Brincando de sonhar
Sentiu muito, sentiu tanto,
Calou-se, e engoliu o choro.
Sempre sentiu, acho que sempre chorou e engoliu o choro.
É! Silenciaram-na, e acostumada a não ouvir a própria voz, silenciou-se.
Olhava do batente da porta da casa feita de adobe e barro,
que a avó construiu com suas próprias mãos,
as montanhas verdes ao longe, e imaginava o mundo de possibilidades.
Sonhava, ali, de cócoras e acordada,
curiosa e abiúda queria saber de tudo um cadinho.
Mas, seus sonhos de abundância eram silenciados pelo roncar da barriga
concedida pela escassez do grosso que deveria encher as latas de alumínio
cuidadosamente e caprichosamente ariadas por ela e por sua mãe (avó).
Suas dores de quando caia e se relava,
Também eram caladas, pelo medo
Da vara de goiaba, que retirada do galho ela mesma deveria,
Mas isso era menos doloroso, que ir dormir de barriga vazia.
Criançava de todas as formas mais divertidas
Mas a responsabilidade e subsistência a silenciaram,
guardou as bonecas, deixou de brincar
e a menina começou a acordar
antes dos primeiros raios de sol para ganhar o pão de cada dia, literalmente.
E sem conhecer o som que poderia emitir,
A menina cresceu e os silêncios calados,
Dolorosos e doloridos,
Cansados de se calarem,
Choram, e ferem e gritam nas páginas,
E ela continua sentindo, muito.