São João sem Seu João

Sempre que chega a data de hoje eu me lembro de Seu João Oliveira. Ele fez parte de minha infância em Caiçara dos Barbosa, região atualmente dividida entre os municípios de Barcelona e Ruy Barbosa (RN), lugar fundado pelos meus antepassados maternos entre fins do século XVIII para início do século XIX, quando lá chegaram vindos da Serra do Baturité, no Ceará. Certamente que sou 100% nordestino, - descendo de cearenses com paraibanos... Enfim, em outro texto comentei que não me lembro de Seu João antes de 1967, quando eu tinha 6 anos de idade. Acredito que ele estivesse na casa dos 80 anos, e foi o meu primeiro herói. Certa vez estávamos eu, primos meus, e netos dele, sentados ouvindo suas estórias (com "e"). O terreiro da casa era no barro, grande e muito limpo. De repente uma enorme cobra cascavel veio em nossa direção. Seu João, com uma vara, matou a cobra enquanto eu me tremia todo. Ele tinha uma "gaita" (na verdade uma pequena flauta doce) feita da asa de um avião militar, que fez quando trabalhou na Base Aérea de Natal durante a Segunda Guerra Mundial, e tocava para o divertimento da meninada, naquela época com poucas opções de divertimento. Na verdade as minhas diversões de infância foram o Potengy e suas águas barrentas, banhos de açude, e o dia da feira em Barcelona, pra eu assistir cantadores de viola. Depois havia a festa de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, a cada ano, que costumava ter a presença de um parque de diversões. Bom, eu não me lembro se foi na véspera do São João de 1971, ou 1972. Todos nos aprontamos para viajar até Barcelona, a 9 quilômetros e meio da casa de meus avós, e percebi que Seu João não ia. Fui procurá-lo e o encontrei sentando sobre um tamborete, uma perna por cima da outra, sozinho fumando seu inseparável cachimbo. Seu olhar estava fixo nas águas que desciam no Potengi pequeno (que passa dentro das terras que foram de meus avós) em direção ao Potengi, ambos se encontrando já no município de São Paulo do Potengi, em busca do Atlântico. Pois é, Seu João não nos acompanhou à festa e aquilo me angustiou terrivelmente. Fiz toda a caminhada, naquela estrada de rodagem, triste, pensando nele sozinho, e com vontade de voltar. Para minha maior decepção, percebi que nenhum dos adultos estavam preocupados por ele sozinho em casa. Na verdade ele não nos acompanhou por causa de suas condições físicas, idade avançada. Acontece que, em minha meninice, eu não pude entender essa parte. Mas até hoje me bate uma tristeza danada quando me lembro de tal experiência.

Cidade do Natal (RN), 23 de junho de 2024.

Chico Potengy
Enviado por Chico Potengy em 23/06/2024
Reeditado em 24/06/2024
Código do texto: T8092051
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