O Minibar
Um dia, na escola católica onde estudei,
a diretora, uma Irmã polonesa,
trajando seu hábito azul-marinho,
e usando seus óculos redondos,
com aro dourado igual aos seus cabelos,
entrou de repente na minha sala e disse:
“Bom dia, alunos da Quarta Dália.”
Ao que respondemos em coro: “Bom dia, diretora.”
E ela continuou: “Como alguns de vocês já sabem,
uma de suas amiguinhas, amada por todos nós,
estava internada há algumas semanas
porque estava muito, muito doente...
E, infelizmente, ela não resistiu ao tratamento
e faleceu na madrugada de hoje.
Portanto, hoje e amanhã não haverá aula,
para que quem quiser possa ir ao velório e ao enterro.
Guardem seus materiais, pois faremos uma oração,
e, depois, vocês poderão ir para casa ou, se quiserem,
poderão ir ao velório, que já começou.
A professora fará uma corda humana
com os alunos que quiserem ir,
para que nenhum se perca no caminho.”
Ela então voltou-se à dita e cochichou algo,
enquanto nós, cabisbaixos e comportadamente,
guardávamos os nossos materiais.
Enquanto esperava as ordens da diretora,
fiquei pensando se eu conhecia a menina.
Eu sabia que ela não era da minha turma,
pois nenhuma das meninas faltava há semanas.
Perguntei, bem baixinho, a um colega: “Você conhecia?”
Mas ele me respondeu que não.
Após fazermos a oração na capela da escola,
regidos pela diretora diante do altar,
fomos ao velório em fila indiana,
guiados pela professora na ponta da corrente,
todos obedientemente de mãos dadas,
menos eu, pois não quis dar as minhas pra ninguém.
“Não sou criancinha, não vou me perder”, pensei,
e fui andando ao lado esquerdo da professora,
que me olhou de soslaio, mas assentiu com a cabeça,
pois era uma verdadeira professora, uma coroa coroada.
No caminho, passamos por uma praça
onde havia uma igrejinha branca
com um sino de bronze na torre
e portas abertas para o sol nascente.
Seringueiras gigantes doavam sombra ao redor.
Um viveiro com periquitos, coelhos e jabutis
fez com que a fila soltasse as mãos
e pusesse os dedos na sua tela.
Um parquinho chamou a nossa turma pra brincar,
mas eu preferi ir beber da mina de água pura e fria,
que matou alegremente a minha sede.
Ao chegarmos no local do velório,
pareceu que a escola toda já estava lá.
Era um formigueiro uniformizado
tentando passar pelo pequeno portão,
atravessar o quintal cheio de formigas,
entrar na casa ainda mais cheia,
aproximar-se do caixão e, finalmente, ver a menina.
Eu também queria, porque estava curioso
para saber se a havia visto em algum recreio,
mas logo desisti, pois seria impossível vencer a multidão.
Fiquei na calçada, tentando espiar lá dentro.
Consegui ver o pai, de pé, imóvel igual uma estátua,
e a mãe, inclinada sobre o caixão,
chorando igual uma torneira, e passando a mão direita
pelos cabelos pretos e pelo rosto branco da filha,
que pude ver apenas por um segundo, e não o reconheci.
No meio da sinfonia infernal dos anjinhos,
me concentrei no que a mãe dizia,
enquanto ela olhava fixamente para a filha,
como se fosse um presente de Natal.
Ouvi apenas isto: “Mamãe comprou o minibar que você pediu
quando estava na caminha do hospital... mamãe comprou...
É exatamente o que você queria, meu amor.
Abra os olhinhos! Veja! Veja... está aqui...
Mamãe comprou... mamãe comprou...”
O minibar era muito bonito, feito de mogno,
decorado com taças de cristal penduradas no teto,
de ponta cabeça, cintilando como estrelas,
mas não havia nenhuma garrafa nas prateleiras.
Torci para a menina acordar, num passe de mágica,
ver o presente, sorrir, saltar para o colo da mãe
e agradecê-la com beijos e abraços.
“Por que não aconteceu? Todo mundo ficaria feliz!”, pensei.
Senti que a vida era injusta... Virei as costas e fui embora.
Não entendi porque um milagre não aconteceu naquela hora,
e, pensando agora, ainda não.