Memorias do paciente H.26 - A ousadia da natureza!
Através da janela fortemente gradeada consigo uma boa visão de fora, uma bela visão na verdade, mas admito que qualquer coisa que se apresentasse aos meus olhos e que conseguisse romper com o padrão de brancura mortiça que compõe este mausoléu me agradaria sem grandes esforços.
Por entre os recortes das grades enferrujadas vislumbro uma natureza verde e vívida que brota, sufocada e agradecida, em direção à luz. Esqueci de mencionar que me encontro contido no segundo piso deste lugar e a vista da janela me proporciona um pouco mais que apenas os domínios da prisão que me enclausura.
Posso ver que os terrenos desta prisão são os únicos que, de terra aparentemente fofa e desimpedida, permitem que dele brote todos os tipos de arvores, vegetação rasteira, arbustos baixos e plantas com flores lindamente coloridas. Tudo ao redor deste verde é cimentado e sufocante, um mundo de pedra formado por caixotes cinzentos ou brancos a perder de vista no horizonte.
Sempre que meus demônios interiores recuam um pouco e me permitem o controle da mente e do corpo eu corro para esta janela gradeada e fico assistindo esse pedacinho verde de vida que persiste em guerrear uma batalha aparentemente perdida.
É irônico pensar em como o único lugar com o poder de me negar a liberdade é também o último reduto libertador para uma natureza que tem fome de viver, mas que na maioria dos lugares desta terra arrasada se vê impedida de atingir os seus intentos...
(Enquanto escrevia as últimas linhas destes pensamentos ouvir e vi um lindo papagaio pousar na mais alta das ramas de uma das palmeiras que consigo enxergar daqui. Com seu bico gracioso ele arranca os frutos mais acessíveis, seu canto é cheio de novidade e calor, eu diria que ele está agradecido por este lugar existir, afinal, por que não estaria?).