SE LIGUE!

Antes de entrar no assunto principal, um preâmbulo se faz necessário para eu dizer que a minha mãe foi uma pessoa extremamente destemida, não temia NADA e nem NINGUÉM! E se temia, dava um jeito de esconder o medo. Desastrosamente não herdei sua determinação e coragem, mas meu signo de câncer me ajuda a dar uns "coices" por aí. O fato que irei narrar, foi inspirado numa fotografia da Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em minha terra natal, Barcelona, no Rio Grande Sem Norte:

Esta é a igreja católica de "Bacelona". Foi onde fui batizado, poucos dias depois de meu nascimento, em julho de 1961, pelo padre Pereira. Naquele dia um casal da elite local também batizou um de seus filhos. Hoje eu estava olhado para minha mãe. Está velha, acabada, adoentada e já ficando impotente, sem forças. Sinto uma tristeza danada em vê-la assim. Uma pessoa de muita ação, destemida, que enfrentou o satanás em pessoa, que lhe entregou um pão, por ele amassado, e a fez comer. Mas ela nunca abriu mão de suas péssimas escolhas - embora tenha pagado alto preço. Agora vou contar um "milagre", mas omitir os nomes de alguns "santos". Não faz muito tempo, eu estava no Centro Comercial do Alecrim quando vi um homem velho, pele branca, queimada pelo sol, careca, banguela, olhos verdes. Sem que me visse, olhei admirando que, apesar do desgaste do carrasco tempo, ainda guardava traços de beleza. Pois bem, seu nome é Kleber. Quando chegou a "Bacelona", no começo dos anos de 1960, dirigindo o misto de seu Juvino Guilherme, algumas mulheres da cidade quase "barreram a quenga" por causa dele. Era um jovem muito bonito. Aqueles olhos sedutores fizeram algumas sonhar acordadas - incluindo algumas "senhoras" casadas. Kleber fazia suas refeições em minha casa, onde mamãe tinha seu "Café" (restaurante). O homem era muito educado, respeitador, mas com a carne fraca e o espírito safado. E não contou conversa, quem se oferecia, ele "traçava". "Bacelona", naquela época, era uma cidadezinha parecida com o "jogo da velha": duas ruas cruzadas por outras duas e uma igreja no meio. Todo mundo se conhecia. Todo mundo! Até os cachorros se conheciam. Mamãe era tida como "mãe solteira". Aquela condição era motivo de uma certa discriminação e preconceito, embora houvesse muita gente de bem que gostava dela e a respeitava. Mas também havia mulheres que viviam de olho e não perdiam uma chance de alfinetá-la. É a tal estória: "Em cidade pequena, a língua do povo é enorme". Enfim, um dia Kleber chegou de Natal e foi direto jantar no Café de mamãe. Quando o homem começou a comer, alguém lhe entregou um envelope de carta. Ele jantou lendo a missiva e, ao término, rasgou-a ao meio, fez uma bolota, e pediu para mamãe queimar no fogão. Dizem que a mulher enganou o diabo... Ela botou outro papel no fogo (para que o cheiro de queimado fosse sentido lá fora) e guardou a carta. Foi um grave erro, pois a correspondência teve seu sigilo quebrado, mas ela entendeu que precisava cometer aquele "delito". Mais tarde, leu o conteúdo: era da mãe daquele garotinho que fora batizado comigo. A mulher, depois de uma "ficada", estava loucamente apaixonada pelo motorista do misto, elogiava o homem do pé a cabeça e dizia que ele a tinha feito se sentir verdadeiramente mulher. Havia muita saudade e planos para mais encontros. Duas folhas de papel semitransparente traziam marcas de sua caligrafia. Dias depois, para desgraça de minha vida, um soldado de polícia veio transferido para a nossa cidade, e aí foi a vez de mamãe se apaixonar. O marido daquela mulher da carta ao motorista, que morava e tinha um comércio na nossa rua (e nunca soubemos a verdadeira razão), pegou seu jipe e, viajando nove quilômetros e meio, foi ter com o meu avô, só para "enredar" que mamãe estava se envolvendo com o policial - que até já havia dormido lá em casa. Meu avô era um homem muito sério. Uma palavra sua valia mais que uma assinatura registrada em cartório. Cuidara da filha (a pedido de Teófilo Lopes e Rainel Pereira, líderes políticos da região), depois de ela ter cometido um "erro" em 1957, não suportaria outra decepção. Aquela notícia foi como uma punhalada nele. Eu não sei como, mamãe ficou sabendo do acontecido. À tardinha do mesmo dia, ela me pegou pela mão e foi no estabelecimento daquele homem do jipe. Eu tinha pouco mais de três anos. Estava com um calçãozinho de xadrez (parece-me que eu tinha uma coleção), a camisa do mesmo tecido. No estabelecimento estavam, além do dono, três clientes. E foi assim:

- Boa tarde "fulano"!

- Boa tarde Teresinha. "Quéquimanda"?

- Estou lhe devendo quanto, "fulano"?

- Que eu saiba, nada, Teresinha.

- Me dê uma olhada aí no seu caderno de anotações.

- Não, aqui não há nada no seu nome!

- Então, com qual direito você se abalou daqui de seu comércio, e foi falar mal de mim para meu pai? Olhe, vá cuidar de sua mulher, que anda "dando" para o motorista do misto. Esta carta fica aqui com você, leia!

Chico Potengy.

Em tempo: este fato aconteceu em janeiro de 1965, dois dias antes de sairmos apressados de Barcelona. História que eu narro no texto “A 'Sopa' de Zeca”.

Texto de 10 de abril de 2016.

chico potengy
Enviado por chico potengy em 31/08/2024
Reeditado em 31/08/2024
Código do texto: T8141133
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