de mostrar ao sol como se sentia naquele momento. Naquelas páginas, ele narrava suas alegrias e tristezas. Contava sobre as tardes em que sentia falta de Mariazinha e como o riso de Luiza ecoava em sua memória, mesmo quando estava longe. Ele descrevia a dor do afastamento e a confusão que sentia, lutando para entender por que o mundo ao seu redor parecia tão complicado. O menino falava sobre seus dias ensolarados, quando as pipas subiam alto e sua alma se alegrava, e também sobre as noites em que a solidão o acompanhava, enquanto ele olhava para o céu e imaginava que o sol o escutava. Ele desenhava corações nas cartas, escrevia poesias simples e até mesmo desenhava pipas coloridas, na esperança de que o sol pudesse ver a beleza da sua infância e a pureza de seus sentimentos. Essas cartas se tornaram um diário íntimo, onde ele despejava seus pensamentos e emoções, como se o sol fosse seu confidente. Com cada palavra escrita, ele se sentia mais leve, como se estivesse liberando um pouco da tristeza que o acompanhava. Ele acreditava que, ao compartilhar sua vida com o sol, poderia encontrar um caminho de volta para a felicidade e talvez, um dia, reencontrar as pessoas que tanto lhe fizeram bem.
O PREFEITO
A vida do menino ganhou um novo contorno quando seu avô se tornou prefeito da cidade. Essa vitória política, no entanto, trouxe consigo uma série de tensões e conflitos. O avô dele havia sido um homem respeitado na sociedade, sempre buscando o melhor para todos, mas agora, sua nova posição o colocava em disputa direta com o pai de Luiza, que era um político influente e tinha opiniões bem antagônicas. Com essa situação, as coisas se tornaram ainda mais complicadas, se vendo no centro de um conflito que não pediu para fazer parte. Sua amizade com Luiza, que já enfrentava dificuldades por conta das diferenças políticas de suas famílias, agora estava sob uma pressão ainda maior. Enquanto o avô se dedicava a implementar suas ideias para a cidade, o menino sentia que, ao mesmo tempo, estava perdendo uma parte importante de sua vida. Nos momentos em que escrevia suas cartas ao sol, ele refletia sobre como as disputas políticas podiam afetar a vida das pessoas. Ele lamentava que o amor e a amizade tivessem que sofrer por causa de divergências que pareciam tão distantes da alegria que compartilhava com Luiza. Em seus pensamentos, ele desejava que seus avós e os pais de Luiza pudessem ver além da política e perceberem que, no fundo, ele e Luiza eram apenas crianças que queriam brincar juntos. A situação o deixava triste, e muitas vezes, ele se perguntava se haveria uma maneira de reconciliar essas diferenças e encontrar um espaço onde as crianças pudessem ser apenas elas mesmas, longe das disputas e das rivalidades familiares. A esperança de que um dia pudessem voltar a ser amigos alimentava suas cartas e mantinha vivo o brilho que o sol sempre oferecia em seus dias mais escuros. Conforme o tempo passava, o menino se sentia cada vez mais motivado a escrever para o sol. As cartas se tornaram um diário profundo, onde ele narrava sua trajetória de forma honesta e emocional. Com cada nova página, ele compartilhava suas experiências, os altos e baixos da vida, suas conquistas e suas tristezas. Ele escrevia sobre as memórias do engenho, repletas de risadas e brincadeiras, e como cada canto daquele lugar trazia à tona recordações de Mariazinha e Luiza. Também relatava suas vitórias no Pipa e como se sentia orgulhoso de suas conquistas. Porém, à medida que o tempo avançava, ele também falava sobre os desafios que enfrentava: a saudade de Luiza, a distância de Mariazinha e o conflito entre suas famílias. O menino começou a refletir sobre o que o sol significava para ele. Para ele, o sol era mais do que uma fonte de luz; era um amigo que sempre o escutava. Ele contava ao sol sobre seus sonhos de criar brinquedos e brincadeiras e divertir crianças, assim como fazia em sua infância, e sobre como desejava unir as pessoas, independentes de suas diferenças. Com cada carta, o menino sentia que estava se conectando ainda mais com o sol, como se as palavras escritas pudessem alcançar a luz dourada que iluminava seu caminho. Ele acreditava que, ao compartilhar sua história, o sol poderia não apenas compreender sua dor, mas também ajudá-lo a encontrar esperança e coragem para enfrentar os desafios da vida. Essas cartas se tornaram uma parte essencial, um registro de sua jornada em busca de amor, amizade e um futuro onde pudesse ser feliz ao lado das pessoas que realmente importavam para ele.
O BAÚ
O menino tinha um pequeno baú de madeira, que havia pertencido ao seu avô, achado em um canto do engenho, empoeirado e esquecido, mas logo soube que era o lugar perfeito para guardar suas cartas ao sol. O baú, com suas pequenas imperfeições e entalhes feitos à mão, tinha um charme especial que lembrava as histórias que sua família havia contado ao longo dos anos. A cada carta que escrevia, ele cuidadosamente a dobrava e a colocava nele, criando um tesouro de pensamentos e emoções. Com o tempo, o baú se encheu, e as cartas começaram a contar não apenas a história de sua infância, mas também a de sua vida em crescimento: as alegrias de novos amigos, as tristezas de antigas amizades perdidas e a luta interna para entender seu lugar em um mundo que parecia tão confuso. O menino imaginava que, um dia, abriria o baú e leria todas aquelas cartas, revivendo cada momento em que sentou sob o céu, escreveu para o sol e despejou seu coração no papel. Cada carta era uma página da sua história. Sentia que, ao guardá-las, estava preservando não só suas memórias, mas também seus sonhos. O baú se tornou um símbolo de sua jornada pessoal, um espaço seguro onde ele podia ser vulnerável e honesto. Ele sonhava em compartilhar essas cartas com alguém especial no futuro, talvez com Luiza ou até mesmo com seus netinhos um dia, mostrando a eles que, mesmo em tempos de solidão e confusão, sempre havia um caminho de luz a seguir.
Neste momento, a sua neta, Christel, irmã de Rachel, foi perguntado ao avô se ele ainda mantinha aquelas cartas guardadas. Seu Beethoven deu um riso e disse que aquilo era um segredo que ele guardava a sete chaves, e continuou... o menino guardava aquele baú como o maior trunfo de sua vida. Ele o mantinha escondido em um canto do sótão do engenho, onde poucos ousavam ir. Para os outros, era apenas um baú antigo, mas para ele, era um tesouro de sentimentos e histórias que ninguém poderia compreender completamente. Cada vez que olhava para o baú, sentia um misto de proteção e reverência. Era o lugar onde ele podia ser autêntico, onde seus medos e esperanças podiam existir sem julgamento. Ele sabia que aquelas cartas continham suas verdades mais profundas: sua saudade de Mariazinha, o carinho por Luiza, a dor dos conflitos familiares e a busca por um futuro feliz. Mesmo em momentos de tristeza, o baú se tornava seu refúgio. Quando as dificuldades pareciam esmagadoras, ele subia ao sótão e passava a mão pela superfície de madeira, lembrando-se de que ali estava um pedacinho de sua alma. Ele imaginava que, um dia, quando fosse mais velho e tivesse mais coragem, poderia abrir o baú e compartilhar todas aquelas cartas com alguém especial.
O menino Carlinhos, já impaciente não teve outra:
– Vô, o que é que Vó acha dessa história?
Já, Christel, eufórica com a história, quis saber se sua avó se sentia orgulhosa em fazer parte daquele enredo.
Seu Beethoven, em poucas palavras diz que sua mulher é a causa dele escrever este conto. E deu continuidade.
Eu percebia que tinha alguém que pudesse entender o que significava crescer com tantos sentimentos dentro de si.
O segredo do baú o acompanhava em cada passo da vida, como uma sombra silenciosa. Era um lembrete constante de que, por mais complicadas que fossem as relações e a vida, sempre haveria um espaço dentro dele onde poderia ser livre para sonhar. E assim, o baú e suas cartas permaneceram como um legado pessoal, uma parte essencial da história do menino, guardada com carinho e cuidado, aguardando o momento certo para ser revelada. Entre todas as cartas que havia escrito, uma se destacou em meio às outras, brilhando como o nascer do sol numa praia deserta. Era uma carta que ele escrevera naquela época em que sentia a falta de Mariazinha com uma intensidade quase dolorosa. Enquanto o vento suave entrava pela janela do sótão, ele capturou em palavras o que seu coração pulsava:
Querido Sol,
Hoje, enquanto o sono se distancia de mim, eu me lembro de Mariazinha. Às vezes, parece que a luz dela é tão intensa quanto a cor do sol, e eu sinto uma saudade que aperta o peito. Mariazinha era minha amiga, meu riso e minha alegria. Ela tinha um jeito especial de fazer tudo parecer mágico, como quando corríamos pelo engenho, rindo e brincando até o sol se pôr. Eu me pergunto se, assim como eu, ela também olha para o céu e sente a falta do que tivemos. Nossas risadas ressoam como pipas ao vento, e eu desejo que um dia possamos voar juntos novamente, como fazíamos antes de tudo mudar. Às vezes, perguntam se o amor que sinto por ela é real. É como uma pipa que sobe cada vez mais alto, dançando ao sabor do vento. Cada carta que escrevo parece me aproximar dela, e essa minha admiração pelo sol faz acreditar que o amor pode durar, mesmo à distância. Eu sei que as coisas mudam e que a vida é cheia de desafios, mas meu coração sempre encontrará um jeito de voar até ela. Espero que, onde quer que esteja, ela saiba que eu a amo e que, mesmo longe, ela faz parte de cada sonho que vivo. Com carinho, Juninho.
Ele guardou essa carta no fundo do baú, sabendo que ela carregava a essência de seu verdadeiro amor. Portanto, se convenceu de que, apesar de todas as mudanças e desafios, aquele amor por Mariazinha era algo que transcenderia o tempo e a distância, como as pipas que dançavam nas alturas, livres e cheias de vida. Aquele menino decidiu que essa carta merecia um tratamento especial. Ele a pintou com as cores primárias: vermelha, azul e amarela, dando vida às palavras que transbordavam de seu coração. Ele usou o vermelho para destacar os sentimentos mais intensos, o azul para as memórias doces que o aqueciam e o amarelo para a alegria que Mariazinha trazia à sua vida. Cada cor se misturava, criando um espetáculo vibrante que refletia a profundidade de seu amor. Para completar o carinho que dedicou àquela carta, criou um envelope feito com as cores terciárias. Ele misturou o vermelho com o amarelo para criar um laranja vibrante, um azul com o amarelo para fazer um verde refrescante, e um vermelho com o azul para um roxo profundo e encantador. As cores do envelope dançavam ao redor, como se estivessem alegres por guardar um segredo tão especial. Quando o envelope ficou pronto, sorriu ao imaginar como Mariazinha se sentiria ao receber algo tão colorido e cheio de vida. Embora soubesse que as cartas nunca chegariam a ela, o ato de criar aquele envelope se tornara uma forma de expressar tudo o que sentia. Ele sonhava que, se um dia seus caminhos se cruzassem novamente, poderia entregar a ela essa carta e fazer com que visse o quanto ele a amava. Assim, a carta e o envelope ficaram guardados no baú, como uma obra de arte que representava não apenas um amor de infância, mas também a criatividade e a imaginação que sempre estiveram dentro de dele. Ele sabia que aquele amor, pintado com as cores do coração, sempre seria uma parte de sua história, uma lembrança vibrante que nunca se apagaria. Ele olhava para o baú e, em seu coração, um desejo profundo crescia: queria que aquela carta colorida chegasse até Mariazinha. Ele se imaginava entregando-a pessoalmente, vendo os olhos dela brilharem ao ler suas palavras. Mas, ao mesmo tempo, a realidade se impunha: ela havia se mudado para uma cidade muito distante, e ele não sabia como encontrá-la. O desejo de relacionar-se com ela o consumia, e ele começou a pensar em maneiras de tornar seu sonho possível. Lembrou de que a vida era feita de pequenos caminhos que, de alguma forma, se cruzavam. E se pudesse enviar a carta por meio de alguém que fosse até a cidade onde Mariazinha morava? Ou quem sabe por meio do vento, que sempre levava suas cartas ao sol? A ideia parecia mágica e cheia de esperança. Com essa nova determinação, decidiu que precisava compartilhar seu desejo com alguém que pudesse ajudá-lo. Ele se lembrou de Júlio, seu amigo fiel, que sempre o apoiou e que, por acaso, estava prestes a fazer uma viagem para a cidade de Mariazinha. O coração dele pulou de alegria ao pensar que poderia pedir a Júlio que entregasse a carta. Naquela tarde, ele correu até a casa de Júlio, segurando o envelope com firmeza. Ao chegar, explicou a situação e o desejo que o movia. Júlio sorriu, compreendendo a importância daquele gesto. Ele concordou em levar a carta, prometendo que, assim que chegasse à cidade, a entregaria a Mariazinha com todo o carinho que havia colocado nela. Com a esperança renovada e a certeza de que sua mensagem de amor estava a caminho, se despediu de Júlio, sentindo seu coração leve. Ele sabia que, independentemente do que acontecesse, aquela carta era uma parte dele que agora estava viajando para encontrar alguém que sempre faria seu coração brilhar.
A grande notícia que lhe deixou radiante foi a realização do Pipa, que, desta vez, seria promovido pela prefeitura, agora sob a administração de seu avô. Ele mal podia conter a empolgação ao imaginar as corridas de pipas coloridas cortando o céu, enquanto as crianças da cidade se reuniam para competir e se divertir. O menino se lembrava dos campeonatos anteriores, que sempre foram organizados pela escola, mas desta vez seria ainda mais agradável. A ideia de que seu avô, o prefeito, estava por trás do evento fazia tudo parecer ainda mais grandioso. A cidade estava se mobilizando, e a expectativa crescia a cada dia. Ele sabia que seu avô sempre acreditou na importância de promover atividades que unissem a comunidade, e aquele evento era a maneira perfeita de celebrar a alegria e a criatividade das crianças. Ele escolheu as cores mais brilhantes e fez novos desenhos que refletiam sua personalidade e seu amor por Mariazinha. Cada movimento de empinar a pipa se tornava uma expressão de felicidade, como se ele estivesse também mandando suas mensagens para o céu, na esperança de que chegassem até ela.
AS PIPAS
No dia do campeonato, a cidade se encheu de risadas e gritos de alegria. Aquele menino estava entre os primeiros a chegar, seu coração batendo forte de excitação. O céu azul se transformou em um espetáculo de cores, com pipas de todos os tamanhos e formatos dançando na brisa. Ele se destacou entre os competidores, não apenas por suas habilidades, mas pela alegria contagiante que irradiava. A presença do avô como prefeito trazia um orgulho especial. Aquele neto sabia que ele tinha se esforçado muito para tornar aquele momento possível, e a felicidade no rosto dele ao vê-lo competir apenas aumentava a motivação do menino. Naquele campeonato, não se tratava apenas de ganhar; era sobre celebrar a amizade, a afetividade e a alegria de empinar pipas sob o sol. Enquanto a pipa subia cada vez mais alto, ele sentia que estava também enviando um pedaço de sua felicidade para Mariazinha, tornando aquele dia inesquecível, não apenas para ele, mas para todos que compartilhavam aquela linda tradição. No dia do campeonato, estava animado e cheio de esperança. A competição começou, e ele se destacou imediatamente, fazendo sua pipa dançar graciosamente pelo céu. O coração dele pulava de alegria enquanto observava as outras crianças se divertindo, rindo e torcendo umas pelas outras. Ele estava determinado a dar o seu melhor, tanto pela competição quanto para honrar a tradição que seu avô ajudara a criar. Mas, para sua infelicidade, tudo mudou quando a pipa de Ambrósio, um menino conhecido por ser invejoso e competitivo, entrou em cena. Ambrósio tinha um histórico de rivalidade com ele, e havia rumores de que ele sempre usava cerol em suas linhas para cortar as pipas dos outros. Juninho, que sempre teve um espírito esportivo e jogava limpo, acreditava que isso não era necessário. Porém, ele subestimou o que Ambrósio era capaz. A competição estava acirrada, e, quando Ambrósio cruzou o caminho dele, seu coração afundou. O corte da linha foi instantâneo e brutal: a pipa dele, que subia majestosa, foi cortada e despencou, enquanto a pipa de Ambrósio voava triunfante. A desclassificação foi imediata e a tristeza se espalhou pelo coração de Juninho, e ele sentiu uma mistura de raiva e impotência diante da situação. Sentado no chão, observando sua pipa despencar, uma onda de frustração tomou conta dele. Ele se sentia injustiçado, não apenas por ter perdido a competição, mas pela maneira desleal como as coisas aconteceram. O orgulho que ele havia sentido ao competir ao lado de seu avô e seus amigos se transformou em um nó na garganta. Mas, mesmo diante da desclassificação, decidiu que não deixaria que isso o abalasse por completo. Ele levantou a cabeça, olhou para o céu e respirou fundo. Lembrou-se de suas cartas ao sol, de sua amizade com Júlio e do amor por Mariazinha. Aquelas coisas eram mais importantes do que qualquer medalha ou prêmio. Enquanto Ambrósio celebrava sua vitória, de forma injusta, se afastou um pouco, buscando um lugar tranquilo. Ele decidiu que, embora a competição não tivesse terminado como ele esperava, ainda havia muitas razões para sorrir. E, acima de tudo, ele sabia que poderia empinar pipas sempre que quisesse, independentemente do resultado. O campeonato poderia ser apenas um dia, mas a alegria de ser criança e a liberdade de sonhar eram eternas. E assim, com o coração leve, ele prometeu a si mesmo que continuaria a escrever cartas ao sol, compartilhando suas alegrias e tristezas, sempre acreditando que, um dia, tudo se resolveria. A situação se tornava ainda mais complicada quando aquele menino percebeu que Ambrósio era, na verdade, primo de Luiza. Essa conexão familiar só intensificava os sentimentos de rivalidade entre eles. Ambrósio sempre teve um certo ciúme da amizade que Juninho e Luiza compartilhavam, e essa inveja parecia ter se transformado em uma necessidade de superá-lo a qualquer custo. Enquanto tentava lidar com a os péssimos acontecimentos, pensava que o comportamento de Ambrósio era influenciado, em parte, pelo desejo de se provar diante de Luiza. Ambrósio, que sempre se achou o mais esperto e mais habilidoso, não conseguia suportar a ideia de que aquele menino poderia se destacar, especialmente agora que Luiza havia se mudado e estava distante. Ele provavelmente acreditava que, ao derrotá-lo, poderia impressionar Luiza e recuperar a atenção que sentia que havia perdido para o colega. Juninho sentiu uma mistura de compaixão e raiva. Ele entendia que a insegurança daquele menino era o que o levava a agir de maneira tão desonesta, mas isso não diminuía a dor da traição. Afinal, ele nunca imaginou que a rivalidade poderia se manifestar dessa forma, especialmente vinda de alguém tão próximo de Luiza. Com isso em mente, ele decidiu que precisava encontrar um jeito de lidar com a situação. Em vez de se deixar abater pela inveja e pelas ações desleais de Ambrósio, resolveu que não permitiria que essa rivalidade afetasse sua visão sobre a amizade e o amor. Ele guardou em seu coração a lembrança de seus momentos felizes com Luiza, sempre acreditando que, independentemente da distância e das circunstâncias, os verdadeiros laços de amizade são mais fortes do que qualquer competição. E assim, enquanto o campeonato prosseguia e as pipas continuavam a dançar no céu, decidiu que seu próximo passo seria ficar frente a frente com Luiza. Ele queria que ela soubesse que, apesar das rivalidades e dos desafios, ele sempre estaria lá, pronto para lembrar os momentos especiais que compartilharam. Com essa esperança no coração, ele olhou para o céu e sorriu, sabendo que sua história ainda tinha muitos capítulos a serem escritos. Após o campeonato e as frustrações com Ambrósio, encontrou uma nova paixão: coordenar o Festival de Pipa da escola. Ele percebeu que, em vez de se deixar abater pela rivalidade e pelas desilusões, poderia transformar sua experiência em algo positivo, que beneficiasse outras crianças e mantivesse viva a tradição de empinar pipas. Ele começou a planejar o festival com entusiasmo, imaginando como poderia fazer do evento uma celebração não apenas da competição, mas também da criatividade e da amizade. Ele se dedicou a ensinar as crianças sobre a arte de empinar pipas, compartilhando suas próprias técnicas e dicas sobre como fazer pipas coloridas que cortassem o céu. Durante as aulas, falava sobre a importância de brincar limpo, de respeitar os outros competidores e de valorizar a diversão acima da vitória. Ele encorajava todos a personalizarem suas pipas, a explorarem sua criatividade e a expressarem suas personalidades através das cores e desenhos que escolhiam. As crianças adoravam ouvir suas histórias sobre como empinar pipas numa forma de liberdade diante do céu. O Festival de Pipa cresceu rapidamente em popularidade, atraindo alunos de outras escolas e até mesmo famílias que vinham para se juntar à festa. Organizou oficinas onde ensinava desde a construção das pipas até as melhores técnicas para empiná-las. Ele também criou um espaço onde as crianças poderiam compartilhar suas ideias e se inspirar umas às outras. O festival não era apenas sobre competição; havia atividades de pintura, música, brinquedos populares, teatro, comidas típicas e, claro, muito espaço para brincar. Fez questão de incluir todos, especialmente aqueles que, como ele, tinham um espírito livre e criativo. Ele via ali uma oportunidade de unir a comunidade e criar laços duradouros entre as crianças. Com o apoio de seu avô, que se orgulhava de vê-lo liderar um evento tão significativo, conseguiu transformar o festival em um verdadeiro sucesso. E, ao olhar para o céu repleto de pipas coloridas, ele sentia que estava também se comunicando com Mariazinha e Luiza de uma forma especial, como se cada pipa que subia era uma mensagem de amor e amizade. O festival se tornou uma tradição, aprendendo que o verdadeiro espírito de competir está em celebrar a alegria de brincar, em compartilhar momentos e em ensinar os outros a voar alto, não apenas com pipas, mas também com seus sonhos. E assim, ele continuou a liderar o festival, repleto de sonhos e esperanças, sempre lembrando que cada pipa empinada era uma parte de sua história e de seu coração.
PROVAS
Durante a semana de provas na escola, ele se sentia mais preparado do que nunca. Ele havia se dedicado aos estudos, revisando as matérias e se organizando para garantir que compreendia cada conteúdo. O Festival de Pipa e as aulas que ministrava tinham sido uma grande fonte de alegria e motivação, mas ele não havia deixado que isso o distraísse dos estudos. No primeiro dia de provas, ao entrar na sala de aula, respirou fundo e se lembrou de todas as cartas que havia escrito ao sol. Elas o inspiravam a acreditar em si mesmo e em suas capacidades. As horas de prática e os momentos em que ajudou seus amigos a entender as Disciplinas tinham dado frutos. Com cada questão respondida, sua confiança aumentava. Ele se lembrava de cada detalhe, das explicações dos professores e das conversas com seus colegas. Ao final da semana, quando as notas foram divulgadas, e ele não pôde conter a alegria: ele havia tirado nota máxima em todas as matérias! A felicidade dele não era apenas por causa das notas; era também a sensação de que todo seu esforço e dedicação valeram a pena. Ele compartilhou a boa notícia com seus amigos, que o parabenizaram calorosamente. No fundo, ele sabia que suas conquistas não eram apenas um reflexo de sua inteligência, mas também de sua paixão por aprender. Ao chegar em casa, encontrou seu avô, que estava sentado na varanda, admirando o pôr do sol. Juninho correu até ele, sorrindo, e contou sobre suas notas. O avô ficou tão orgulhoso que o abraçou e elogiou sua dedicação:
– Isso é só o começo, meu neto querido. Continue a voar alto, assim como suas pipas.
Com o coração cheio de alegria e gratidão, ele se sentou ao lado do avô e falou sobre seus planos para o futuro, suas ideias para o próximo Festival de Pipa e suas esperanças de reencontrar Mariazinha. Naquele momento, ele sentiu que estava em um caminho maravilhoso, onde o conhecimento e a amizade o levavam cada vez mais alto, como as pipas que ele adorava empinar. As notas obtidas foram uma vitória, mas o que mais importava era a jornada, o aprendizado e as memórias que ele estava criando ao longo do caminho. Com essa energia positiva, ele sabia que o céu era o limite e que cada dia era uma nova oportunidade para sonhar e realizar. Na bagaceira do engenho, encontrou seu espaço especial. Com o vento soprando suavemente, ele preparou sua pipa, uma criação vibrante que ele mesmo havia desenhado. As cores brilhantes dançavam à luz do sol, e a expectativa enchia o ar. Ele sentiu a energia da pirralhada ao seu redor, as crianças observando com olhos arregalados, cheios de admiração e curiosidade. Quando lançou a pipa ao céu, uma onda de encantamento tomou conta da molecada. A pipa subiu como um pássaro, cortando as nuvens e desafiando o próprio sol. A pirralhada ficou abismada, não apenas com a beleza da pipa, mas com a habilidade que demonstrava. Ele era como um artista, movendo-se com destreza e confiança, controlando a linha com maestria, fazendo a pipa dançar e rodopiar no céu.
– Olha como ela voa! Gritava um dos meninos, apontando com entusiasmo enquanto Juninho manipulava a linha, fazendo a pipa subir ainda mais alto. Ele sorria, alimentado pela alegria dos pequenos. A cada movimento, ele se lembrava das lições que havia aprendido, tanto com seu avô quanto nas horas dedicadas aos estudos e às cartas que escrevera ao sol. As risadas e gritos de alegria ecoavam pela bagaceira, misturando-se ao som do vento. A imagem daquele menino, empinando sua pipa, se tornava uma cena mágica que ficaria gravada na memória de todos. Aquele momento não era apenas sobre ganhar ou perder; era sobre a liberdade de ser criança, a felicidade de estar ao ar livre e a emoção de compartilhar algo especial com os amigos. Com cada manobra que a pipa fazia, percebia a admiração refletida nos rostos das crianças. Ele sabia que estava inspirando-os a sonhar e a acreditar que também poderiam alcançar grandes alturas. E, enquanto sua pipa dançava no céu azul, se sentia grato por estar ali, no coração do engenho, cercado por risos e sorrisos, criando memórias que seriam eternas. A bagaceira se tornava o cenário perfeito para um dia de aventuras e magia, com o sentimento pautado numa espécie de “rei do céu”, com sua pipa como sua coroa. Ele olhava para as crianças e sabia que estava transmitindo o legado de brincar livremente, de sonhar alto e de nunca deixar que as rivalidades o impedisse de voar. E assim, entre risadas e pipas dançantes, ele aproveitou cada momento, cercado por amigos e pela beleza da infância. Enquanto aquele menino continuava a empinar sua pipa , uma nuvem escura se formou sobre sua felicidade. Ele estava tão envolvido na alegria do momento que não percebeu o quanto o mundo ao seu redor poderia mudar em um instante.
A MORTE
A notícia chegou de forma abrupta, trazida pela mãe que, com o rosto pálido e os olhos cheios de tristeza, se aproximou:
– Meu filho, eu preciso te falar uma coisa. É sobre seu avô… As palavras eram como um golpe no coração do menino. Ele mal conseguia compreender o que estava sendo dito, mas o olhar da sua mãe dizia tudo. O seu avô, o prefeito, havia falecido. O menino ficou paralisado. O homem que sempre foi sua fonte de inspiração e apoio, que havia lhe ensinado tantas coisas sobre a vida e a importância da amizade, não estava mais ali. Ele se lembrou de todos os momentos que passou ao lado do dele: as histórias contadas ao entardecer, os conselhos dados com paciência e amor, e o orgulho que sentia ao vê-lo liderar a cidade com integridade e sabedoria. As risadas e brincadeiras das crianças ao seu redor começaram a se dissipar, como se o ar tivesse sido retirado dali. Ele sentiu um vazio imenso e uma dor profunda, como se uma parte dele tivesse sido arrancada. A pipa, que antes voava alto e cheia de vida, agora parecia triste, como se refletisse a tristeza que tomava conta de seu coração. Com os olhos cheios de lágrimas, olhou para o céu. Ele queria que o sol, seu velho amigo, o confortasse de alguma forma. Mas a realidade era dura, e a perda do avô era um golpe difícil de suportar. Ele sabia que aquele momento mudaria sua vida para sempre. O Festival de Pipa, que antes era uma celebração alegre, agora parecia distante e sem sentido. No entanto, à medida que a tristeza se instalava, começou a pensar no legado que seu avô deixara. Lembrava de todas as coisas que ele sempre defendia: a importância da comunidade, o amor pelas crianças e a necessidade de fazer o bem. Com isso em mente, decidiu que não deixaria a memória do dele se apagar. Ele queria honrar seu legado. Com lágrimas nos olhos, se virou para as crianças e, com uma voz trêmula, disse:
– Vamos empinar as pipas juntos em homenagem ao meu avô. Ele sempre acreditou na magia do brincar e na força da amizade.
E assim, apesar da dor que sentia, transforma sua tristeza em ação, compartilhando a alegria que seu avô tanto valorizava. Naquele dia, a bagaceira do engenho se transformou em um espaço de lembranças e homenagens. As crianças se uniram, empinando suas pipas e enviando-as para o céu como uma forma de celebrar a vida de um homem que sempre havia se importado com elas. E, enquanto as pipas subiam, sentiu que, de alguma forma, seu avô ainda estava ali, orando por ele e por todos aqueles que ele amava. No dia do enterro, a cidade estava envolta em um luto profundo. As ruas, normalmente cheias de risos e brincadeiras, estavam sombrias. A comoção era intensa, e as pessoas se reuniram para prestar suas últimas homenagens ao querido avô de Juninho. Vieram gente de todas as cidades vizinhas, o pessoal da Prefeitura e seus familiares. Ele sempre foi uma figura admirada e respeitada naquele lugar, e sua partida deixou um vazio imenso nos corações de todos. Vestido com roupas escuras, tinha a melancolia em seu olhar, ainda mais visível. Ele sentia a dor da perda, mas também a responsabilidade de honrar a memória do avô. Ao lado da família, caminhou até o cemitério, onde amigos, vizinhos e conhecidos aguardavam para se despedir. O sol brilhava, mas a luz parecia mais fraca naquele dia, como se o céu também estivesse de luto. A cerimônia foi marcada por discursos emocionados que celebravam a vida do avô. Amigos e colegas falaram sobre suas conquistas como prefeito, sua generosidade e a forma como sempre se preocupou com cada um daquela cidade. O menino ouviu atentamente, absorvendo cada palavra, cada lembrança que fazia seu coração apertar. Quando chegou a hora do seu pai falar, sentiu um nó na garganta. Ele queria também homenagear seu avô, mas a dor era intensa. Com a voz trêmula, ele se levantou e, em meio às lágrimas, começou a falar:
– Meu avô sempre me ensinou a importância de sonhar e a força que temos quando estamos juntos. Ele acreditava nas crianças e nos ensinou a amar uns aos outros. Eu prometo que vou continuar seu legado e fazer tudo o que puder para espalhar alegria e amizade, assim como ele fez!
Aquelas palavras trouxeram lágrimas aos olhos de muitos presentes. O menino, em meio à dor, conseguiu transmitir um pouco da luz que seu avô havia compartilhado com todos. Ele sentiu que, ao falar, estava mantendo viva a memória do homem que tanto amava. Após a cerimônia, o cortejo seguiu em direção ao jazigo, e as pessoas se juntaram em solidariedade, formando uma onda de apoio e carinho. O clima era de tristeza, mas também de união; as pessoas se abraçavam e se confortavam, reafirmando que, mesmo na dor, juntos eram mais fortes. Quando a cerimônia chegou ao fim e o ataúde foi colocado na terra, se sentiu envolto por um profundo silêncio. Ele olhou para o céu e fez uma promessa silenciosa a seu avô: ele continuaria a lutar pelos sonhos, pela amizade e pelo amor. E enquanto as flores eram colocadas sobre o jazigo, decidiu que, mesmo na tristeza, ele faria o melhor que pudesse para honrar a vida do avô, mantendo viva a esperança e a alegria que sempre havia compartilhado com ele. Após o enterro, a pressão sobre o menino aumentou. A família, especialmente os tios e primos, começou a discutir sobre o futuro dele. Após a perda do avô, eles acreditavam que era hora dele seguir um caminho diferente.
– Ele deve se tornar um padre.. Diziam, com vozes firmes e decididas:
– É o que seu avô teria querido...
A ideia de ser padre não era nova para o menino. Desde pequeno, havia ouvido seu avô falar sobre a importância da fé e do serviço à comunidade. Mas, por dentro, ele se sentia dividido. Enquanto o desejo de honrar a memória do avô era forte, seu coração pulsava por outras aspirações. Ele amava a arte de empinar pipas, a alegria do festival e o desejo de inspirar outras crianças. A Religião poderia não ser seu caminho, mas ele tinha uma ligação especial com a comunidade que queria continuar a cultivar.
– Eu não quero ser padre! Se atreveu a dizer em uma reunião familiar, sua voz firme, embora cheia de hesitação:
– Eu quero ajudar as pessoas, mas de uma maneira diferente. Quero trabalhar com crianças, quero criar coisas, quero fazer o festival de pipa crescer e continuar a reviver a alegria que meu avô sempre trouxe.
Os olhares de desaprovação se multiplicaram, e a sala ficou em silêncio. Sua mãe, com lágrimas nos olhos, tentava entender, mas a pressão da família a fazia hesitar:
– Meu filho, seu avô sempre acreditou na importância da fé e do serviço. Ser padre seria uma forma linda de honrá-lo.
Mas aquele filho sentia que ser padre não era o que o seu avô realmente queria. Ele se lembrava das conversas que tiveram, das lições que aprendeu sobre como encontrar seu próprio caminho e como ajudar a comunidade através do que amava.
– Eu prometo que farei algo que o tornará orgulhoso! Insistiu em dizer com sua voz agora mais confiante.
– Posso ajudar as crianças a sonhar e a voar alto, assim como as pipas que empinamos juntos! Com o passar dos dias, a tensão continuava. Sabia que sua família tinha boas intenções, mas a pressão para seguir um caminho que não sentia ser o seu começou a pesar em seus ombros. Ele se isolou em seus pensamentos e se concentrou em escrever novas cartas ao sol, expressando suas esperanças e medos, refletindo sobre o que realmente queria para seu futuro. Finalmente, após um longo período de reflexão, decidiu que precisava mostrar à sua família que havia outras maneiras de honrar o legado de seu avô. Ele planejou um grande evento para o Festival de Pipa, algo que seria um tributo ao avô, mas que também representaria sua própria paixão e o caminho que ele queria seguir. Com determinação, falou com seus amigos, pediu ajuda para organizar o evento e, ao mesmo tempo, preparou um discurso para a sua família, onde explicaria sua visão de futuro. Ele queria que todos vissem que o amor e o apoio que seu avô sempre ofereceu poderiam continuar a ser espalhados de outra forma. No dia do festival, ele se sentia nervoso, mas também animado, sabia que estava fazendo algo importante, algo que mostraria à sua família que ele poderia seguir seu próprio caminho, mas ainda assim honrar a memória de seu avô. O evento se tornaria um símbolo de união, esperança e amor, valores que seu avô sempre defendeu. E, com essa intenção em seu coração, estava pronto para enfrentar qualquer desafio que a vida lhe reservasse.
Em uma manhã fria e nublada, sua mãe, tomada pela tristeza e pela preocupação com o futuro do filho, decidiu que a melhor solução seria matricular em um convento:
– É o que seu avô queria! Ela disse, com a voz embargada, e continuou: – Meu filho, você precisa encontrar seu caminho, e lá você terá a oportunidade de aprender sobre fé e servir à humanidade!
A ideia de viver em um convento, longe de seus amigos e das coisas que amava, como empinar pipas, estudar e brincar ao ar livre, era aterrorizante. Ele não queria ser padre. A verdade era que ele sentia um chamado diferente, algo que pulsava em seu coração, mas não sabia como comunicar isso à sua família. Ele queria ajudar as pessoas, mas não daquela maneira.
O PADRE, O MÉDICO E O PEDAGOGO
Com relutância, ele foi para o convento. No início, tudo parecia estranho. O lugar era silencioso e austero, e os outros meninos que lá estavam pareciam mais focados em estudar e em seguir as regras rígidas do que em explorar e sonhar. Se sentia como estivesse vivendo em uma prisão. Passava os dias em aulas de teologia, filosofia e ensinamentos religiosos, mas sua mente vagava para longe, pensando em sua pipa, nas corridas pela bagaceira e em todos os momentos felizes que passara com seus amigos. As noites eram especialmente difíceis. Ele sentava em sua cama e olhava pela janela, observando as estrelas. A saudade de sua liberdade, dos risos e das aventuras com os colegas o consumia. Ele se lembrava de Mariazinha, de Luiza e dos planos que tinha para o futuro. O convento parecia sufocar seus sonhos, e ele se perguntava se algum dia poderia ser verdadeiramente feliz ali. Nas horas de solidão, começou a escrever cartas. Mas desta vez, não eram apenas para o sol; ele escrevia para seus amigos, para sua família e, principalmente, para si mesmo. As cartas eram uma forma de expressar sua dor, suas esperanças e seus desejos. Ele falava sobre como sentia falta da vida ao ar livre, de empinar pipas e de ser criança. Cada carta era um desabafo, uma maneira de manter viva a chama de quem ele realmente era. Com o passar do tempo, percebeu que as cartas não eram apenas uma forma de escapar; elas eram um lembrete do que era importante para ele. Ele começou a ver que, mesmo dentro do convento, poderia manter sua essência. Ele ainda poderia sonhar, ainda poderia amar as crianças e encontrar maneiras de fazer o bem. Ele se comprometia a usar suas experiências para ensinar outras crianças sobre a alegria de brincar, de ser livre e de voar alto. Certa noite, enquanto todos dormiam, decidiu que precisava fazer algo. Ele começou a organizar pequenos encontros com os outros meninos do convento. Eles se reuniam no pátio e, sob o brilho do sol, ele os ensinava a empinar pipas improvisadas feitas de papel. As risadas começaram a ecoar, e aos poucos, o convento se transformou em um espaço de alegria e liberdade. Aquele menino viu que, mesmo nas situações mais difíceis, ele ainda poderia fazer a diferença na vida das pessoas ao seu redor. Ele se tornaria um líder, não da maneira que sua família imaginava, mas como alguém que poderia inspirar e trazer felicidade a outros. O convento não seria um lugar de aprisionamento, mas um espaço de crescimento e descobertas. Com essa nova perspectiva, aceitou sua situação com mais serenidade. Ele sabia que, no fundo, ainda havia uma parte dele que desejava explorar o mundo fora do convento, mas também compreendia que a vida o estava ensinando valiosas lições. E, com cada pipa que lançava ao céu, ele se sentia um pouco mais livre e um pouco mais próximo do que realmente desejava ser. A vida no convento se tornava cada vez mais sufocante. Embora ele tentasse transformar aquele ambiente rígido em um espaço de alegria, a pressão e a expectativa da sua família continuavam a pesar em seus ombros. As aulas longas e os rituais monótonos o deixavam inquieto, e a saudade de sua liberdade e das aventuras com os amigos o consumia. O desejo de retornar à sua vida anterior crescia a cada dia.
Num desses momentos de reflexão pensou na carta que tinha enviado por Júlio para Mariazinha e até aquele momento não obtivera resposta. Veio para o Convento e nunca mais soube de Júlio, não podia dizer o que fizera e ficou numa situação intimista de sofrer. Numa dessas cartas trocadas perguntara pela mãe sobre Júlio e recebera a notícia que ele nunca mais tinha aparecido no engenho.
Certa noite, enquanto os outros meninos dormiam, tomou uma decisão: ele não podia mais ficar ali. A ideia de passar mais tempo longe de sua verdadeira paixão, de seus sonhos e do que o fazia feliz o impelia a agir. Com o coração acelerado e a mente repleta de pensamentos, ele se levantou da cama, vestiu seu casaco e pegou uma pequena mala com alguns pertences: suas cartas, um caderno, lápis, e, claro, uma pipa que ele havia feito durante os encontros clandestinos no pátio. Ele saiu do dormitório, tentando fazer o mínimo de barulho possível. A escuridão do convento parecia envolvê-lo como um manto, e a emoção da liberdade iminente o enchia de coragem. Assim que passou pelo portão, distante do segurança, um sentimento de alívio e euforia tomou conta dele. Ele estava livre! O céu estrelado parecia brilhar mais intensamente, como se o próprio universo estivesse aplaudindo sua decisão. Ele começou a correr, sentindo o vento frio no rosto, um vento que trazia a promessa de novas aventuras e liberdade. O menino não sabia exatamente para onde estava indo, mas seu coração o guiava de volta ao engenho, ao lugar onde suas memórias mais felizes estavam guardadas. Com cada passo, ele se sentia mais próximo de sua verdadeira ação de ser criança. Após uma longa caminhada sob o sol, finalmente chegou ao engenho. A visão do local o encheu de nostalgia e felicidade. O cheiro da terra e do ar fresco trazia lembranças de dias ensolarados, de risadas e de liberdade. Ele sabia que tinha muito trabalho pela frente, mas, acima de tudo, estava determinado a reconquistar sua vida e seus sonhos. Já sabia como enfrentar a família, em especial, sua mãe. Teria que dizer toda verdade e cada vez mais pautar naquilo que pretendia pra sua existência. E começou a pensar que no dia seguinte, ao amanhecer, se reuniria com a pirralhada do lugar. Ele não apenas queria empinar pipas novamente, mas também criar um espaço onde as crianças pudessem sonhar, rir e brincar livremente. Ele começaria a organizar um Festival de Pipas que celebrasse a vida e a alegria, em homenagem ao seu avô, mas também como um grito de liberdade por si mesmo. Após a fuga do convento, se sentia mais livre do que nunca, mas também ciente de que sua mãe, como médica respeitada da cidade, esperava muito dele. Ela sempre sonhou que seu filho seguisse seus passos e se tornasse médico, acreditando que seria uma forma de continuar a tradição de servir à comunidade. Assim que retornou ao engenho, ele sabia que teria que enfrentar a dura realidade de explicar sua decisão.
Assim que a notícia chegou aos ouvidos da sua mãe, correu até o engenho, cheia de preocupação. Ao encontrá-lo, ela o abraçou com força.
– Meu filho, o que você fez? Fugir do convento? Eu só quero o melhor para você!
A mãe perguntara isto com a voz trêmula:
–Você precisa se concentrar nos estudos, em ser alguém importante, como médico. Já que você não quis seguir a carreira religiosa... É isso que seu avô gostaria!
A conversa logo se transformou em uma discussão. O menino tentou explicar sua paixão por empinar pipas, por ensinar as crianças e pela alegria que isso trazia, mas sua mãe parecia não entender:
– Ser médico é uma carreira respeitável, meu filho! Você pode fazer tanto bem! Por que você não quer seguir esse caminho? Seu avô, se vivo fosse ficaria muito feliz!
Ele sentia que precisava ser honesto. O menino daquela sua maneira gentil de ser, foi dizendo:
– Mãe, eu entendo que ser padre é importante, que ser médico também, e eu admiro o que a senhora faz como médica. Mas meu coração não está nisso. Eu quero trabalhar com crianças, quero ajudá-las a sonhar e a serem felizes. Não posso passar minha vida em um consultório, quando eu realmente amo a liberdade de poder passar o que sei para as crianças!
A discussão parecia não levar a lugar nenhum, e o menino sentia um aperto no peito ao ver a decepção nos olhos da mãe. Mas ele também sabia que não podia abrir mão de quem era. Com a determinação de quem já havia enfrentado tantos desafios, ele tomou uma decisão. Ele se comprometeria a estudar, mas não medicina. Em vez disso, se propôs a buscar um caminho que unisse sua paixão por ensinar e sua vontade de fazer o bem. Ele começou a planejar um grande Festival de Pipas, não apenas como uma celebração, mas também como uma oportunidade de arrecadar fundos para ajudar as crianças da cidade. Ele queria criar um espaço onde elas pudessem aprender, brincar e, mais importante, sonhar. Com a ajuda de seus amigos, ele começou a organizar o evento, desenhando cartazes, fazendo convites e convidando todos para o que ele esperava ser um dia mágico. Embora sua mãe ainda tivesse suas preocupações, com o tempo ela começou a ver a paixão de seu filho em ação. O entusiasmo do menino era contagiante, e logo ele estava cercado por crianças e adultos dispostos a ajudar. No dia do festival, o céu estava claro, e pipas coloridas começaram a encher o horizonte. O menino estava radiante, observando as crianças rirem e correrem, empinando suas pipas sob o sol. Ele se sentiu mais vivo do que nunca, e nesse momento, percebeu que estava no caminho certo. Através de sua determinação e amor pelo que fazia, conseguiu não apenas organizar um festival incrível, mas também conquistar a admiração de sua mãe. Ela começou a entender que, embora seus sonhos fossem diferentes, eles ainda refletiam os valores de amor e serviço que seu avô sempre defendia. E assim, enquanto as pipas voavam alto no céu, ele sabia que estava trilhando um caminho que era verdadeiramente seu, um caminho que unia sua paixão, seu amor pela comunidade e o legado de seu avô. Ele havia encontrado uma forma de ser feliz, de ajudar as pessoas e de viver a vida que realmente desejava. Após a realização do Festival de Pipas, sentiu que tinha finalmente conquistado um espaço para sua paixão e que poderia ser feliz enquanto ajudava os outros. No entanto, sua mãe, que sempre sonhara vê-lo seguindo a carreira médica, insistiu que ele deveria estudar medicina. Com o desejo de agradá-la e a esperança de que, talvez, pudesse encontrar alguma satisfação naquele caminho, ele decidiu se matricular na Faculdade de Medicina. Nos primeiros meses, se dedicou ao curso. Ele estudava com afinco, mesmo que a química, a biologia e a anatomia o deixassem exausto. Cada vez que ele via as crianças brincando lá fora, empinando pipas e rindo, seu coração apertava. Ele se lembrava da liberdade e da felicidade que sentia quando estava com elas. A medicina parecia uma escolha respeitável, mas, ao mesmo tempo, a vida no campus era pesada e cheia de pressão. Apesar de seu esforço, começou a perceber que não era feliz. As longas horas de estudo, as noites sem dormir e a pressão constante para ter um desempenho exemplar começaram a se tornar insuportáveis. Ele se sentia cada vez mais distante de quem realmente era, e as lembranças do Festival de Pipas, dos risos das crianças e da alegria que sentia ao ensinar, se tornavam uma sombra em sua mente. Um dia, enquanto caminhava pelo Campus, observou um grupo de crianças empinando pipas em um parque próximo. O sol brilhava, e o céu estava repleto de cores. Ele parou para observar e sentiu uma onda nostálgica. No fundo, sabia que seu coração ainda estava lá, onde a liberdade e a alegria reinavam. A ideia de abandonar o curso começou a crescer dentro dele. Ele lutou contra isso, pensando nas expectativas de sua mãe, mas a verdade era que ele estava apenas se perdendo em um caminho que não era o seu, tal qual acontecera naquele Convento. Ao final do primeiro ano, após muita reflexão, decidiu que não poderia mais continuar. Com um nó na garganta e uma mistura de medo e alívio, ele chamou sua mãe para uma conversa:
– Mãe, eu preciso ser honesto com a senhora. Eu não posso continuar a estudar medicina. Eu tentei, mas isso não é o que eu quero para minha vida! A reação da sua mãe foi imediata. A decepção em seu rosto era palpável:
– Meu filho, não podes desistir agora! Estás tão perto de algo importante. Pense no que seu avô queria para você, no que eu quero! Ser médico é um caminho nobre. Já que você, meu filho, desistiu de ser padre, pelo menos dê esse gosto à sua mãe!
– Eu sei, minha mãe, e eu admiro o que a senhora faz! Aquele menino respondeu, tentando manter a calma:
– Eu preciso seguir meu próprio caminho. Meu coração está nas crianças, na alegria, na liberdade. Eu quero ensinar, criar brinquedos, e fazer as crianças sorrirem. Isso é o que realmente me faz feliz!
Após uma conversa longa e difícil, sua mãe finalmente compreendeu que seu filho não poderia viver uma vida que não era sua. Embora ainda estivesse preocupada, começou a aceitar a decisão dele. Ela percebeu que, embora os caminhos fossem diferentes, o desejo de ajudar e fazer o bem ainda estava presente. Com a decisão tomada, dedica-se novamente ao que amava. Ele começou a organizar novos festivais de pipas e projetos comunitários, onde poderia ensinar as crianças a sonhar e a se expressar. A liberdade que ele havia perdido durante o tempo na Faculdade agora estava de volta, e ele se sentia mais completo do que nunca. Descobriu que seguir seu coração era a verdadeira medicina. Ele estava curando a si mesmo e a outros, trazendo felicidade e inspiração por meio daquilo que realmente amava. Ele havia encontrado sua verdadeira vocação, e estava pronto para voar alto, como as pipas que empinava, levando consigo o amor e a esperança que seu avô sempre ensinou. Com a decisão de abandonar a medicina e seguir seu verdadeiro caminho como Pedagogo, sabia que precisava reunir a família para comunicar suas intenções. No fundo, ele compreendia que isso não seria fácil, especialmente considerando as altas expectativas que sua mãe tinha para ele. Em uma tarde ensolarada, ele convocou todos para uma reunião no engenho. O ambiente estava repleto de ansiedade, pois sua mãe já havia percebido que algo estava prestes a ser anunciado. Quando todos estavam reunidos, respirou fundo e começou a falar:
– Minha Mãe, Meu Pai, avós e amigos, eu quero agradecer por todo apoio que sempre me deram. Eu sei que fiz uma escolha difícil ao deixar a medicina, mas eu preciso ser honesto com vocês. O que realmente quero para minha vida é trabalhar com crianças. Quero ser Pedagogo e dedicar minha vida a ensiná-las, a inspirá-las e a fazer com que elas sonhem!
Ao terminar a frase, uma onda de silêncio percorreu a sala. O olhar de sua mãe era de incredulidade e desespero.
– Mas, meu filho!... Ela começou, com a voz engasgada:
– Você estava prestes a ser um médico! Isso é um sonho que pode ajudar tantas pessoas. Como você pode desistir de algo tão importante?
Seu pai, normalmente calmo, também parecia preocupado:
– Menino, o que você quer dizer com isso? Pedagogia? É um caminho nobre, mas as oportunidades são diferentes. Você não pode simplesmente deixar isso para trás!
O avô materno dele, que mantinha pouco contato, foi dizendo:
– Meu neto, você é tão inteligente. Ser médico traria grande honra para a nossa família!
Aquele menino sentiu uma dor no peito ao ver a reação deles. Ele amava sua família e sabia que todos queriam o melhor para ele, mas precisava ser fiel a si mesmo:
– Eu entendo o que meu pai, minha mãe e meu avô estão dizendo, e agradeço por se preocuparem. Mas, por favor, ouçam-me. Meu coração não esteve no convento e também não está na medicina. Eu quero fazer a diferença na vida das crianças, ajudar a moldar o futuro delas. A alegria que sinto ao ensinar e brincar é algo que não posso ignorar. Quero dar às crianças a mesma felicidade que eu tive quando empinava pipas.
A conversa se estendeu por horas, cheia de tensão e emoção. Aquele menino viu o desespero no rosto de sua família, mas também percebeu o amor que havia por trás de suas preocupações. Ele insistiu que estava determinado a seguir seu caminho, mesmo que isso significasse ir contra as expectativas dela. Finalmente, após muitas discussões e lágrimas, sua mãe, embora relutante, começou a compreender que a felicidade de seu filho era o que realmente importava:
– Meu filho! Ela disse, com a voz ainda embargada:
– Eu só quero que você seja feliz. Se ser Pedagogo é o que faz seu coração bater mais forte, então eu não posso impedi-lo. Mas você terá que trabalhar muito duro e provar que essa é a sua escolha.
Com isso, a família começou a aceitar sua decisão. Aquele filho sentiu um alívio imenso ao ver que, embora houvesse desespero no início, a preocupação da família vinha de um lugar de amor. Eles poderiam não entender completamente, mas começaram a respeitar seu desejo de seguir um caminho diferente. Com o apoio, ainda que hesitante, da família, se lançou de cabeça em sua nova jornada. Ele estudou e passou no Vestibular pro curso universitário de Pedagogia e começou a desenvolver projetos que começaram a unir suas paixões por ensino e brincadeiras. Ele sonhava em criar um espaço onde as crianças pudessem explorar, aprender e se divertir. Ao longo do tempo, ele percebeu que, ao seguir seu coração, estava não apenas realizando seus próprios sonhos, mas também inspirando outros. Ele estava determinado a fazer a diferença e a mostrar que, mesmo em meio a desespero e incertezas, a felicidade pode ser encontrada ao abraçar o que realmente amamos. Após o tumulto familiar que se seguiu à decisão dele de se tornar Pedagogo, novas reviravoltas estavam a caminho.
O pai dele, que sempre teve uma forte ligação com a política, acabou sendo eleito prefeito da cidade. Com a vitória nas eleições, ele se sentia mais confiante do que nunca em suas convicções e estava determinado a moldar o futuro de sua família e do filho de acordo com seus próprios planos. Com sua nova posição, seu pai começou a insistir que ele também deveria se envolver na política.
– Menino, agora que sou prefeito, você deve me ajudar a fazer a diferença. Você pode usar sua educação e sua paixão para impactar a comunidade de uma forma muito maior do que apenas nas salas de aula. É a sua chance de brilhar!
Seu filho, por sua vez, se sentiu sufocado com a pressão. Ele queria ajudar sua comunidade, mas na forma que sempre sonhou: através da educação e do amor pelas crianças. O pensamento de se envolver em política lhe causava desconforto. Ele não queria fazer promessas vazias ou entrar em um mundo que parecia tão distante de sua verdadeira paixão:
– Mãe, Pai, eu agradeço pela confiança, mas não é isso que eu quero para mim. A política não é para mim. Eu quero trabalhar diretamente com as crianças, não em um lugar cheio de discursos e debates.
O diálogo rapidamente se transformou em uma discussão acalorada.
– Você não entende a importância do que estou dizendo! Seu pai retrucou, visivelmente frustrado:
– Você tem a chance de mudar a cidade. De fazer o bem em uma escala maior. E você quer jogar isso tudo fora por causa de um sonho infantil?
Seu filho, com o coração batendo forte, respondeu:
– O que o senhor chama de sonho infantil é o que realmente importa para mim. Eu quero inspirar as crianças a sonharem, a acreditarem em si mesmas. Eu não posso me comprometer com algo que não amo, pai. Isso não é viver.
Ele sentia que seu pai não via o que estava em jogo: sua felicidade, sua identidade e seu desejo de ajudar as crianças de forma autêntica. Ele sabia que essa luta era mais do que uma simples divergência de opiniões; era uma aumentava à medida que seu pai tentava convencê-lo, permaneceu firme em sua questão de quem ele era e do que queria se tornar. A pressão para entrar na política só decisão. Ele compreendeu que não iria se deixar levar pelas expectativas do pai e que lutaria por sua escolha. Após semanas de discussões e confrontos, finalmente se impôs.
– Eu não posso participar da sua campanha, não sou uma peça no seu jogo político. Eu quero ser Pedagogo e me dedicar a ensinar!
Com essa declaração, sentiu um peso sendo tirado de suas costas. Embora soubesse que sua decisão havia causado um mal estar na relação com seu pai, também compreendia que precisava seguir seu destino. Ele estava determinado a construir uma vida em que pudesse unir sua paixão pela Educação e seu amor pelas Crianças. O pai dele, embora desapontado, finalmente começou a entender que não poderia forçá-lo a se moldar a uma vida que não era a dele. A partir de então, as conversas se tornaram mais respeitosas, embora ainda houvesse uma nuvem de descontentamento pairando entre eles. Com o tempo, se dedicou plenamente à Pedagogia, realizando projetos em escolas e comunidades que ajudavam as crianças a explorarem seus talentos e a sonharem grandes sonhos. Ele percebeu que, mesmo com os desafios, estava construindo trilhas para o seu desenvolvimento enquanto Ser Humano. Ao se afastar do mundo político, encontrou o seu propósito e a sua voz, mostrando que, às vezes, seguir o próprio coração é a maior forma de coragem. A luta pela sua identidade o fortaleceu e, ao olhar para trás, ele sabia que cada passo havia respaldado sua decisão. Ele não apenas se tornaria um Professor, mas também um exemplo de que a verdadeira felicidade vem de abraçar o que se ama, independentemente das expectativas dos outros. Com o tempo, se lançou de corpo e alma em sua nova vida como Pedagogo. Ele trabalhou incansavelmente em escolas e projetos comunitários, sempre buscando novas maneiras de trabalhar com as crianças e inspirá-las. Contudo, à medida que sua rotina se tornava mais cheia, algo começou a desaparecer em sua vida: aquela magia que ele tinha com o sol e as cartas que escrevera ao longo dos anos. Aquele menino nunca mais se sentou para escrever uma carta ao sol. O baú onde guardava suas cartas se tornou um objeto esquecido em um canto de seu quarto. Embora ele estivesse feliz com seu novo caminho, havia uma parte dele que sentia falta daquela antiga tradição, daquela comunicação inocente que havia lhe trazido tanto conforto e alegria na infância.
OS SEGREDOS
Certa noite, em uma de suas muitas reflexões, ele decidiu que era hora de reabrir o baú. Com a luz suave de uma lanterna, se sentou no chão e começou a remover os papéis amarelados, um a um. Ele sentiu uma onda de nostalgia ao tocar nas cartas, cada uma delas carregando um pedacinho de sua alma e de suas memórias mais queridas. Finalmente, uma carta em particular chamou sua atenção, aquela que ele havia pintado com as cores primárias, dedicada a Mariazinha. Havia feito a mesma estrutura em duas, a primeira a entregou com carinho ao amigo, Júlio, o que prometera entregar a ela na cidade distante. Não soube do paradeiro, visto que a família de Júlio viajara para aquele lugar e nunca mais manteve correspondência. Ele leu aquela carta com cuidado, as palavras o transportando de volta a um tempo em que o amor infantil era simples e puro. As lembranças da felicidade que sentiu ao empinar pipas com seus amigos e ao sonhar sob a luz do sol inundaram sua mente. Mas, à medida que a leitura prosseguia, lágrimas começaram a escorregar pelo seu rosto. Ele percebeu que havia deixado muito mais para trás do que apenas as cartas. Ele havia se afastado do menino que falava com o sol, daquela criança cheia de sonhos e esperanças. Ao terminar a leitura, se sentiu tomado pela saudade e pela melancolia. Ele havia se esquecido do poder que as palavras e a imaginação tinham em sua vida. A vida que escolhera era importante, mas ele não podia deixar que a magia de sua infância se dissipasse completamente. O sol ainda brilhava, e ele muitas histórias para contar. Com o coração renovado, decidiu que precisava retornar à capital novamente, desta feita não apenas para ser um Pedagogo, mas também para relembrar a si mesmo da importância de sonhar e de se expressar. Na manhã seguinte fez as malas, levando consigo o baú cheio de cartas. Ele partiu com um novo propósito: não só para ser um Professor, mas para ser um Contador de Histórias, um sonhador e um inspirador. Ele se lembrou das palavras que havia escrito em suas cartas ao sol e prometeu a si mesmo que nunca mais deixaria de sonhar. Ao chegar na capital, encontrou formas de incorporar a magia que havia redescoberto em suas aulas. Ele organizou atividades criativas que permitiam que as crianças expressassem seus sentimentos e sonhos, e sempre que possível, falava sobre sua conexão com o sol e a importância de sonhar alto. A cada dia, se sentia mais completo, como se finalmente tivesse encontrado seu lugar no mundo. As cartas para o sol haviam parado, mas agora ele tinha novas histórias para contar e novos sonhos para cultivar. E, enquanto observava as crianças brincando e aprendendo sob o brilho do sol, ele sabia que havia resgatado não apenas sua própria alegria, mas também das crianças, permitindo que elas também sonhassem e acreditassem em sua própria magia. Durante sua jornada, encontrou alegria em cada nova experiência, mas havia uma parte de seu coração que ainda guardava Mariazinha. As lembranças dela o acompanhavam, e ele muitas vezes se perguntava como estaria sua antiga paixão. Certa manhã, enquanto organizava um evento escolar para promover a leitura entre as crianças, uma figura familiar entrou na sala. Era Mariazinha! O tempo parecia ter parado, se sentiu transportado de volta à sua infância, quando os dois passavam horas empinando pipas sob o sol. Mariazinha agora era uma bela jovem, mas seus olhos brilhavam com a mesma luz que ele conhecera. Ela havia se mudado pra capital e o destino a trouxe até ali naquele dia. Aquele menino não podia acreditar que, depois de tanto tempo, eles estavam juntos novamente.
– Juninho! Ela exclamou, com um sorriso que iluminou o ambiente. E continuou: Eu não sabia que você estava aqui! E ele, todo radiante:
– Mariazinha! Que surpresa maravilhosa!
A conversa fluiu naturalmente, como se os anos de separação nunca tivessem existido. Eles compartilharam histórias sobre suas vidas, suas experiências e o que haviam aprendido ao longo dos anos. O menino contou sobre sua paixão pela Pedagogia e como estava dedicado a fazer a diferença na vida das crianças. Mariazinha, por sua vez, revelou que era aluna do Curso de Direito e em breve se formaria Advogada. Não perdeu tempo e foi convidando seu amigo de infância. O coração daquele adulto sentiu que o passado estava se entrelaçando com o presente. Eles relembraram momentos da infância, risadas e as aventuras que viveram juntos. As palavras pareciam formar um laço invisível entre eles, e, à medida que o diálogo fluía, percebeu que o amor que sentia por Mariazinha nunca havia realmente desaparecido. A vida parecia mágica novamente, e ele sabia que havia reencontrado não apenas Mariazinha, mas também o menino que empinava pipas e conversava com o sol. Ele percebeu que a verdadeira felicidade estava em seguir o coração e que a vida, com suas reviravoltas, sempre poderia trazer novas oportunidades de amor e alegria.
Uma curiosidade lhe alimentava, ao ponto de fazer a seguinte pergunta:
– Você recebeu minha carta?
E ela, sorrindo, com o rosto declinado num sinal de sim, confirmou falando:
– Juninho, eu recebi. Júlio me entregou e passei noites e mais noites lendo aquela tão bela carta. Até hoje guardo ela entre sete chaves. Você não sabe a felicidade que me despertou. Depois imaginei que você já havia me esquecido, visto que teria ido para um Convento.
E ele, ao ouvir daquela mulher aquelas palavras, foi dizendo que pensava que Júlio não tinha entregue. Foi explicando pra Mariazinha que não seguiu a carreira de padre, de médico, e sim, estava ali para ser um Professor.
Mariazinha se despediu e falou que iria a festa de formatura, mas antes a convidara para frequentar sua casa na nova residência.
A FESTA
Para celebrar sua conquista, sua família organizou uma grande festa naquele nostálgico engenho. O local estava enfeitado com balões coloridos, bandeirinhas e uma mesa repleta de doces e quitutes que lembravam a infância dele. O som de risadas e música animada ecoava pelo ar, misturando-se ao cheiro do bolo fresco e das guloseimas. Quando o sol começava a se pôr, tingindo o céu com tons de laranja e rosa, Mariazinha chegou, acompanhada por seus pais. O coração daquele jovem disparou ao vê-la. Ela estava radiante, vestida com um lindo vestido florido que a fazia parecer uma verdadeira visão.
— Juninho! Ela exclamou ao avistá-lo, o sorriso dela iluminando o ambiente.
– Mariazinha! Que bom que você veio! Ele respondeu, correndo para abraçá-la. A sensação de tê-la ao seu lado era como voltar ao passado, mas agora com a certeza de que o futuro era promissor. Os pais de Mariazinha também estavam presentes, trazendo a formalidade que a ocasião exigia. O pai dela, um homem sério e respeitado no Estado, cumprimentou aquele jovem com um aceno de cabeça:
– Parabéns, meu rapaz. Ouvi boas coisas sobre você. É um prazer estar aqui para celebrar sua conquista.
A mãe de Mariazinha com o olhar caloroso, disse:
– Estamos tão orgulhosos de você, meu filho. Tenho certeza de que fará grandes coisas na Educação. A festa começou a ganhar vida. As crianças correram para brincar, enquanto os adultos se reuniam para conversar e celebrar. Juninho e Mariazinha se afastaram um pouco da agitação, encontrando um cantinho tranquilo sob uma árvore frondosa.
– Estou tão feliz por você. Você se dedicou muito e merece tudo isso. Palavras de Mariazinha, olhando nos olhos dele com ternura.
E aquela criança do passado, já de barba no rosto, simplesmente dizia:
– Obrigado, Mariazinha. Sua presença torna tudo ainda mais especial. Não poderia ter feito isso sem o apoio de todos, especialmente de você. Ele respondeu, sentindo um calor no coração. Os dois passaram a compartilhar seus sonhos para o futuro, falando sobre como poderiam trabalhar juntos e fazer a diferença na vida das crianças. A relação entre eles era forte e a paixão se refletia em cada palavra que trocavam. Ao longo da noite, houve danças, brincadeiras e discursos emocionantes. Num discurso de agradecimento, lembrou de sua trajetória e das pessoas que o apoiaram, mas, acima de tudo, agradecendo à sua mãe por sempre estar ao seu lado. A emoção no olhar de Mariazinha fez seu coração palpitar. A festa continuou até tarde, com música e dança. Ele havia conquistado seu sonho e, ao lado de Mariazinha, estava pronto para embarcar em novas aventuras. Naquela noite mágica, sob o brilho das estrelas, ele percebeu que o Amor que ambos sentiam era o destino cravado na história dos dois. Enquanto a festa se desenrolava, pediu um momento à banda que executava lindas canções para anunciar um pedido de noivado, tirou do bolso do paletó dois pares de aliança e firmaram o compromisso de serem pipas voando cada vez mais em direção ao sol.
Os pais de ambos os noivos, neste momento firmaram um compromisso de participarem desta união, da melhor forma possível sem interferência.
Findada a festa houve muitos abraços, beijos e a despedida comprometida com a ida de Juninho e capital para o encontro com sua noiva. E assim, entre encontros e desencontros, essa situação durou um ano. Sucessivamente à formatura dele, houve a de Mariazinha, uma festa triunfante com sede na casa da noiva, onde familiares, parentes e amigos se encontraram. Para a surpresa do casal, surge na festa aquele amigo de infância, o rapaz Júlio, que havia sido convidado por Mariazinha sem que seu noivo soubesse. Foi uma alegria em que foram debatidos temas, tais quais: o sumiço dele, o que ele fez, por que não deu notícia da carta que ficou de entregar a Mariazinha, muita conversa rolou a noite. Júlio havia se formado em Administração em outro país, sua esposa, Guiomar, simpática foi dizendo que seu esposo nunca esqueceu de sua infância, das brincadeiras com eles dois, numa profunda nostalgia.
As amizades do passado invadiram a privacidade daquela festividade e num determinado momento o mestre de cerimônia anunciou para todos a presença daquele trio e chamou a jovem formanda para propagar seu discurso.
Numa dessas palavras ofertadas, a jovem deixou a todos boquiabertos ao anunciar que no final do ano se casaria com Juninho. Aplausos foram ouvidos e a música deu continuidade com aquele casal dançando valsa naquele salão que se tornara pequeno pra tanta contemplação.
O CASAMENTO
O grande dia chegou, e o sol brilhava intensamente no céu azul, como se estivesse abençoando o amor de Juninho e Mariazinha. Toda a cidade estava em festa, afinal, os dois eram muito queridos e respeitados. A cerimônia estava marcada para acontecer ao ar livre, em um jardim florido, cheio de girassóis, margaridas e rosas, que eram as flores preferidas de Mariazinha.
Juninho estava nervoso, ajustando o terno preto que vestia especialmente para o seu casamento.
Enquanto isso, Mariazinha estava deslumbrante em seu vestido branco. Seus familiares, parentes e amigos a rodeavam, ajudando com os últimos retoques. Ela segurava um buquê de margaridas e, no fundo do coração, sentia-se grata por estar prestes a se unir ao seu melhor amigo, o amor de toda uma vida.
Quando a música começou a tocar, todos os convidados ficaram em silêncio, esperando ansiosamente o momento em que Mariazinha apareceria. Ela entrou caminhando pelo corredor, e Juninho sentiu uma emoção tão grande que seus olhos se encheram de lágrimas. Ele nunca havia se sentido tão feliz. Mariazinha sorria enquanto caminhava, e quando seus olhos encontraram os de Juninho, parecia que nada mais existia ao redor deles.
Após as palavras do padre e as trocas de votos e a confirmação de aceitação de ambos, os aplausos explodiram entre os convidados.
dentre todos eles, Júlio era o mais animado, um eterno fã daquela amizade de infância, ao lado da esposa fala a maior folia.
Beethoven Amadeu Ismael Júnior e Maria da Glória Lima Ismael , agora esposo e esposa, se beijaram sob uma chuva de pétalas e risos. Eles dançaram, riram, e celebraram ao lado de todos que amavam, e a festa durou até o anoitecer.
O menino Amadeu, filho do seu filho derradeiro, foi dizendo que seu avô podia publicar aquele livro e que as pessoas daquela redondeza deviam ter a noção desse amor. E os outros netos também, atentos aquela história. Aquelas afirmações do neto deixava aquele senhor Beethoven repleto de felicidade, pois nunca conseguira dizer a sua proposta aos grandes, e sim, estava diante daqueles pequenos.
– Meninos, calma. Tenho que terminar porque eu já estou querendo tomar aquele café nessa tarde bonita e sei que vocês querem também!
Deu continuidade dizendo que naquele dia, Juninho e Mariazinha não apenas realizaram o sonho de se casar, mas também começaram uma nova fase, unidos por um amor que resistiu ao tempo e às mudanças da vida. E enquanto dançavam sob as estrelas, sabiam que estariam sempre lado a lado, vivendo juntos cada novo capítulo que a vida lhes reservasse.
No outro dia, ao nascer do sol, lá estavam aqueles jovens no engenho recordando as crianças que foram, empinando pipas e sorrindo, como a lembrar daqueles belos tempos de saudade e contentamento. Os moradores participaram desta brincadeira, colorindo o céu e desejando bênçãos aquele amor de infância que se tornara eterno.
Quando menos se espera, surge Ambrósio e Luiza, primo e prima que assumiram o romance e fizeram questão de participar daquele instante de recordação.
– Aquele prêmio que Ambrósio ganhou... vocês se lembram?
Os netos respondem: – Sim. O que ele botou na sua pipa?
E seu Beethoven reafirmou: – Sim. Não guardei mágoa nenhuma!
Aquele prêmio que Ambrósio havia ganho de forma irregular, entregou a Juninho e pediu perdão por aquilo tudo, e disse: – Ciúme, meu amigo, ciúme!
Os dois se abraçaram e assim sucessivamente: Luiza, Mariazinha, Júlio e Guiomar. Um evento de reencontro e afetividade.
Seu Beethoven, como era de práxis, reunia com seus netos e promovia na bagaceira, do engenho, ainda em funcionamento, festivais de pipas e era uma das diversões prediletas da família.
E nessas histórias contadas para um público infantil, as indagações às vezes deixam o narrador sem resposta, vejamos: O neto Carlinhos perguntou:
– Vô, o que foi que o senhor sentiu quando viu de novo a Luiza?
Seu Beethoven ficou vermelho, sem jeito e simplesmente:
– Cuidado pra sua avó não ouvir isso! Todos deram grandes gargalhadas.
– Juninho, trás os meninos que o café está na mesa! Era a voz de Mariazinha ecoando naquela casa.
– Estão ouvindo? É sua avó chamando... Estamos indo, Mariazinha!
Onde houver pipas voando num céu dourado pelo sol, haverá também o encanto do amor e o reencontro de amizades que dançam ao sabor do vento.
Essa história foi primeiramente escrita na cidade de
PILÕES-PB, NOVEMBRO A DEZEMBRO DE 1986.
Datilografada no mês de fevereiro de 1987, e digitada a partir do mês de setembro de 2007, vinte anos depois.
JOÃO PESSOA-PB, OUTUBRO/2024.
BIOGRAFIA
Bento Júnior, pseudônimo de BENTO CARVALHO DE LIMA FILHO, Professor, Poeta, Teatrólogo e Cordelista, nasceu em João Pessoa-PB, em 28 de fevereiro de 1961, filho de Bento Carvalho (em memória) e Vitória Carvalho. Casado com Norma Dias, pai de Carolina, Camila e Catarina. Formado em Educação Artística, é Especialista em Crítica Teatral e tem Mestrado no Trabalho Teatral com Adolescentes, ambos pela UFPB – Universidade Federal da Paraíba. Tem no seu currículo o fazer teatral desde o tempo de menino, morador do bairro do Castelo Branco, onde na década de 80, através de um espetáculo de rua, Circo sem Pano, apresentava em praças, ruas, paradas de ônibus, associações, clubes e teatros tradicionais da cidade, essencialmente com segmentos de teatro de rua.
Bento Júnior já atuou em diversos espetáculos paraibanos, Circo Sem Pano, No Amor Somos Todos Reacionários, A Cabeça da Santa, Cabaré de Suzana, Os Meninos da Minha Rua, O Sapateiro do Rei, A Volta do Marido Pródigo, Auto da Compadecida, O Camelô Aloprado, Zumbi dos Palmares, Ser Humano e tantos outros. Teve enquanto diretores: Nilson Condé, Tarcísio Pereira, João Costa, Geraldo Jorge, Tarcísio Pereira, Alarico Correia Neto, Anunciada Fernandes, Ednaldo do Egypto, Elpídio Navarro, Maurício Germano e outros. Do ponto de vista cênico, Bento Júnior recebeu influência de pessoas como Fernando Teixeira, Ariano Suassuna, Fernando Abath, Margarida Cardoso, Adalice Costa, Everaldo Vasconcelos, Antônio Cadengue, Ingrid Koudela, Leonardo Nóbrega, Roberto Cartaxo, Geraldo Jorge, Tarcísio Pereira, João Cabral de Melo Neto, Alarico Correia Neto, Rachel de Queiroz, Elpídio Navarro, Amir Haddad e outros.
Em 1987, idealiza o Festival de Teatro Comunitário, que inicialmente teve patrocínio do SESC/PB, festival este que revelou grandes nomes e talentos para o teatro paraibano, evidenciando o teatro realizado pelas comunidades periféricas da grande João Pessoa. Em seguida funda dentro da UFPB, no Departamento de Artes, um grupo de teatro – o Prefácio, e com vários estudantes universitários, dos cursos de Medicina, Letras, Jornalismo, Odontologia e Artes, cria o espetáculo Prefaciando Augusto, já em 1989, no Dia de Finados, o grupo se apresenta em pleno Cemitério Senhor da Boa Sentença, em João Pessoa/PB, causando um grande debate acerca deste movimento. Sem perder de vista o grande valor dado às artes cênicas por Bento Júnior, o mesmo na condição de professor de arte, sempre se preocupou em formar novos valores teatrais e em 1991, no dia 12 de dezembro, funda o Grupo de Teatro Circo Sem Pano, uma homenagem ao seu primeiro espetáculo de rua, Circo Sem Pano, montado pelo Grupo de Teatro Boca de Forno da cidade de João Pessoa-PB. Por este grupo já passaram grandes valores do teatro; é uma escola de novos talentos e desde então vem montando espetáculos, sejam eles de sua autoria ou de autores brasileiros, mais em evidência, os nordestinos.
Em 2003, Bento Júnior foi Assistente de Direção da Paixão de Cristo, montado pela Prefeitura de João Pessoa, tendo enquanto diretor Everaldo Vasconcelos, com os atores globais: Dado Dolabella e Eliane Giardini, além da cantora paraibana Elba Ramalho. Vários espetáculos já foram montados, desde Molecagem (1991) até Auto da Compadecida (2000). Além de teatrólogo, Bento Júnior é poeta, com vários poemas já elaborados, prontos para lançamento. Bento Júnior recebeu das mãos do próprio Ariano Suassuna, a liberação para adaptar e montar o espetáculo teatral – Auto da Compadecida, pelo Grupo de Teatro Circo Sem Pano, onde o mesmo além de dirigir também é ator. Também enveredou pelo Cordel Brasileiro, tendo uma ampla produção, com cerca de mais de 500 folhetos, sendo membro da Academia de Cordel do Vale do Paraíba, ocupando a Cadeira 31, do cordelista Francisco Sales Arêda. A sua produção em cordel abrange os mais variados temas, com mais ênfase nos de gênero cômico, ou seja, os de gracejo. Já recebeu várias premiações em festivais e concurso pelo Brasil afora. Seus trabalhos teatrais sempre estão focados no cordel, base sólida para a maioria da sua dramaturgia e das encenações em palcos tradicionais de teatro e espaços alternativos, como por exemplo dentro das Escolas Públicas da cidade de João Pessoa.
Para o ano de 2024, a sua produção em cordel está quase que relacionada as lendas das cidades paraibanas, e para o teatro estreia pelo Grupo de Teatro Circo Sem Pano, o espetáculo – O Auto dos Cangaceiros, nos primeiros meses de 2025.