Memorias do paciente H.26 - O amargor sempre presente!
Meu estômago dói e minha boca nunca mais perdeu o sabor metálico desagradável. Tudo isso começou depois que fui obrigado a ingerir toda a sorte de comprimidos, isso foi assim que cheguei neste purgatório. Eles dizem que é para o meu bem, mas não acredito, pois fico cada dia mais triste, entorpecido por horas, sem conseguir carregar o peso do próprio corpo de um lado para o outro ou formular qualquer tipo de pensamento em meu cérebro. As pílulas chegam em recipientes sem bulas e eles não dizem para que servem, se limitam apenas a informar que é estritamente necessário engoli-las.
Nem ouse pensar que dá para fazer como nos filmes em que as personagens escondem as pílulas debaixo da língua e logo que os funcionários dão as costas, cospem tudo para logo em seguida enfiar debaixo do colchão. Negativo, aqui te obrigam a engolir enquanto te assistem, forçam um copo de água em sua direção e logo em seguida tocam na sua garganta de um modo que, mesmo que você não queira, acaba pondo abaixo, em direção ao estômago, tudo que porventura esteja na boca. É terrível.
Lembro, como se houvesse sido ontem, de uma das primeiras sessões de tortura. Ousei cuspir um comprimido cor de rosa no chão, sentir uma cotovelada no nariz, o sangue quente desceu e uma mão apertou minha garganta logo em seguida. Cair de joelhos e as lágrimas desceram, voltei a face para cima, fui ousado, e encarei meu algoz para ver se estava satisfeito com seu feito, no entanto, me surpreendeu, que ele se mostrasse indiferente, não havia em seu rosto repulsa, ódio ou satisfação, era como que um rosto congelado, inexpressivo. Recordo-me de pensar, devido à falta de emoção, que para ele isso deveria ser algo tão corriqueiro, comparável a dar um peteleco em uma formiga que ouse caminhar pelo braço lhe causando cócegas.
Enquanto escrevo estas palavras, este sabor odioso perfura minha boca em todas as direções. Este amargor...... sempre presente. Mesmo que eu pudesse, e não posso, comer algo apetitoso, logo após o início da mastigação, o sabor agradável se perderia neste mar de chumbo que tomou minha boca.