SAUDOSISMO -     Parte 1/10

          Podem me chamar de saudosista, de conservadora e até de retrógrada. Mas, que culpa tenho eu se a maçã de minha infância tinha o perfume mais saboroso do que o das maçãs de hoje? Se o orvalho nas plantas, de manhãzinha, era mais brilhante, sob a luz do sol? Se o céu estrelado – um tapete de veludo negro, incrustado de gemas multicores – era mais esplendoroso do que as noites de agora, completamente iluminadas pelas lâmpadas elétricas? 

          Como era bom ouvir do avô, à noitinha, na sala mal iluminada por uma lamparina, estórias de fantasma e mula-sem-cabeça e, depois, na mais completa escuridão, tentar conciliar o sono, e tremer de medo das almas penadas que vagam na noite! Hoje não há mais almas, nem há mais noite que as traga, tudo é tão claro! Hoje tememos as almas dos vivos, que são mais perigosos. 

Bom era subir na laranjeira e chupar as laranjas recém-colhidas, escolhidas a dedo, as maiores, mais amarelinhas, com a casca mais lisa e brilhante. Bom era brincar na rua, depois da chuva, usando a enxurrada como rio e um graveto como navio. Ah, os brinquedos daquela época! Bolas de gude (falávamos bolinha de crique); bonecas de espiga de milho ou de pano, com cabelos de fios de lã; as cinco marias, jogadas com pedrinhas cuidadosamente escolhidas; brincar de roda, de passar anel; brincar de casinha ...