Cuidando do meu irmão

Se o tempo é como um rio, ele escorre por margens incertas, feitas de ausências e destroços.

E eu, coitado de mim, sou apenas um farelo na correnteza, preso entre os ramos caídos, flutuando em pedaços.

Minha infância, essa terra distante, volta de mansinho, trazendo os ares de um ontem esquecido, um ontem desbotado pelo sol.

Lembro-me do cheiro da terra que só despertava com a chuva. Junto dela, iamos eu e meu irmão nos molhar na rua.

A tempestade de verão era mãe da terra, fazendo-a renascer com cada gota que caía. Não era apenas as ruas que a enxurrada limpava. Ela também carregava nossos barcos de papel, frágeis dobraduras navegando pelos mares de uma infância inventada.

Com os pés descalços, eu corria, misturando-me ao barro, como se a terra me quisesse de volta ao seu ventre. Naquele tempo, eu e a terra éramos uma coisa só. Ser terra era ser eterno, era não ter medo do fim.

E meu irmão, pobrezinho, ficava para trás. Com medo. Medo de que meus pés corressem para longe e o deixassem sozinho, medo de que, sem mim, a correnteza o levasse para sempre.

Seus olhos chorosos imploravam para que eu não o abandonasse, como se o mundo fosse desabar se eu me afastasse demais. E talvez ele tivesse razão — às vezes, a vida desaba não pelo silêncio de um olhar que deixamos de alcançar.

Com medo por ele, eu sempre voltava para buscar meu irmão.

Mozart Sávio
Enviado por Mozart Sávio em 15/10/2024
Reeditado em 17/10/2024
Código do texto: T8173736
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