TEMPO - ENVELHECIMENTO - PERDA

 

 

Passagem dolorosa da vida é quando temos que assumir o posto de mães de nossas mães, quando elas envelhecem e adoecem. É uma inversão dolorida e o primeiro passo da perda. Quando minha mãe ficou bem idosa, doente e debilitada, sendo a única filha, tive que me preparar para dar conta do que ia acontecer.

 

Mamãe sofria de um desgaste muito acentuado do fêmur, nos dois lados do quadril e usava bengala há algum tempo. Já estava com 93 anos e as dores se intensificaram. Resolvemos, meus irmãos e eu, planejar com seu ortopedista, uma cirurgia do lado esquerdo, que era o que se apresentava pior. Assim foi feito, com muita apreensão de nossa parte. A cirurgia foi bem sucedida e eu a levei para meu apartamento para dela cuidar durante o pós-operatório. Minha mãe foi uma convalescente fácil de conviver pelo seu temperamento calmo, dócil, cooperativo. Passou a usar andador e se locomovia pelo apartamento com certa desenvoltura, porém nunca mais voltou a andar normalmente sem apoio. Precisava de assistência no banho e ao vestir a roupa. Ainda se alimentava e ia ao banheiro sozinha.

 

Eu não quis uma enfermeira em casa e assumi essas tarefas, além das que já fazia. Quase sucumbi, pois nessa época eu tinha mais de 60 anos e já cuidava do marido com grave doença cardíaca. Mamãe ficou conosco até completar 95 anos, quando meu marido foi para uma cirurgia para corrigir o problema no coração e não sobreviveu. Eu, então, viúva e muito abalada, não consegui continuar cuidando dela, que foi para a casa de meu irmão Odilon, onde duas enfermeiras se revezavam nos cuidados. Mesmo assim, ainda fui muitas vezes pernoitar lá, quando a enfermeira da noite não podia ir.

 

Virar cuidadora de nossa mãe talvez seja uma das experiências mais doloridas da vida. Não estamos preparados para isso. Quando mamãe ficou mais dependente, reunimos os 4 irmãos para decidirmos como enfrentar essa situação tão difícil. Alguém sugeriu interná-la em uma instituição, algo que eu chamo de "depósito de velhos”. Não concordamos, faltou-nos coragem. Meu irmão Beto e eu resolvemos nos revezar com as enfermeiras. Mamãe voltou para sua casa e, assim, com dois filhos e duas cuidadoras, cada um passava um tempo com ela, ajudando-a em tudo o que era preciso.

 

Enquanto cuidei de minha mãe, eu dava-lhe banho, vestia, penteava os cabelos, preparava-lhe as refeições e ministrava-lhe os remédios. E eu me via, nesse papel, precisando ainda, tanto dela. Me sentia sem rumo, vivendo uma orfandade antecipada. Tive que trabalhar minha cabeça para enfrentar a perda e, antes disso, impotente, evitar desabar enquanto estivesse ao lado dela, que permaneceu frágil, porém lúcida até o fim.

 

Faleceu a 24-01-2014 aos 96 anos.

Durante o funeral, minha cunhada e sua nora, a Patrícia, levou alguns quadros que mamãe havia pintado e os expôs lá mesmo na capela do cemitério. Mamãe tinha talento para pintura, gravura, entalhe e produziu muitas obras durante sua longa existência. Assim, parentes, amigos e vizinhos que compareceram, puderam ver uma parte de seu trabalho.

 

 

Aloysia
Enviado por Aloysia em 28/01/2024
Reeditado em 30/01/2024
Código do texto: T7986903
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