ASSIM ERA SÃO VICENTE

Assim era São Vicente

Saímos de São Vicente, mas São Vicente não sai da gente. Raízes são raízes, coisas que nos amarram, nos fixam à terra da qual nascemos. Lembranças de infância e adolescência inolvidáveis, que carregamos por toda nossa existência. Qual aquela planta que colocam em vidros com água, flutuam e mostram suas raízes, assim somos nós. Flutuamos pela vida, mas nossas vivências nos guiam e servem de contrapeso para que não soframos um naufrágio. Hoje lembro de coisas que parecem nunca terem existido.

Quem anda por São Vicente nos dias de hoje e presencia aquele movimento frenético no centro, cheio de lojas, pessoas andando rápido atrás de produtos com bom preço, um shopping center sempre lotado, filas enormes nas agências bancárias, congestionamentos nas ruas, nem suspeita que há 50 ou 60 anos atrás era uma cidade muito diferente. Para ilustrar, vamos dar um passeio por essa cidade que não existe mais.

Chegado à cidade, o passageiro descia do onibus na Praça Barão do Rio Branco, onde havia uma agência do Expresso Brasileiro de um lado e uma da Viação Cometa no outro. Para comprar um jornal, havia uma grande banca de jornal com uma imensa variedade de revistas. Era a Banca do Walter. Walter era um cara muito trabalhador, ficava na banca o dia todo, sério, cuidando do seu comércio. A molecada começava a folhear uma revista, ele aguardava uns minutos e perguntava se ia comprar. Se não, pedia “gentilmente” para não mexer mais. Era firme, sem ser arrogante. Conforme íamos ficando conhecidos, Walter era um cara atento aos clientes e dava a impressão de conhecer todos os habitantes da cidade. Hoje há uma estátua dele na praça. Havia um restaurante “Ao Amigo Campos”, uma das primeiras pizzarias de São Vicente,onde comi minha primeira pizza. A pizza de mussarela, com uns 2cm desse queijo como cobertura, era uma delícia. Eu tratava meus dentes com o dr. Osvaldo Guapo, irmão do Lica que era da nossa turma na Pracinha. Seu consultório ficava encima de onde é hoje as Casas Bahia e aos sábados ele marcava minha consulta para as 11:00h. Depois de me atender a gente sentava no Amigo Campos e tomava um drinque chamado Jarreta: pinga, vermute e fernet. Eu tinha uns 15 anos e adorava essas ocasiões.

Se o visitante fosse à Praça do Correio, passava pela Rua Martim Afonso, onde haviam vários pontos marcantes:

A SORVETERIA PAULISTA

• A Sorveteria Paulista, onde eu comprava o melhor sorvete que já saboreei: picolé de salada de frutas, só de lembrar me dá água na boca. Na parte de baixo havia uns pedacinhos congelados de mamão e banana. Havia um outro chamado pezziduri que era de massa e vinha em copo de papel. Esse era caro e eu só tomava quando meu tio Leonel vinha do Rio de Janeiro e pagava.

• A FARMÁCIA DE MADEIRA

Vizinha à Sorveteria Paulista ficava uma farmácia que parecia uma cristaleira: todos os armários do chão ao teto e balcões de madeira envernizada com portas de vidro trabalhado, pé direito direito de cinco metros.Dava a impressão de estarmos no começo do século passado.

• CINA ANCHIETA

Tinha o Cine Anchieta no meio da quadra. Após as sessões, a saída era por uma ruela lateral que não existe mais.

• SNOOKER

Havia também um salão de snooker que não me lembro o nome, com várias mesas. Ali ficavam os amantes de sinuca, muitos ganhavam dinheiro com essa atividade. Era assim: jogavam duas ou três fingindo que eram “patos”, e quando a aposta crescia rapavam o freguês.

• SERVIÇOS DE ALTO FALANTE ROYAL

Na esquina da Praça Barão com Martim Afonso era havia o Serviço de Alto Falantes Royal, no Edifício Zuffo. Com potentes alto falantes, a Rádio Royal, como os vicentinos chamavam, animava o centro com músicas e o carnaval popular em grande tablado de madeira. Informava as últimas notícias, dentro das limitações da época, como o término da Segunda Gerra Mundial.Na parte de cima passava filmes aos domingos a noite. Uma multidão ficava ali, assistindo cinema. Em pé, mas grátis.

• O MANGUEIRÃO

Ao lado da linha férrea, hoje linha do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), na altura da Rua XV de Novembro, ficava o Mangueirão. Era uma grande área rodeada por uma cerca de curral alta, de madeira, onde o gado destinado ao abate ficava após ser desembarcado do trem da antiga RFS (Rede Ferroviária Sorocabana) que os trazia. As composições com muitos vagões lotados de bois e vacas ficavam aguardando o desembarque por horas, o que era uma atração para a garotada. Sem a consciência ecológica de hoje, apreciar os pobres animais confinados em vagões de madeira tal sardinha em lata era uma distração. Muitas vezes um animal fugia ao desembarcar e causava correria na multidão que observava. E recapturar o bicho era difícil, as vezes demorava horas.

• A PRAÇA DO CORREIO

A Praça Coronel Lopes ou Praça do Correio, assim chamada devido a agência dos Correios da cidade estar localizada em seu centro, era muito diferente de hoje. Era bem arborizada com canteiros, tipo boulevard , em um nível acima das alamedas internas. A praça, por sua vez, era local de vários pontos notáveis da cidade.

• ESCOLA DE DATILOGRAFIA

Escola de Datilografia Acosta, onde os jovens aprendiam a escrever em velhas máquinas (ASDFG, ASDFG, ....), uma habilidade que os pais achavam importante;

• MAJOR PASSOS

A escola do Major Passos. A escola era uma casa grande, nossa sala de aula era a garagem. O major era uma figura, diziam que era neurótico de guerra. Adorava dar tapas ne cabeça dos alunos. Merece um texto à parte.

• MARINHO PROTÁSSIO

Ali estudei com um rapaz chamado Mário Protássio, que a gente chamava de Monstrinho devido ser muito inteligente e, na época, dava aulas para o curso cientifíco mesmo estar na admissão ao ginásio. Anos depois passou no vestibular da Escola Politécnica e do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronaútica), ambos em primeiro lugar. Escolheu cursar o ITA. Marinho foi engenheiro e consultor de computadores, trabalhava para a NASA. Nos deixou há uns anos atrás.

• O TUMIARÚ

O Clube de Regatas Tumiarú já se localizava no mesmo endereço de hoje, e era o point da rapaziada. Tinha 2 quadras de basquete e, todos os dias, a garotada jogava 21 ( de basquete). Sábado à noite, tinha uma “boatinha” que a gente dançava. Aos domingos, dali saía um ônibus que transportava os associados até a séde de campo, localizada no Japuí. Ali tinha piscina semi olímpica e um campo de futebol que era motivo de grandes disputas. Eu, muito ruim de bola, ia direto para a piscina.

• GRUPÃO

Ainda tinha o Grupo Escolar Municipal (Grupão), a casa do Longarina, os pontos de ônibus para a Praia Grande. Eram umas jarreteiras azuis, que viajavam lotadas, após longas esperas dos passageiros.

• JÁ NA PRAÇA BARÃO DORIOBRANCO:

Veranista, loja de calçados do seu Emílio, depois herdada pelo Emilinho.

• A Coletoria Estadual, local onde se pagava tributos.

• Na esquina de Martim Afonso com a Padre Anchieta havia um terreno onde sempre se instalava parques de diversão.

• O restaurante Itapura, na Praça barão do Rio Branco, ficava aberto a noite toda e nunca tomei vitamina mista igual.

• NA RUA FREI GASPAR Casa Nico, papelaria. Companhia Telefonica Brasileira. Posto dos Del Vecchio. Cine Rosário, o mais chique da Cidade .

• O Restaurante Gaúdio, junto à praia, já era um point. A gente ficava parado vendo as moças passarem. Era a paquera de finais de semana. Ali se reuniam os “boys”: Miguel Bola, Gerônimo, um par de gêmeos muito gozado chamados de Mapas do Inferno e vários outros que não me lembro.

PRAÇA JOÃOPESSOA

A Igreja Matriz e o Mercado Municipal situam-se na Praça João Pessoa e se interliga pela Rua Erasmo Schetz à Praça Bernardino de Campos, a Pracinha da minha infância e parte da adolescência.

• Na décadas de 50 e 60, havia a companhia de bondes, a SMTC ( Serviço Municipal de Transportes Coletivos), cujos veículos atendiam Santos e São Vicente. Os bondes de número 02 e 22 passavam pela Marques de São Vicente, dobravam à esquerda na Av. Capitão Mór Aguiar e seguiam até um pequeno largo próximo ao São Vicente Praia Clube. Essas duas linhas atravessavam a região que chamávamos de Pracinha.

São Vicente possuía muitos outros atrativos que tentarei lembrar.

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 22/06/2024
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