Ele tem down!

"Ele tem Down!"

Com a maneira que o pediatra da maternidade nos informou da até então possível deficiência de meu filho, eu inicio este desabafo. Sem respeito algum pelos pais da criança, mas é esse o respeito que o pobre recebe dos órgãos públicos. Um pai nunca está preparado para ouvir esse tipo de diagnóstico, mas ninguém está livre de ouvi-lo.

Entendam, não estou vindo através deste me autopromover a biógrafo. Apenas estou querendo compartilhar a experiência em um ou outro parágrafo.

Ainda no hospital, recebemos a visita de uma "responsável" e fomos encaminhados ao acompanhamento em uma "associação sem fins lucrativos". Confesso-lhes que, no começo, eles nos foram bem receptivos. Nosso pequeno garoto foi se desenvolvendo rapidamente, mesmo que aos pouquinhos. Durante os anos de acompanhamento, ele me surpreendia ao fazer coisas que nos disseram que talvez apenas mais tarde faria.

Lá, ele fazia atendimentos de fonoaudiologia e de fisioterapia. Nós passávamos por uma psicóloga que sempre se preocupava com a mãe, como a mãe dele se sentia. E eu, mais uma vez, porém em outra área da minha vida, me via em escanteio. Acho que ela estava apaixonada pela minha companheira, ou ao menos era o que parecia.

Não é engraçado como na maioria desses casos parecidos com o meu (ao menos na maioria dos casos que eu conheço) só se importam com a mãe, como a mãe está se sentindo com essa mudança de trezentos e sessenta graus inesperada na vida dela, mas esquecem que a criança não foi feita pela mãe sozinha. Quando descobrimos que vamos ter um filho, ambos começam a mudar ao receber a notícia… Muito se fala de machismo hoje em dia, mas é certo apenas cuidar da saúde mental da mãe e esquecer-se que o pai também estará lá para a sua cria?

Como eu disse, nos três primeiros anos fomos bem recebidos, de certa forma paparicados, mas depois de três anos começou a maior patifaria. Nos disseram que eles haviam sido desligados do órgão que permitia que crianças de outras cidades pudessem fazer parte daquela "família". Mas, para que não ficássemos desesperados, disseram que outra solução havia: no caso, podíamos pagar os atendimentos que o garoto fazia.

Eu era (e continuo a ser) um pobre fodido (agora um pouco mais até) que teria que receber um salário cinco vezes maior do que o que na época eu recebia. Eles nos deram outras opções ainda: convencer um empresário da cidade e ver se ele não nos apadrinharia ou pedir para a prefeitura fazer um convênio que nos salvaria do desligamento.

Após meses quebrando a cabeça, recebendo vários nãos como resposta todo santo dia, conseguimos, com a ajuda do secretário da saúde, algo que nos ajudaria. Faltava uma última canetada do presidente da associação que, sempre que indagado da maldita assinatura, a mesma coisa nos dizia: que logo, logo, quando tivesse um tempinho, a papelada ele assinaria. O logo, logo virou semanas, que viraram meses, e ele não se mexia. Do lado de cá, porém, a nossa aflição só crescia, pois passavam os dias e nada mudava, nada acontecia.

Até que aconteceu o que tenho para mim que era o que ele mais queria: de tanto esperarem a assinatura do indivíduo, o papel já não mais valia. Antes do desligamento, tive que assistir a um maldito engravatado olhar na minha cara e dizer que fez tudo o que podia. Fomos desligados, e nosso garotinho sem seus atendimentos ficaria.

Foi minha segunda grande falha como pai; a primeira foi, mesmo ao me manter presente, rejeitar meu filho depois de descobrir sua deficiência. Menos de um ano depois do desligamento na associação que ama o dinheiro dos Down, nós conseguimos atendimentos gratuitos pela prefeitura na APAE, o que hoje eu me pergunto por que não fomos encaminhados para lá desde o início. E lembro que foi tudo por uma questão de repasse de verba para a associação que inicialmente ele ia, pois os responsáveis pela associação disseram que o repasse de verba que eles recebiam do órgão que bancava os atendimentos de crianças de outras cidades era enviado metade para a APAE e metade para eles quando a criança ia em ambos.

Oito anos, quase nove, fazem que eu tenho meu pequeno menino. Mas, às vezes, durante as noites, antes de fechar meus olhos uma última vez naquele dia, me pergunto: por que comigo? Somos um casal jovem; ela tinha dezenove e eu dezessete quando ele veio. Nada, nem ninguém, consegue me fazer entender o porquê, por qual motivo. Muitos me consideram sábio, de certa forma até culto. Mal sabem eles que, mesmo que eu seja sábio, morrerei mais ignorante do que era no dia em que nasci.

Como se não bastassem esses perrengues pelos quais passamos, há ainda quem me diga que eles (crianças atípicas) vêm para nos fazer evoluir e aprendermos. Me vem na garganta, mas eu seguro a resposta: "É porque não é contigo!"

sr Gruner
Enviado por sr Gruner em 31/07/2024
Código do texto: T8119116
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