Pé de porco e Pé de ganso
Na minha infância, naquela rua repleta de memórias, havia dois personagens peculiares que faziam parte do cenário do cotidiano: os irmãos Pé de Porco e Pé de Ganso. Eles eram moradores de rua, conhecidos por todos que passavam pela região. Suas aparências e apelidos eram marcantes, transmitindo um misto de curiosidade e compaixão em cada um de nós.
Todos os dias, sem exceção, eles percorriam a rua, com suas roupas surradas e calçados gastos, em busca de algum sustento para aplacar as agruras da vida nas ruas. Carregavam consigo uma história invisível, repleta de desafios e adversidades que só poderíamos imaginar.
Meu pai, um homem de coração nobre, tinha um gesto especial para com esses irmãos desafortunados. Ao avistá-los, ele os recebia em nossa casa, convidando-os para compartilhar uma refeição. Minha mãe, com sua generosidade, preparava um prato com a comida que tínhamos em casa.
Naqueles momentos, o quintal de nossa casa se transformava em um santuário de encontros improváveis. Os irmãos Pé de Porco e Pé de Ganso sentavam-se à mesa, compartilhando histórias e conversas com meu pai, enquanto nós, eu e minhas irmãs, observávamos com olhos curiosos.
O odor peculiar que emanava deles, o cheiro da falta de higiene e do descaso para com a própria aparência, enchia o ar. Suas unhas dos pés e das mãos sujas, dentes estragados, tudo isso era testemunho visível de uma vida despojada dos cuidados mais básicos.
No entanto, dentro daquelas roupas surradas e semblantes desgastados, residiam histórias que somente eles conheciam.
Enquanto meus pais conversavam, trocando palavras de afeto e compreensão, nós, as crianças, aprendíamos uma lição inestimável. Naquele instante, compreendíamos que a aparência não define o valor de uma pessoa, que cada ser humano carrega consigo uma trajetória única, repleta de desafios e obstáculos.
A presença dos irmãos Pé de Porco e Pé de Ganso em nossa casa era um lembrete constante de que a empatia e a solidariedade não se limitam às aparências. Eles nos ensinaram a olhar além das superfícies e a valorizar a essência de cada ser humano, independentemente de sua condição.
Os dias se passaram, e os irmãos Pé de Porco e Pé de Ganso seguiram seu caminho, levando consigo as lembranças daquelas refeições compartilhadas e das conversas trocadas. Eles deixaram uma marca indelével em nossos corações, um lembrete de que a generosidade não se limita às diferenças, mas une os seres humanos em um elo de compaixão e respeito.
Mesmo depois de tanto tempo, suas histórias permanecem vivas em minha memória, lembranças de um tempo em que era comum abrir as portas de casa para compartilhar coisas simples do dia-a-dia.