TRINTA DE AGOSTO
TRINTA DE AGOSTO
É sabido que Narciso ama o seu reflexo.
É preciso que haja o outro para que Narciso se possa ver
nos olhos do outro.
É essa pessoa — o espelho de Narciso,
aquela que espelha a face de Narciso —
que sofre a impossibilidade de ser amada
ao mesmo tempo em que é mantida
ao alcance dos olhos
para Narciso se mirar
Narciso não ama seu espelho,
visto que apenas um objeto.
Narciso ama sua própria imagem
refletida no espelho.
Acontece que o espelho de Narciso
não é de vidro, sim dois olhos
que espelham mais do que o que veem;
espelham também o que sentem.
Mas isso, por vezes, distorce a imagem de Narciso.
Quanto mais velho o espelho, mais opaco reflete.
Se Narciso se olhar no espelho
e se ver feio,
Ele não vai pensar que a realidade é aquela.
Não. Jamais se verá feio, embora o outro o veja.
Narciso vai desconfiar do reflexo que o espelho dá.
Narciso vai quebrar o espelho
e arranjar outro.
Betim - 2024