358 - FRAGMENTOS DA MEMÓRIA
CORES, SABORES E ODORES DA MINHA TERRA
Neide Rodrigues
Escritora
Nasci em doce terra, numa tarde de Quarta-Feira de Cinzas quando, no alto da estação ferroviária, o trem apitava nas brisas. Minha história começou. Guardo na memória, toda trajetória da minha infância e juventude vivida nesta terra de palmeiras e matas abundantes. Os doces risos com os amigos, as brincadeiras do meu tempo. Daquela época, recordo a mercearia de Seu Euclides, com suas prateleiras recheadas de doces, salgados e cereais em fardos. O cacimbão de Seu Manoel Varela, onde a comunidade buscava a água de beber. Enquanto isso eu sonhava com o alvorecer da vida.
Bem próxima à residência de Paizinho, havia uma pequena construção em alvenaria, pintada de verde com barra em vermelho xadrez. Alí funcionava a cantina do meu pai, Manoel Rodrigues, uma casa de sabores e aromas deliciosos. No seu interior, o chão de ladrilhos vermelhos estava sempre impecavelmente limpo, refletindo os candeeiros pendurados, que balançavam levemente ao ritmo da brisa que entrava pelas portas abertas. As prateleiras de madeira sustentavam as garrafas de aguardentes murim e jurubeba, potes de doces caseiros, quitutes enlatados. Os fardos de cereais pelos cantos do recinto, as cuias da cuité, o papel de embrulho, todos dispostos com um cuidado que revelava o amor e a dedicação de meu pai.
O sorriso franco e sábio do meu pai despertava admiração e atração. Seu rosto tinha talhos do sol e marcas do trabalho, que se iluminava quando alguém elogiava o caldo de cana que ele preparava. A cana era moída na hora e o leve murmúrio dos insetos criava uma sinfonia única. O pão doce exalava um cheiro irresistível que ia se espalhando pelo ar. As abelhas zumbiam ao redor das garrafas de mel, voando em círculos e fazendo melodias monótonas para o movimento tranquilo da cantina.
Mais tarde, meus pais adquiriram um sítio nos arredores da cidade e nos mudamos para lá. Mas as marcas de nossa vida anterior permaneceram, no alto da estação. Era meu pai que organizava as festas do bairro, incluindo a festa de São Sebastião, protetor da comunidade, que acontecia em janeiro, no cruzeiro. Os pastoris, com seus cordões vermelho e azul, Dianas, ciganas, borboletas, e quadras que diziam: "Meu São José, dá-nos licença para o pastoril brincar... / Cigana do Egito que vem à cabana, sou eu a ciganinha de Jerusalém...", se apresentavam nos terreiros das casas, enchendo a comunidade de alegria e tradição. Essas celebrações eram momentos de união, onde todos se reuniam para compartilhar histórias, dançar e sorrir.
A simplicidade desses momentos guardava uma riqueza de amor e camaradagem. As festividades contavam sempre com a excelente colaboração de Zuleide, filha de Iraci Gomes, e outros moradores do bairro. Lembranças de um tempo de felicidade e cada celebração era um reflexo da nossa comunidade cheia de vida. No bairro da Areia Branca, onde agora me encontrava, vivi entre as artesãs do barro e as bejuzeiras, sendo a maioria delas da família de Dona Elina Evangelista. A água que bebíamos vinha do rio da gruta, transportada em barris nas costas da nossa jumenta. Essa mesma jumenta nos levava, em caçuás, à Escola Guiomar de Vasconcelos.
Momentos lindo e aventuroso, mas, um dia, a jumenta tropeçou nos trilhos da linha de trem e nos jogou ao chão. Mamãe, mulher decidida e forte, se apavorou e, no mesmo dia, resolveu nos matricular em uma escola mais próxima. Surgiu na nossa vida a escola particular de Dona Hilda. Quando concluí a alfabetização, fui levada à Escola José de Albuquerque Maranhão. Com um misto de ansiedade e excitação, fui recebida com ternura pela professora Ana Martins, em seguida pela gentil Salete Martins, depois pela atenciosa Dona Nazaré e, finalmente, pela sábia professora Raquel, que guiou meus passos na conclusão do primário.
Os dias passavam como uma melodia suave. As manhãs traziam sinfonias com o sol nordestino brilhando e cada momento era uma nota perfeita na partitura da minha infância.
No Ginásio, na Escola Municipal José Carvalho e Silva, após a prova de admissão, veio uma nova fase de minha vida escolar. A maioria dos professores vinham de Natal, trazendo riqueza cultural para nós. Recordo de Morais, professor de português, cuja voz ecoava como um suave canto. Dos que moravam na cidade eram: Dr. Júlio, médico da cidade, ser humano adorável, que me chamava por Sophia Loren. Dr. Zé Martins, que ministrou minha primeira aula de orientação sexual, utilizando a simbologia da flor. Suas palavras fluíam com uma pureza lírica incontestável. Também lembro de Samuel Mandu, o mestre de Educação Física, cujas aulas eram puro movimento. Ném Vieira, professora de Educação Artística, pintava com palavras e gestos, transformando a sala de aula em uma tela viva.
Houve um período em que, devido à distância entre minha casa e a escola, morei na casa paroquial, então, padre José Zilmar, onde convivi com sua mãe, Dona Mafalda. Eu, todas as manhãs, ia buscar as hóstias para consagrar, na padaria de seu Kerginaldo Teixeira. Onde o aroma do pão fresco da padaria se misturava com o ar puro da cidade. À tarde, eu e uma amiga, sempre íamos até a maré, e me deparava com os mistérios das águas. Aos 14 anos, meu coração foi cativado por um estudante de mecânica. Um namoro lindo, inocente, puro e guardado com carinho. Outros amores vieram, mas o primeiro permanece na memória, uma lembrança terna que meu coração sublima.
A pracinha da cidade é uma história à parte, com aqueles antigos sobrados ao redor. O coreto, que "o desenvolvimento" destruiu deixou saudades. Nos dias de feira, a rural de Damásio e o jipe de Antônio de Doca eram destaques. O cheiro de peixe fresco se espalhava pelo ar, dentro do mercado público, misturando-se com o aroma da farinha bem torradinha. Havia um alto-falante (boca de ferro) no alto do mercado que, entre uma música e outra, anunciava as promoções e eventos da cidade.
Dos quiosques dentro do mercado, lembro-me de Seu João Alves, onde meu pai fazia as compras em grosso. Em Seu Zé Batista tomávamos um caldo de cana fresquinho, e dona Miriam, onde papai sempre degustava algum prato tradicional. As memórias desses tempos são como melodias que ecoam na minha mente, trazendo à tona tudo o que ali vivemos. Os encontros no coreto e as brincadeiras na feira, tudo isso compõe a sinfonia da minha infância e juventude, onde cada nota ressoa com amor, alegria e saudade.
Senti de perto a alegria das minhas irmãs mais velhas, que iam aos bailes às escondidas de papai. Os bailes aconteciam no "Ginásio" e, depois, no "Clube Municipal". Naqueles tempos, havia diversos blocos carnavalescos, incluindo o de índios, organizado por Zé Wilson, que desfilavam alegremente em frente à pracinha da cidade. O "Cine Luzitana", o cinema local, e as discotecas de Chiquinho de Cocada, de Dindor, e de Anízio, estes dois últimos no bairro da Areia Branca, eram a sensação da cidade com seus efeitos de luzes. A cidade era bem frequentada e vibrante, com moças e rapazes que vinham das cidades circunvizinhas para estudar e aproveitar as festividades.
Aos 17 anos, com o coração cheio de sonhos, decidi deixar minha terra natal. Queria escapar das rédeas da autoridade e das imposições dos meus pais e seguir meu sonho de ingressar na Marinha, um sonho que nunca foi concretizado. Minhas visitas à família eram o laço que me ligava à minha cidade. Depois de tanto tempo, pisar no solo do sítio dos meus falecidos pais ainda me traz emoções profundas. Hoje, o sítio é um refúgio onde as histórias se entrelaçam e as raízes se fortalecem. Cada visita traz à tona a essência de tudo que ali vivi, renovando em mim a ligação profunda com a terra onde cresci.
Refletindo sobre minha jornada, percebo quão rica e vibrante foi minha infância e juventude. As histórias de amigos, familiares e vizinhos, as festas, os estudos e as aventuras são fragmentos de uma vida cheia de simplicidade e felicidade. A juventude, com seus sonhos e rebeldias, deu lugar a um longo período de conformidade e sacrifício em nome da família. Aprendi que a verdadeira independência não vem da fuga ou da rebeldia, mas da capacidade de tomar as rédeas da própria vida.
Grata pelas lições do passado, me vejo esperançosa no futuro que construo a cada novo dia. Essas experiências moldaram quem sou hoje, uma pessoa grata pelas raízes e pelo caminho trilhado. Continuo a celebrar a vida, agora como poetisa, sempre carregando comigo as memórias de um tempo que, embora passado, permanece vivo em meu coração, eternizado em contos, prosas e poesias.
Neide Rodrigues 11/06/2024
Sinfonia de memórias: Das terras de engenhos à liberdade
Nasci em terras do engenho Pituaçu, numa tarde de Quarta-Feira de Cinzas, no alto da estação, onde o trem apitava anunciando o início de minha história. Foi lá que encontrei meus primeiros amigos de infância, compartilhando risos e brincadeiras sob o sol nordestino.
Tenho boas recordações da mercearia do Sr. Euclides, com suas prateleiras recheadas de doces encantos, verdadeiras delícias e do cacimbão do Sr. Manoel Varela, onde buscávamos a água cristalina que refrescava nossas manhãs, enquanto sonhávamos.
A cantina do meu pai, Sr. Manoel Rodrigues, era um refúgio de sabores e aromas que encantavam todos que por ali passavam, tão próxima à residência do Sr. Paizinho, a pequena construção de alvenaria era pintada de um verde com barra vermelho xadrez, desbotado pelo tempo, mas que ainda mantinha sua beleza acolhedora. No interior, prateleiras de madeira antiga sustentavam garrafas de xaropes coloridos e potes de doces caseiros, todos dispostos com um cuidado que revelava o amor e a dedicação de meu pai. O chão de ladrilhos vermelhos estava sempre impecavelmente limpo, refletindo o brilho das lamparinas penduradas, que balançavam levemente ao ritmo da brisa que entrava pela porta aberta.
Meu pai, um homem de estatura mediana, loiro, de olhos esverdeados e sorriso fácil, recebia a todos com uma simpatia cativante. Seu rosto, marcado pelo sol e pelo trabalho, iluminava-se ainda mais quando alguém elogiava o caldo de cana-de-açúcar que ele preparava com maestria. A cana era moída na hora, e o som da máquina se misturava ao leve murmúrio dos insetos atraídos pelo doce aroma, criando uma sinfonia única. O pão doce exalava um cheiro irresistível que se espalhava pelo ar, atraindo crianças e adultos. As abelhas zumbiam ao redor das garrafas de mel, compondo uma melodia constante que acompanhava o movimento tranquilo da cantina. Ali, os sabores se misturavam com as lembranças, criando um ambiente ao mesmo tempo, simples e fascinante. Na entrada da cantina, um chifre de boi, pendurado com maestria, servia de amuleto, saudando os visitantes e adicionando um toque de autenticidade àquele lugar tão especial.
Sem esquecer o Sr. Luiz, chefe da estação, com seu olhar sereno e sorriso acolhedor, e seu filho Luizinho, menino querido por todos. Éramos crianças, mas tão unidos que diziam sermos namorados, partilhando segredos e sonhos em meio ao movimento do ir e vir do trem. Lembro também do professor particular Sr. Joaquim e sua terrível palmatória, que me bloqueou com os números, transformando a aritmética em uma dança de medo e rigor.
Mais tarde, meus pais adquiriram um sítio nos arredores da cidade e nos mudamos. Meu pai deixou suas marcas registradas lá no alto da estação, como organizador das festas do bairro. Ele era responsável pelas festas de São Sebastião, no cruzeiro, e pelos pastoris com seus cordões vermelho e azul, suas Dianas, suas ciganas e quadras que diziam:
"Meu São José, dá-nos licença para o pastoril brincar... / Cigana do Egito que vem à cabana, sou eu a ciganinha de Jerusalém..."
Eram festanças nos terreiros das casas que os recebiam, preenchendo a comunidade com alegria e tradição. Essas celebrações eram momentos de união, onde todos se reuniam para celebrar e compartilhar histórias, danças e risos. A simplicidade desses momentos guardava uma riqueza imensurável de amor e camaradagem, as festividades contavam sempre com a excelente colaboração de Zuleide, filha de Iraci Gomes, e outros moradores do bairro, essas memórias estão gravadas em minha mente, lembranças de um tempo de felicidade e cada celebração era um reflexo da nossa comunidade cheia de vida.
No bairro de Areia Branca, onde agora me encontrava, vivendo entre as artesãs do barro e as beijuzeiras, quase todas da família de Dona Elina Evangelista. A água que bebíamos vinha do rio da gruta, transportada em barris nas costas da nossa jumenta. Essa mesma jumenta nos levava em caçuás para a Escola Guiomar de Vasconcelos. Era uma aventura até que a jumenta tropeçou nos trilhos da linha de trem, nos jogando ao chão.
Foi então que minha mãe, Sr.ª Joselita, morena linda, cor de cravo e canela, costureira e bordadeira de mãos cheias, com um jeito durão, mas de coração carinhoso, decidiu nos matricular em escolas mais próximas. Alguns foram para a Escola José de Albuquerque Maranhão, enquanto outros seguiram para a escola particular da professora Dona Hilda. Quando concluí a alfabetização, fui transferida para a Escola José de Albuquerque Maranhão. Com um misto de ansiedade e excitação, fui recebida com ternura pela professora Ana Martins, seguida pela gentil Salete Martins, pela atenciosa Dona Nazaré no terceiro ano e, finalmente, pela sábia professora Raquel, que guiou meus passos na conclusão do primário.
Enquanto no primário, numa das festas juninas, aconteceu meu primeiro beijo. Tinha eu apenas 10 anos, e o garoto, loiro de lindos olhos azuis, era filho de uma família tradicional da cidade, estabelecida na Lagoa de São João.
Os dias passavam como uma melodia suave, com risos e cantigas ecoando no ar. Cada manhã era uma sinfonia de sons familiares: o murmúrio da água fresca no cacimbão, o tilintar das ferramentas das artesãs e o canto alegre das crianças. Naquelas terras, onde o sol nordestino brilhava intensamente, cada momento era uma nota perfeita na partitura da minha infância.
Agora aluna do Ginásio Municipal José Carvalho e Silva, após a obrigatória prova admissional da época, enfrentei uma nova fase de minha vida escolar. Naqueles anos, a maioria dos professores era de Natal e viajavam todos os dias letivos, indo e vindo. Recordo com carinho o querido professor de português, Morais, cuja voz ecoava como um suave canto. Dos poucos que moravam na cidade, lembro-me do Dr. Júlio, então médico da cidade, ser humano adorável, que me chamava por Sophia Loren, e do Dr. Zé Martins, que ministrou minha primeira aula de sexologia utilizando a simbologia da flor; suas palavras fluíam com uma pureza lírica incontestável. Também me lembro de Samuel Mandu, o mestre de Educação Física, cujas aulas eram como sinfonias de movimento, e de Ném Vieira, professora de Educação Artística, que pintava com palavras e gestos, transformando a sala de aula em uma tela viva.
Houve um período em que, devido à distância entre minha casa e a escola, morei na residência do pároco da cidade, Padre José Zilmar, e sua mãe, Dona Mafalda. Eu era incumbida de buscar todas as manhãs as hóstias na padaria do Sr. Kerginaldo Teixeira, ao sair para buscar as hóstias, sentia a brisa suave do amanhecer e os primeiros raios de sol iluminando as ruas ainda adormecidas da cidade. O aroma do pão fresco da padaria do Sr. Kerginaldo se misturava com o ar puro, criando uma sinfonia de cheiros que aquecia o coração. E todas as tardes, eu ia espiar a maré no centro da cidade, junto com a filha de um pescador cujo nomes não me recordo, eram aventuras de descobertas e risadas, com nossas botas enormes que pareciam ter vida própria, afundando na lama enquanto corríamos atrás dos pequenos tesouros marinhos. A maré trazia consigo histórias e mistérios, e, junto com minha amiga, cada dia era uma nova canção de liberdade e alegria, uma dança com a natureza que jamais esquecerei.
Aos 14 anos, meu coração foi cativado, por um jovem estudante de mecânica, tão afeiçoado. Foi um namoro lindo, de inocente pureza, guardado com carinho, como uma doce riqueza. Outros amores vieram, laços foram desfeitos, mas aquele amor primeiro, com encantos perfeitos, permanece na memória, com especial estima, uma lembrança terna, que meu coração sublima.
O sítio em que morávamos era enorme e bem cuidado, tão convidativo que todos os fins de semana havia uma festa de várias proporções. Meu pai, de bom coração, acolhia a todos sem distinção de cor, religião ou dogmas.
Ah! O coreto, marco histórico da cidade, que "o desenvolvimento" destruiu. Sinto tantas saudades dos antigos sobrados ao redor da praça. Nos dias de feira, a rural de Damásio e o jipe de Antônio de Doca eram destaques. O cheiro de peixe fresco se espalhava pelo ar dentro do mercado público, misturando-se com o aroma da farinha bem torradinha.
Havia uma boca de ferro (alto-falantes antigos) no alto do mercado que, entre uma música e outra, anunciava as promoções e eventos da cidade. Dos quiosques dentro do mercado, lembro-me do Sr. João Alves, onde meu pai fazia compras em grosso, e do Sr. Zé Batista, onde tomávamos caldo de cana, além da barraca de Dona Miríam, onde meu pai sempre degustava seus pratos.
As memórias desses tempos são como melodias que ecoam na minha mente, trazendo à tona tudo o que ali vivemos. O coreto, com suas linhas melódicas, testemunhou tantos momentos inesquecíveis, assim como os encontros na praça e as brincadeiras na feira, tudo isso compõe a sinfonia da minha infância e juventude, onde cada nota ressoa com amor, alegria e saudade.
Senti de perto a alegria das minhas irmãs mais velhas, que iam aos bailes às escondidas do papai. Naqueles tempos, havia diversos blocos carnavalescos, incluindo o de índios, organizado pelo Sr. Zé Wilson. Os bailes aconteciam no clube local ou no ginásio municipal. Também havia o "Cine Luzitana", o cinema local, e as discotecas: de Chiquinho, de Dindor, e de Anízio, estes dois últimos no bairro Areia Branca. A cidade era bem frequentada e vibrante, por moças e rapazes que vinham das cidades circunvizinhas para estudar neste município.
Aos 17 anos, com o coração cheio de sonhos, decidi deixar minha terra natal. Queria escapar das rédeas da autoridade e das imposições dos meus pais e seguir meu sonho de ingressar na Marinha. Contudo, esse sonho foi interrompido pela imposição de quem se tornaria meu futuro marido e pai dos meus filhos. Ele não aceitava minha ida ao Rio de Janeiro. Assim, escapei das rédeas curtas de meu pai, apenas para aceitar as do casamento por muitos anos.
Os anos passaram até que eu finalmente pudesse viver minha liberdade e conduzir minha vida sob minhas próprias rédeas. Embora não morasse mais na minha terra natal, visitava frequentemente meus pais e, depois da morte deles, retorno sempre em devaneios e lembranças. Nas idas e vindas, em visitas aos parentes, amigos e ao nosso sítio, que ainda conservamos como raiz. O sítio, com suas memórias e tradições, é um refúgio onde as histórias se entrelaçam e as raízes se fortalecem. Cada visita traz à tona a essência de tudo que ali vivi, renovando em mim a ligação profunda com a terra onde cresci.
Refletindo sobre minha jornada, percebo quão rica e vibrante foi minha infância e juventude. As histórias de amigos, familiares e vizinhos, as festas, os estudos e as aventuras são fragmentos de uma vida cheia de simplicidade e felicidade. Cada desvio e sacrifício moldaram a pessoa que sou hoje. A juventude, com seus sonhos e rebeldias, deu lugar a um longo período de conformidade e sacrifício em nome da família. No entanto, após anos de casamento, finalmente alcancei a tão desejada liberdade. Aprendi que a verdadeira independência não vem da fuga ou da rebeldia, mas da capacidade de tomar as rédeas da própria vida e viver de acordo com as próprias convicções. Hoje, celebro essa autonomia, grata pelas lições do passado e esperançosa pelo futuro que construo a cada novo dia, com as rédeas firmemente em minhas mãos.
Essas experiências moldaram quem sou hoje, uma pessoa grata pelas raízes e pelo caminho trilhado. Continuo a celebrar a vida, agora como poetisa, sempre carregando comigo as memórias de um tempo que, embora passado, permanece vivo em meu coração, eternizado em contos, prosas e poesias.
Neide Rodrigues, 11/06/2024
Fragmentos da memória, por Neide Rodrigues.