A SENHA
No último dia 07 do corrente, passando neste trecho da Av. Governador Dinarte Mariz (1903-1984) – mundialmente conhecida como “Via Costeira” -, me lembrou de um acontecido, há 35 anos, quando estava no Exército, no período de recruta (que dura em média 6 meses). Aquele dia acordamos todos às 4 da manhã para seguir para Capim Macio, ao campo de instrução onde passamos uma semana. Mas antes, caro leitor, imagine a Av. Engenheiro Roberto Freire (na época chamada de Estrada de Ponta Negra - mão dupla e de paralelepípedos, trafegando um carro a cada meia hora...) com apenas cinco casas ao longo de seus pouco mais de quatro quilômetros... Sim, as casas não passavam de cinco: uma na esquina da Estrada do Jiqui (atual Av. Ayrton Sena), outra na esquina da atual Rua Neuza Farache. Outra casa na esquina da atual Missionário Joel Carlson. Depois mais um na esquina da atual Historiador Francisco Fausto. Dalí só no recém-inaugurado Conjunto Ponta Negro. Lá abaixo, próximo da praia, “meia dúzia” de poucas casas de veraneio e, mais a frente, a Vila de Ponta Negra. Entre as atuais ruas Ênico Monteiro e Abraham Tahim (bem lá no alto, entre as duas ruas) havia uma grande e “aconchegante” mansão – que funcionava com o bonito nome de “Relax for Man”. Só! Ou seja: Capim Macio era um lugar de mato de um lado e outro. Por isso o Exército usava aquela área para treinos. Como já escrevi antes, eu era cassineiro do Cassino dos Oficiais e aquela manhã, com todos os oficiais tomando seu desjejum dentro da unidade, foi àquela correria. Eu era o garçom apenas do Coronel Moreira, mas tive que servir aos outros do seu Estado Maior. O cozinheiro, soldado Paulo, estava, literalmente, “se virando nos trinta”. Por isso me pediu para ajudá-lo a fritar ovos. Na correria a vasilha pegou fogo. Por falta de experiência soprei tentando apagá-lo. O óleo quente salpicou criando muitas bolhas no meu rosto. Assim mesmo viajei para o acampamento no “reo” da intendência com todos os víveres. Ao chegar fui enviado para a “Trilha” (não lembro como era chamado aquilo. Só lembro que não foi fácil percorrer toda aquela vereda cheia de perigosos obstáculos, esperando um “comunista” a cada touceira de mato., e atensão era muito grande). Estávamos no alto bem no ponto alto que mostra essa primeira fotografia. Mas, de onde estávamos, não víamos o mar. A construção da avenida ainda não havia chegado ali. Era só dunas e falésias. Um frio de lascar e mosquitos que não acabavam mais. Esses bichos, loucos por ferimentos, me atacaram sem piedade. Estávamos todos em forma com todo equipamento de Campanha esperando ordens, e não podíamos nos mover. Mas tive que tentar fazer com que os insetos ficassem longe do meu rosto que ardia muito, com bolhas já estouradas. O 1º tenente Megali (ou Megalli, ou Megale, não lembro como era a grafia), oficial artilheiro da 1ª Bateria de Obuses, foi quem nos “recepcionou” no campo. Ele viu quando “troquei tapa” com um mosquito. Aproximou-se, leu meu nome na jaqueta verde-oliva e ordenou:
- Soldado César, está vendo lá abaixo? Vá lá e me traga um punhado de areia molhada. Também quero seus coturnos molhados. Tem cinco minutos. Vá!
“Cinco minutos” eu usei descendo na carreira, como se mil demônios corressem atrás de mim. Creio ter sido a maior carreira que dei na vida. Só quem serviu sabe o que é correr com todo seu equipamento às costas e um FAL (Fuzil Automático Leve) nas mãos... Fiz todo esse trajeto, das fotografias, correndo e pulando. Quando alcancei a onda do mar todos os meus órgãos internos estavam querendo sair por minha boca. E todos ao mesmo tempo. Estava exausto. Subi as dunas à duras penas. Demorei tanto que perdi minha vez de fazer a “trilha”, pois a sequência era do 501 ao 559. E eu era o soldado 509. Mostrei a areia ao oficial, gemendo de dor e cansaço. Ele recebeu o punhado de areia e perguntou:
- Qual é a senha, soldado?
Precisava de uma “senha” para fazer o percurso, mas eu não havia recebido. Fora dada na minha ausência. Ele disse que me “venderia” a senha se eu fizesse dez flexões. Eu mal podia estar em pé. Meu corpo tremia como uma vara verde. Deitei no chão e cai. Meu rosto ficou cheio da areia da duna, contudo, fiz o que pude. Um soldado antigo acompanhou a contagem. Ao termino recebi a “senha”. Um sargento mandou eu me reapresentar ao oficial. Outra vez ele perguntou a “senha”. Eu não me lembrava de jeito nenhum. Ele disse que me “venderia” a senha por mais dez flexões. Não sei como consegui, mas até hoje me lembro da maldita “senha”, que dizia:
- Fomos invadidos pela Esboslávia. Viva o general Cracov!
Texto de 24 de julho de 2015.💣🌵