Milho com cobra

Era uma vez, nas montanhas serenas de Minas Gerais, um pequeno pedaço de paraíso chamado Macuco, onde nasci há 88 anos. Me chamo Ivone, e cresci em uma fazenda que parecia saída de um conto de fadas, cercada por montanhas verdes e campos dourados de milho, feijão e arroz.

Meus pais, trabalhadores incansáveis, plantavam com carinho cada grão que alimentava nossa família. O milho era a joia da nossa colheita. Plantado em fileiras bem alinhadas, ele se erguia alto e orgulhoso, aguardando o momento certo para ser transformado nas delícias que nos enchiam de alegria: pamonha, curau, bolo de milho verde... Ah, só de pensar já sinto o cheiro doce e aconchegante invadindo o ar da nossa cozinha simples, mas sempre acolhedora.

Eu e meus três irmãos tínhamos uma relação especial com o milho. Quando o sol estava quente e as espigas começavam a secar, era hora de colher. Todos nós corríamos para o campo, ansiosos para "ajudar". Claro, nossa ajuda era mais uma desculpa para brincar e fazer bagunça. Subíamos nos balaios cheios de espigas, e quando o carro de boi chegava para levar a colheita ao paiol, lá estávamos nós, em cima da carga, rindo e gritando como se fôssemos donos do mundo.

Naquela época, a vida era simples, e nossas preocupações eram tão leves quanto as palhas do milho voando ao vento. Mas houve um dia em que a simplicidade se misturou com uma pitada de aventura – ou melhor, de perigo.

Tudo começou como de costume: o carro de boi cheio até o topo, nós em cima, balançando os pés no ar, sentindo a brisa e o cheiro do milho fresco. Quando chegamos ao paiol, ajudamos a despejar a carga, o que sempre parecia uma grande conquista para nós, pequenos agricultores em treinamento.

Mas naquele dia, ao invés de encontrar apenas espigas secas, nos deparamos com algo muito menos convidativo: uma jararaca! Sim, uma cobra mortal, enroscada no meio do milho onde minutos antes estávamos sentados, inocentes e alheios ao perigo.

Lembro-me como se fosse ontem do grito da minha mãe. Nunca a vi tão brava. Ela correu, pegou cada um de nós e nos colocou longe, muito longe do paiol. O rosto dela estava vermelho de raiva e preocupação, e meu pai, normalmente calmo e brincalhão, ficou quieto, com um olhar que misturava culpa e alívio.

"Você podia ter matado nossos filhos!", ela exclamou, o que fez até a cobra parecer pequena diante da fúria materna. E meu pai, com a cabeça baixa, aceitou a bronca como um boi manso aceitaria a canga. Ele sabia que naquele dia, por pouco, a nossa história poderia ter tomado um rumo bem diferente.

Apesar do susto, continuamos amando a colheita do milho. Talvez porque, para nós, crianças, a emoção de subir no carro de boi e fazer aquela algazarra no caminho de volta era simplesmente irresistível. Ou talvez porque, no fundo, sabíamos que a vida na fazenda, com todos os seus perigos, era também cheia de momentos de pura alegria e liberdade.

Hoje, ao lembrar daqueles tempos, sinto uma saudade imensa. Saudade das risadas, da comida gostosa, e até das broncas da minha mãe. A vida em Macuco não era fácil, mas era nossa, e cada aventura – mesmo as que envolviam cobras – fazia parte de um tempo que guardo com carinho no coração.

Ah, como era bom ser criança naquelas montanhas...