Foto que não fiz

     Goiás Velho, 1984. Domingo de trabalho para a turma de Fotografia, da professora Luíza Venturelli, da Universidade de Brasília, minha querida UnB. As fotos - em branco e preto - de boa qualidade seriam publicadas no jornal "Campus", do Departamento de Comunicação, do qual Luíza era editora. Além disso, haveria exposição das melhores e valia nota. Os alunos entram no ônibus, partiu Goiás Velho.

     Algumas horas depois, já na "Ouro Preto goiana", Luíza passa as diretrizes:

     - Saiam em duplas pela cidade, fotografem o que quiserem, usem a imaginação. A volta para Brasília é às 17 horas. Aproveitem bem a cota de filme que têm. Boa sorte, disse Luíza. 

     Perambulamos com gosto pelas ladeiras. Eu estou acostumado: Pitangui, minha terra natal,  é páreo duro nesse quesito. Fotografamos o casario colonial, igrejas, capelas, a casa de Cora Coralina, a Cruz de Anhanguera. Não falta gente curiosa nos passeios, janelas e portas: os barulhentos forasteiros são a atração dominical. Para nós,  tudo é motivo de um clique ...

     No meio do caminho, ao dobrar uma esquina, meu parceiro e eu vemos a configuração de uma sequência bonita de fotos: um homem de idade, solitário, de paletó, calça e guarda-sol pretos, desce a ladeira em nossa direção. Tiramos algumas fotos, à medida que nos aproximamos do alvo. Tudo está a nosso favor: à esquerda um enorme muro colonial, casas brancas, janelas e portas azuis. Um monte de lenha bloqueia o passeio mais embaixo. 

      A câmera se apronta, os clics mais importantes serão antes de ele descer da calçada para se desviar do monte de lenha. Aguardo o ângulo, a luz do sol, lembrei-me do final do poema que fiz nessa época sobre fotógrafos: "à espera do clic certeiro, que não mata, imortaliza".

     Ao chegar perto do monte de lenha, ele desce do passeio e leva um tombo. O parceiro diz tira foto, tira foto, tira... e o pobre caído, guarda-sol estropiado... Me descontrolo: continuo tirando fotos ou socorro o senhorzinho? O colega pressiona: tira foto, tira foto...

     Não tirei. Não quis me aproveitar da desgraça alheia. Já tínhamos fotos suficientes de sua descida na ladeira.  Corremos para ver se tinha se machucado. Nada sério, só um rasgão na calça e um ferimento superficial num dos joelhos. Levantou-se rápidamente e nem olhou para as testemunhas daquele vexame público.

     De tarde, dissemos adeus a Goiás Velho. Meu parceiro, que já tinha gastado seu filme, não se conformava: aquela foto, dizia, seria com certeza publicada e nos aprovaria. Pergunto se você, Leitor, teria se aproveitado aquele tombo?

 

Nota 01: Luiza Venturelli é fotojornalista e professora. Foi membro da primeira diretoria da União de Fotógrafos de Brasília. Trabalhou como professora do Departamento de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), onde foi editora de fotografia do Jornal Campus da Faculdade de Comunicação e desenvolveu extensa pesquisa sobre a fotografia em preto e branco.

Nota 02: Não mencionei o nome do colega com quem fiz dupla para não "incriminá-lo". É gente boa.