NU NA PISCINA

Julio Arthur Marques Nepomuceno (*)

Nada melhor do que sentir, logo de manhã, uma doce sensação de liberdade. Foi o que aconteceu comigo outro dia.

Depois de uns dias de intenso calor, finalmente veio a chuva, e com ela um vento que tornou o ambiente mais respirável.

Logo cedo, fui na padaria, sentir o frescor daquela manhã de fim de verão que mais parecia outono. Sentia um vento fresco nas minhas costas, na minha nuca, e uma agradável sensação de liberdade me invadiu.

Estava livre do forno crematório, daquela horrível sensação de abafamento que tinha sentido nos últimos dias. Livre, tive vontade de tirar a roupa, ficar nu, e tornar eterno aquele momento.

Claro que não fiz isso. Seria um escândalo. Mas que eu senti vontade, senti. Talvez um dia ainda visite um campo de nudismo.

Enquanto caminhava, fui divagando sobre nudez, e veio à minha mente um dia em que também me senti nu. Foi diferente, bem diferente. Foi mais real, e mesmo surreal.

Dezembro de 1972, eu estudava no primeiro colegial, e tinha ficado de exame final. Naquele tempo, não era progressão continuada e era difícil passar de ano. Tinha que tirar média 7 nos quatro bimestres para passar direto, sem exame. Se não conseguisse, tinha que enfrentar um exame final, e se não fosse aprovado, ficava de segunda época, que era feita em fevereiro. Ficar de segunda época significava estudar em casa durante as férias, ouvir ironias do pai, sermões da mãe (o pior de tudo) e o escárnio daqueles que tinham passado direto ou no primeiro exame.

Por isso, eu estava preocupado. Estressado, se diria hoje em dia. Estudando muito, dia e noite. Já bastavam as mazelas que eu estava vivendo, não queria uma repetência no meu currículo.

Era um sábado à tarde, resolvi deixar os cadernos de lado e fui no Clube Comercial de Lorena, cidade onde eu morava, me divertir um pouco. Gostava de piscina, estava precisando de uns mergulhos.

No reservado, tomei um banho (que era obrigatório), e deixei o calção pendurado em um gancho. Até aí, tudo bem

E fui saindo, belo e formoso, em direção à piscina. Foi quando senti uma estranha sensação de liberdade.

Olhei para o lado e percebi que a D. Vitalina, funcionária do Clube, me olhava, olhava... parecia extasiada... ou seria indignada? Não sei.

Mas continuei sentindo a estranha, porém agradável sensação de liberdade. Queria que aquele momento se eternizasse... Estava tão gostoso...

Ouvi assobios, era um grupinho que estava à beira da piscina. Por que será que estavam assobiando?, pensei. Bando de bobos...

E continuei sentindo a gostosa sensação de liberdade. Sentia alguma coisa muito livre... agradavelmente livre.

Foi então que ouvi a voz do Edinho, um velho amigo, de dentro do reservado, me chamando: - Julio, você vai na piscina assim?????

- Assim? Assim como, Edinho?

- Você está pelado, Julio. Esqueceu de colocar o calção!!!!!!

- Foi então que percebi. Estava nu, pelado, com a mão no bolso. Nuzinho em pelo. Em trajes adâmicos. Tinha tomado banho, mas esqueci de colocar o calção!!!!

Voltei para o reservado, e fiquei lá uns quinze minutos, com vergonha e com medo de ser suspenso, talvez expulso do Clube. Que vergonha, pensei. A cidade inteira vai ficar sabendo. O Julio nu, pelado, em trajes adâmicos na piscina...

Depois de um tempo, criei coragem, e resolvi enfrentar a situação. Coloquei o calção, e como quem não quer nada, saí do reservado, e vi D. Vitalina. Ela me viu e disfarçou, ficou assobiando, olhando para cima. Santa mulher! Fez de conta que não tinha visto nada. Bastaria a palavra dela para que eu fosse excomungado do clube.

Me encorajei, imaginando que ninguém tivesse visto, inclusive aquela turma do assobio. Acho que era por outra razão, pensei.

Mas não era. Quando ia entrar na água, a Verinha, uma linda morena de olhos verdes, me disse com a cara mais lavada do mundo: - esqueceu o calção, Julio? E riu maliciosamente. Não sei onde Verinha mora hoje, mas ela é testemunha de que não sou judeu...

Meu B.O era público. Mas o pessoal foi condescendente comigo, não espalhou muito a história. Poucos ficaram sabendo na cidade e não fui expulso do clube.

Um amigo cara de pau até que me incentivou a repetir a proeza, e disse que me daria um rádio de pilha se eu topasse (era coisa chique, naqueles tempos). "Vamos enxovalhar os costumes", me disse o dito cujo. Claro que não aceitei, eu era um menino conservador, família. Passar vexame uma vez já era muito para mim. .

O tempo passou, fui mal no primeiro exame, passei na segunda época, e a vida seguiu. Nua e crua. Literalmente.

Hoje, a minha nudez é apenas uma lembrança na noite do tempo. E como dói.

(*) Julio Arthur Marques Nepomuceno sou eu.

Amparo, 09 de abril de 2024

Julio Arthur Marques Nepomuceno
Enviado por Julio Arthur Marques Nepomuceno em 09/04/2024
Reeditado em 19/04/2024
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