O Bicho da Seda
O Bicho da Seda
Em Gália, minha família trabalhava principalmente com plantação de algodão e milho. Então, em 1940, os japoneses chegaram nessa região central do Estado de São Paulo. Toshio, Issaó e Itishe começaram a produção de casulos no município. A terra já estava fraca para outras culturas, mas era boa para a plantação de amoreiras. Os japoneses incentivaram e ensinaram as famílias locais a produzir casulos. Lá trabalhavam minha tia Laurinda, minha mãe Antônia, o tio Ernesto, o tio Antônio, o tio Renato (criança ainda) e o avô Domingos. Faziam turnos de no mínimo três pessoas. Os serviços eram: cuidar da plantação de amora, carpir (carpideira com cavalo), podar, cortar as folhas e os galhos, transportar os galhos da roça, guardá-los na "chocadeira" para não murchar. A chocadeira era subterrânea: um buraco cavado como uma caverna. Duzentos gramas de ovos davam 200kg de casulos, em dinheiro, mais ou menos 200 mil réis a mil réis o quilo. Usavam Lisoforme em galão para desinfetar o rancho e proteger as mesas de outros insetos e formigas. Os bichos doentes eram queimados ou enterrados para evitar contaminação. Folhas de jornais velhos eram usados para forrar as mesas de criação. No frio os bichos não sobrevivem, nem em calor excessivo. A temperatura ideal devia ficar mais ou menos a 22 graus Celsius. A produção era feita de maio a outubro com o clima mais ameno. A temperatura era controlada pela colocação ou remoção de esteiras. As esteiras eram armações de varas e sapé encaixadas nos mourões e penduradas em ganchos. Três esteiras em cada vão. As esteiras protegiam o rancho dos pássaros, ventos, calor ou frio. O rancho era construído de pau redondo de 60 metros de comprimmento por 10 metros de largura, coberto de sapé. Dentro, duas mesas de 56m x 2m com corredores laterais e no meio para o serviço de alimentação dos bichos.
Minha mãe era responsável pela chocadeira e tinha que tomar banho e por roupa limpa antes de cuidar dos bichos. O envelope com os ovos vinha pelo correio com instruções. Vinham numa pequena caixa com os ovos prontos para nascer. A caixa era colocada na prateleira na chocadeira. Os minúsculos vermes atravessavam os furos como os de uma gaze e eram alimentados com folhas novas de amora picada – minha mãe chamava “couve”. O alimento era posto sobre a telinha, um montículo no meio da telinha e imediatamente os bichos começavam a devorar a couve e ficavam por cima do montículo, depois eram colocados sobre os tabuleiros e estes distribuídos pelas prateleiras na chocadeira. Nasciam em lotes e havia então o lote do 1º dia, do 2º dia, etc. Tudo tinha que ser muito bem controlado. Dormiam 4 dias e 4 noites. A amora era plantada em três diferentes épocas – espaçamento de 2 meses. Dois alqueires de amora alimentavam um rancho de 60m x 10m. Quando os bichos acordavam da primeira dormida eram alimentados com galhos tenros de amora. Depois da segunda dormida os tabuleiros eram transferidos para as mesas no rancho. A alimentação era feita de duas em duas horas, dia e noite. Os galhos com as folhas eram colocados dois palmos longe das beiradas da mesa para evitar a queda e a perda de bichos. A mesa ia ficando cada vez mais alta de galhos. No quadragésimo dia, os bichos estavam prontos para encasular. Eles ficavam por cima de toda a galhada com as cabeças para o alto. Então preparava-se os bosques feitos de arame trançado e sapé seco como se fosse uma guirlanda. Os bosques eram pendurados por cordões de dois em dois metros e baixados sobre a cama de galhos. Os bichos entravam nos bosques e esses eram içados e formavam um emaranhado de fios e começavam a fazer os casulos. Oito dias e todos estavam encerrados em seus casulos. Era hora de colher os casulos dos bosques com um pente de madeira e um balaio. Os casulos eram então levados para o beneficiamento e imediatamente mergulhados em água fervente para matar os bichos. Não poderia haver atrasos ou os bichos sairiam da fase de crisálida para borboleta, danificariam o fio de seda dos casulos e perderiam o valor comercial. E foi assim que entre bichos da seda, casulos e folhas de amora eu vim à luz.